Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/03/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_8.html antes
de ler esta postagem:
A
intensa atividade de escravos no porto e ruas de Lisboa conferia à urbe a ideia
de “cidade de negros”... De acordo com o livro, os primeiros registros a
retratarem a movimentação de africanos “já ambientados em Portugal datam de
1451” e constam do relato feito pelo padre Langmann de Falkenstein sobre as
festas que ocorreram durante o casamento “da princesa D. Leonor (irmã de D.
Afonso V)” com Frederico III, imperador do Sacro Império Romano-Germânico. O
casamento ocorreu por procuração e mesmo assim foi marcado por exibições
públicas diversas.
O fragmento abaixo, de “Memórias de forasteiros, aquém e além-mar:
Portugal, África e Índia, séculos XII-XVI”, foi recolhido por Rodrigues Cavalheiro
e Eduardo Dias a partir da compilação de Antonio Caetano de Sousa para o Tomo I
de “Provas da história genealógica da Casa Real Portuguesa” (1739):
“Judeus e mouros, etíopes e canários, escravos da África
e selvagens das ilhas atlânticas, exibiam suas danças e combates (coreografia
africana) trajados à sua maneira e ostentando suas armas próprias, os
instrumentos musicais que costumam usar”.
(...)
Em 1465, o barão Leon de Rosmital, realizou viagem
diplomática a Portugal e a mais outros oito países. Ele havia sido incumbido pelo
rei Jorge de Poliebrad, da Boêmia, de chefiar comitiva composta por quarenta
cavaleiros.
Depois de passar por Inglaterra, França e Espanha, a embaixada chegou a
Braga, sendo recepcionada por Afonso V. Consta que, por ocasião da tradicional
troca de presentes, Rosmital revelou aos portugueses sua intenção de levar dois
negros à Boêmia para mostrá-los ao rei... Alexandre Sasek, cronista da missão diplomática
alemã, explica em seus registros que nas diversas regiões de Portugal podiam
encontrar africanos, salientando tratar-se de situação comum entre os lusitanos
daquela época:
“O
irmão do rei (D. Fernando, duque de Viseu, que morreu em 1470 aos 37 anos), que
presenciara este pedido, entrou a rir, dizendo: ‘Isto que pedes, amigo, não
vale nada, pede coisa mais importante e decente que dois negros. Mas, já que
tanto queres, aceita uma dádiva minha, que é um macaco, e assim irás para a tua
terra egregiamente presenteado. É de crer que nas tuas regiões não haja negros
nem macacos. Visto a instância com que pedes estas coisas” (...) “E como quer
que o senhor dissesse que raros tinha visto, o duque respondeu: ‘Nós temos
disto muito. O rei, meu irmão, possui três cidades na África, para onde costuma
enviar todos os anos um exército, e por mais pequeno que seja a expedição,
nunca vem tão mal servida que não traga 100 mil ou mais negros de ambos os
sexos”.
(...)
Durante os séculos XVI e XVII, por motivos diversos e em circunstâncias
específicas, italianos registraram a presença de negros em Portugal.
O livro destaca que ao tempo do reinado de D. Manuel I, o veneziano Lunardo
da Chá Masser, teve de comparecer perante o monarca português no ano de 1504
para se defender de uma acusação feita por um seu conterrâneo. Em “Rei do Congo”
não temos detalhes a respeito da intriga ou da “falsa acusação” contra ele,
apenas que, a certa altura de sua defesa, Masser afirmou “que a importação oficial
de dois mil africanos por ano rendia nada menos de 150 mil ducados ao soberano
português”.
O lucro auferido com a
compra e venda de escravos, inclusive por agentes do rei, esclarece em boa
medida o motivo de se encontrarem tantos africanos em Portugal...
Em 1571, João Batista
Venturino, outro italiano e “secretário do legado papal cardeal Alexandrino”,
por ocasião de viagem à França e à Península Ibérica, esteve entre os
portugueses. A comitiva foi recepcionada em Elvas por D. João, jovem duque de Bragança
que, de acordo com informações de “Portugal e os estrangeiros”, de Manuel
Gonçalves Branco, foi caracterizado por Venturino como “mancebo de 25 anos, de
medíocre estatura, trigueiro, de boa cor, vista curta e de pouca robusta compleição”*.
O
italiano redigiu narrativa acerca das homenagens que receberam no Alentejo e,
dessa maneira, fez revelações acerca do grande contingente de negros e da (des)consideração
que portugueses dispensavam a eles... Em Viçosa, Venturino destacou o som dos “atabaques
tocados por pretos” e salientou sua contrariedade em relação ao “luxo da
recepção” que tiveram: “Os escravos são considerados e tratados como as raças
de cavalos na Itália pelo mesmo método, o que se busca é ter muitas crias para
as vender a 30 e a 40 escudos”.
*
Uma
nota esclarece que a mesma documentação, no caso a narrativa de Venturini, foi
utilizada por Alexandre Herculano em “Relato do membro da delegação enviada a
Portugal pelo papa Pio V em 1571 sob a chefia de seu sobrinho Miguel Benello, o
cardeal Alexandrino”, publicado em “O Panorama, Vol. I, 2ª série, 1842”.
Todavia, Herculano omitiu certos trechos por considerar que Venturino, de “linguagem
‘bastante solta’”, “mostrava o poderoso duque de Bragança como senhor de
escravos destinados ao comércio”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto