Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_23.html antes
de ler esta postagem:
Aconteceu
que a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 representou
grave crise ao Cristianismo e especialmente à Igreja de Roma, que passou a
negociar com Portugal outra “forma de lidar ideologicamente com os africanos”.
Isso se deu nos primeiros anos após 1500... Não demorou e a monarquia
lusitana decidiu conferir aos africanos:
“através do batismo automático, uma identidade
espiritual-religiosa que lhes permitia a integração à sociedade no caráter
humano de filhos de Deus, e não mais apenas no de ‘res’, ou ‘coisa’”.
Obviamente essa decisão não implicava em desvincular
os negros das atividades a eles determinadas enquanto escravos... O rei D.
Manuel e o papa Leão X entenderam-se perfeitamente em relação a essa e outras
questões, como a que garantia a “manutenção da tutela mútua sobre as conquistas
de territórios até as Índias”.
A respeito dessa “colaboração Roma-Lisboa”, vale destacar dois
documentos papais citados no texto:
* Bula
“Eximae devotionis”, de 1513, que previa a instalação de uma pia batismal
exclusiva para escravos na Igreja da Conceição Velha, da Ordem de Cristo, em
Lisboa;
* Bula “Praeclara
tuae celsitunia merita”, de 1515, “que permitia (...) o batismo em massa de
todos os escravos chegados a Lisboa, ainda a bordo das naus que os
transportavam”.
Tinhorão sugere a leitura de “Devoção do Rosário é preto no branco”,
capítulo de “Festa de negro em devoção de branco”, de sua autoria, para uma
melhor reflexão e entendimento acerca da “colaboração Roma-Lisboa consequente
da comunhão de interesses na exploração da África”.
(...)
Podemos dizer que as
diversas regulamentações contidas nas “Posturas” citadas na última postagem,
com sua finalidade de estabelecer a “boa ordem e os bons costumes”, definiam
uma integração dos negros à “vida social da cidade”, quer dizer, “podiam participar
dela”, com evidentes (e grandes) restrições.
O livro deixa claro que,
por ordem real, os africanos estavam proibidos de “comer em tavernas ou outra
qualquer venda” desde 1508. Aliás, os estabelecimentos deviam encerrar todo
tipo de atendimento assim que soasse “o sino corrido” conforme o determinado
por “Lei do El-Rei D. Manuel, de 22 de março de 1502”.
Estando
proibidos de frequentar as tavernas à noite, “os negros escravos de Lisboa partiam
para a prática de formas de camaradagem e lazer ao ar livre” e acabavam se
reunindo em praças e outros logradouros. Em nota, o texto destaca que, em 1521,
o rei D. João III sancionou lei* para punir os escravos que participavam de
tais reuniões:
“Ordenou o dito
Senhor (o rei D. João III) que qualquer escravo que fosse achado jogando na
Corte ou na cidade de Lisboa qualquer jogo (de azar), fosse preso e açoitado ao
pé do pelourinho, onde lhe darão vinte açoites, ou pagasse seu senhor por ele
trezentos reais, para que o prendessem, quando não quisesse que o açoitassem”.
* Na próxima postagem traremos maiores esclarecimentos
acerca dessa lei.
Como se pode notar, o proprietário do escravo
acabava sofrendo punição por não cuidar devidamente da “vigilância sobre o
objeto vivo” que devia controlar. O Estado deixava evidente a condição de “coisa”
do escravo. Assim, nem havia como referir-se ao mesmo como “ser social”, até
porque isso implicaria em “contradições jurídicas” pelo simples fato de equipará-lo
aos cidadãos comuns.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_25.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto