sábado, 24 de abril de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – conquista de Constantinopla e entendimentos Roma-Lisboa sobre nova forma de lidarem ideologicamente com os africanos capturados para a escravidão; bulas papais de 1513 e 1515; nova sugestão de leitura do autor; mais sobre as “posturas” e restrições aos negros em Portugal; fragmento de lei de 1521, de D. João III, para a punição dos escravos que se envolviam em jogatinas


Aconteceu que a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 representou grave crise ao Cristianismo e especialmente à Igreja de Roma, que passou a negociar com Portugal outra “forma de lidar ideologicamente com os africanos”.
Isso se deu nos primeiros anos após 1500... Não demorou e a monarquia lusitana decidiu conferir aos africanos:

                   “através do batismo automático, uma identidade espiritual-religiosa que lhes permitia a integração à sociedade no caráter humano de filhos de Deus, e não mais apenas no de ‘res’, ou ‘coisa’”.

Obviamente essa decisão não implicava em desvincular os negros das atividades a eles determinadas enquanto escravos... O rei D. Manuel e o papa Leão X entenderam-se perfeitamente em relação a essa e outras questões, como a que garantia a “manutenção da tutela mútua sobre as conquistas de territórios até as Índias”.
A respeito dessa “colaboração Roma-Lisboa”, vale destacar dois documentos papais citados no texto:

                   * Bula “Eximae devotionis”, de 1513, que previa a instalação de uma pia batismal exclusiva para escravos na Igreja da Conceição Velha, da Ordem de Cristo, em Lisboa;
                   * Bula “Praeclara tuae celsitunia merita”, de 1515, “que permitia (...) o batismo em massa de todos os escravos chegados a Lisboa, ainda a bordo das naus que os transportavam”.

Tinhorão sugere a leitura de “Devoção do Rosário é preto no branco”, capítulo de “Festa de negro em devoção de branco”, de sua autoria, para uma melhor reflexão e entendimento acerca da “colaboração Roma-Lisboa consequente da comunhão de interesses na exploração da África”.
(...)

Podemos dizer que as diversas regulamentações contidas nas “Posturas” citadas na última postagem, com sua finalidade de estabelecer a “boa ordem e os bons costumes”, definiam uma integração dos negros à “vida social da cidade”, quer dizer, “podiam participar dela”, com evidentes (e grandes) restrições.
O livro deixa claro que, por ordem real, os africanos estavam proibidos de “comer em tavernas ou outra qualquer venda” desde 1508. Aliás, os estabelecimentos deviam encerrar todo tipo de atendimento assim que soasse “o sino corrido” conforme o determinado por “Lei do El-Rei D. Manuel, de 22 de março de 1502”.
Estando proibidos de frequentar as tavernas à noite, “os negros escravos de Lisboa partiam para a prática de formas de camaradagem e lazer ao ar livre” e acabavam se reunindo em praças e outros logradouros. Em nota, o texto destaca que, em 1521, o rei D. João III sancionou lei* para punir os escravos que participavam de tais reuniões:

                   “Ordenou o dito Senhor (o rei D. João III) que qualquer escravo que fosse achado jogando na Corte ou na cidade de Lisboa qualquer jogo (de azar), fosse preso e açoitado ao pé do pelourinho, onde lhe darão vinte açoites, ou pagasse seu senhor por ele trezentos reais, para que o prendessem, quando não quisesse que o açoitassem”.

                            * Na próxima postagem traremos maiores esclarecimentos
                                    acerca dessa lei.

Como se pode notar, o proprietário do escravo acabava sofrendo punição por não cuidar devidamente da “vigilância sobre o objeto vivo” que devia controlar. O Estado deixava evidente a condição de “coisa” do escravo. Assim, nem havia como referir-se ao mesmo como “ser social”, até porque isso implicaria em “contradições jurídicas” pelo simples fato de equipará-lo aos cidadãos comuns. 
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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