O que se percebe é que o Sete-de-Ouros era burro inteirado das adversidades da natureza... Naquela escuridão e aguaceiro de fazer tremer os ribeirinhos mais antigos, o animalzinho seguiu com suas passadas em meio à caudalosa corredeira gelada. Parecia poupar as forças e antecipar as “porcariadas” que deslizavam perigosamente na superfície.
E descia de tudo! Desde ciscos e gravetos até grandes toras e corpos de animais mortos (“de pelo, escamas ou de penas”).
(...)
A pororoca persistiu grossa e perigosa.
Sete-de-Ouros
avançou no seu ritmo. “Grotas submersas ou as elevações do terreno” alteravam
bruscamente a correnteza... As águas pareciam desafiá-lo! As árvores cobertas
pela água, as que ainda tinham a copa exposta ou as que haviam sido arrancadas
mudavam “a toada das águas soltas”.
O texto descreve a
sinfonia repleta de sons produzidos a partir do aguaceiro:
“E, no bramido daquele mar, os muitos sons se
dissociavam - grugulejos de remoinhos, sussurros de remansos, chupões de
panelas, chapes de encontros de ondas, marulhar de raseiras, o tremendo assobio
dos vórtices de caldeirões, circulares, e o choro apressado dos
rabos-de-corredeira borborinhantes”.
(...)
A movimentação
parecia não mais ter um fim. Mas aconteceu que a persistência de Sete-de-Ouros
o levou a uma área mais fria. Na verdade ele conseguiu atingir o que seria o
leito do córrego.
Dali para frente
seria a retirada, a finalização da travessia.
Mas o local era dos
mais perigosos para os cavalos que vinham atrás e chegavam sem fôlego. O
problema maior era o modo como a correnteza movimentava o aguaceiro para o
fundo do que seria o curso original do córrego da Fome.
Na sequência “a corrente entornou a si o pessoal vivo, enrolou-o em suas
roscas, espalhou, afundou, afogou e levou”.
O
texto esclarece que “ainda houve um tumulto de braços, avessos, homens e
cavalgaduras se debatendo”.
(...)
A gritaria foi geral... Cada vez mais as súplicas confusas foram ouvidas
em pontos distanciados. Certamente algumas cabeças se puseram para fora da água
e buscaram a respiração que as pudesse salvar.
À direita do burro, a uns dez metros, um corpo ergueu-se
das funduras. Não havia esperança para os vaqueiros, e no desespero cada um
contava somente consigo mesmo. Era um “salve-se quem puder”.
(...)
De acordo com a
produção textual de Guimarães Rosa:
“Noite feia! Até hoje
ainda é falada a grande enchente da Fome, com oito vaqueiros mortos, indo
córrego abaixo, de costas - porque só as mulheres é que o rio costuma conduzir
de bruços”...
A
montaria do Benevides não desceu a correnteza, pois o cavalo se prendeu “num
ramo de pé de ingá”... Já o cavalo amarelado que Silvino montava deu uns três
giros antes de ir para o fundo das águas. O vaqueiro que pretendia assassinar
Badú foi carregado para as profundezas com o animal e se afogou também.
De Leofredo e
Raimundo ninguém jamais teve notícia... Simplesmente desapareceram nas
corredeiras. Sinoca foi encontrado junto ao seu cavalo. O pobre vaqueiro não
conseguiu tirar um dos pés do estribo. Os dois terminaram enroscados num ponto
qualquer do córrego. A água que ingeriram os fez “inchar como balões”.
Demoraram a encontrar Zé Grande e Tote... Pelo visto os dois tentaram se
salvar juntos e acabaram morrendo abraçados. Seus corpos foram atacados por
pacamãs até chegarem a um poço de vazante, onde abutres aguardavam o que
sobrasse das carcaças.
O
corpo de Sebastião foi longe. Tal como uma “barca vazia”, só parou quando
chegou a um trecho raso e barrento da “Silivéria Branca”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_12.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto