quarta-feira, 7 de abril de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – relatos de estrangeiros sobre a presença dos negros na Lisboa do século XVIII; preconceito eugenista em relação aos vistos como exóticos/excêntricos; fragmentos de John Trusler e de Udal ap Rhys sobre a miscigenação em Portugal e a associação da cor da pele à condição de nobreza; cartas de José Baretti e a advertência sobre a massiva presença de negros em Portugal e como o país se desvinculava etnicamente do resto da Europa

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html antes de ler esta postagem:

Na sequência dos estudos sobre “O rei do Congo” conhecemos um pouco das impressões de estrangeiros a respeito da presença dos negros na Lisboa do século XVIII.
Outros viajantes europeus de diferentes nacionalidades produziram relatos nos quais destacavam a presença marcante de negros em Portugal. Citaram diversos eventos em que africanos e afrodescendentes se manifestavam chamando a atenção dos estrangeiros não acostumados a eles.
Os relatos não escondem o (pré)conceito que os europeus nutriam em relação aos tipos comumente considerados exóticos/excêntricos.

(...)

Em 1747, o inglês John Trusler registrou no seu “Descrição do reino de Portugal” observações em relação à miscigenação resultante das interações dos brancos portugueses com os africanos. Para ele, a “mistura das raças” resultava em degeneração e, àquela altura, o fato de o lusitano reivindicar “branquitude” significava principalmente uma intenção de ser reconhecido como honrado:

                   “a raça original dos portugueses foi a tal ponto degenerada (depraved), que ser blanco, isto é, ser um branco de verdade, tornava-se um título de honra” (...) “Assim, quando um português diz que é blanco não significa que seja branco de pele, mas um nobre, uma pessoa de família e de importância”.

(...)
Dois anos mais tarde, outro britânico, Udal ap Rhys, em “Na account of the most remarkable places and curiosities in Spain and Portugal” não só fez coro às considerações de Trusler, como buscou explicar “a razão histórica” para o citado comportamento:

                   “O fato de possuir extensos domínios nas duas Índias traz a Lisboa um tal número de morenos escuros (tawnies), negros pardos (brown), que quando um português deseja declarar nobreza invoca a condição de branco, ou White man”.

(...)
Novamente um italiano...
José Baretti redigiu 23 cartas que trazem observações sobre a “mudança étnica” que se observou entre os lisboetas...
A citada documentação foi reunida pelo italiano em “Portugal em 1760”... Tinhorão destaca a relevância das “Cartas Familiares” para o estudo da temática que pode ser denominada “antropoetnia”.
Alguns fragmentos de “Portugal em 1760” revelam-nos a admiração/espanto de Baretti ao ter notado a participação ativa de negros e negras em eventos públicos, bem como na miscigenação que, segundo ele, não tardaria a tornar os portugueses uma gente apartada dos demais europeus, dado que raras seriam as famílias em que o sangue africano não estaria presente.
A certa altura de seus registros agressivos, Baretti descreveu “uma tourada na arena lisboeta de Campo Pequeno”, na qual constatou a atuação de negros incumbidos de provocar os touros “com uma capa na mão”:

                   “Uma coisa que surpreende um estrangeiro, logo que chega aqui (a Lisboa), é a quantidade de pretos de um e outro sexo, que formigam a cada canto. São míseros escravos trazidos de diversos pontos da África, e introduzidos, mau grado seu, às colônias americanas ou às ilhas dos Açores, ou a outras partes sujeitas à coroa de Portugal” (...)
                   Entretanto, estes pretos e estas pretas, que transportados da África por Portugal, quer nascidos em Portugal de pais africanos, enchem este cantinho da Europa com uma espécie de monstros humanos apelidados mulatos, que são filhos, ou de um preto e de uma branca, ou de uma preta e de um branco; e estes monstros produzem depois mais, unindo-se, ou com outros europeus ou europeias, ou com outros africanos, ou com outros indivíduos da sua cor mais ou menos mudados pelas diferentes misturas de sangue”. (...)
                   “de maneira que são poucas as famílias portuguesas que possam conservar-se só europeias, pelo andar do tempo virão a abastardar-se, porque em todos entrará pouco ou muito sangue africano”.

Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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