quarta-feira, 9 de setembro de 2015

“Estado de Sítio”, de Albert Camus – uma introdução; solicitação de Jean-Louis Barrault; partes da peça e algumas personagens

No final da década de 1940 o ator Jean-Louis Barrault pretendia encenar Diário do Ano da Peste, de Daniel Defoe. Ao saber que Camus escrevia A Peste (1947), desejou que este produzisse uma adaptação para o teatro a partir deste texto.
Estado de Sítio é o resultado dessa iniciativa... Não é por acaso que algumas personagens da peça nos remetem às de A Peste.
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É o próprio Camus quem adverte que Estado de Sítio se deve à iniciativa de Barrault... A peça (dedicada ao ator) não é uma adaptação de seu romance.
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Em Estado de Sítio vemos que os habitantes de Cádiz (um evidente protesto de Camus ao autoritarismo político e conservadorismo católico impostos aos espanhóis durante a ditadura franquista) começaram a se alarmar devido à passagem de um cometa, que só podia significar o prenúncio de desgraças aos viventes... Apesar do desespero dos mais simples, as autoridades negaram peremptoriamente o fenômeno, insistiram que nada foi avistado e que, assim sendo, “a vida devia seguir o seu curso normal”.
Contudo o cometa reapareceu... Alguns cidadãos caíram mortos... O pânico cresceu... As crenças populares insistiam que o astro celeste trazia alguma epidemia.
Para o governo local, combater o pânico parecia mais importante do que articular providências.
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O relatado anteriormente nos é apresentado no Prólogo...
No Primeiro Ato vemos as autoridades se manifestarem... Está claro que o acontecimento astronômico revelou-se inconveniente aos líderes políticos locais apenas pelo fato de inibir suas bucólicas caçadas na floresta... Não os vemos buscando soluções para os problemas da população... Se, de fato, ocorresse epidemia, ela só podia ser “problema dos governados”... Esses deveriam prosseguir sua vida marcada por alegrias, dificuldades, “misérias e artimanhas”.
Juízes e religiosos colocaram-se “acima dos acontecimentos”... Julgavam-se justos e piedosos... Por isso mesmo nada tinham a temer. Para o padre, a chegada de uma catástrofe constituía ocasião ideal para “resgatar as almas” que há muito se perdiam... Todos deviam se arrepender para se tornarem dignos da salvação divina...
Mas as figuras historicamente investidas de poder se viram encurraladas com a chegada de Peste e sua Secretária... Peste exigiu para si o controle da cidade e a obediência irrestrita da população... O governador e seu staff tiveram de abrir mão de sua “legitimidade política” e abdicaram... Retiraram-se, e essa era a condição imposta para que a ordem se estabelecesse na cidade. Bastaram algumas “irradiações” da Secretária para que novos óbitos ocorressem. Isso foi suficiente para que todos se convencessem da necessidade da “nova ordem”.
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Mensageiros de Peste divulgavam as normas ao povo... Normas, normas e mais normas...
Todos notaram que as mudanças puniam os mais fracos (aqueles que amam e alimentam sentimentos puros e inocentes) ao mesmo tempo em que premiavam os “fortes” (aqueles que se prontificavam a delatar os “desqualificados sociais”).
Talvez o mar guardasse a salvação... As pessoas esperavam que suas águas e vento constante pudessem libertá-las (da epidemia e do autoritarismo)... Mas o forte aparato de Peste tratou de impedir que os muros da cidade fossem transpostos.
O vento deixou de soprar, a atmosfera escureceu... Aqueles que padeciam da mesma medíocre condição não demonstravam forças (e nem interesse) para se organizar e reverter a degradante situação.
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O estado de sítio foi imposto... Tudo passou a ser vigiado e proibido, principalmente o amor... Também a morte foi burocratizada... A Secretária possui uma lista criteriosa e uma de suas principais tarefas consiste em riscar os nomes dos que devem tombar.
No Segundo Ato notamos a absurda situação imposta pelo regime inaugurado por Peste... O povo, massa amorfa e inerme, não entende seus decretos e não crê que possa imprimir qualquer alteração à própria condição desmoralizante.
Com intimidação e perseguição aos oprimidos, o ditador passou a contar com Nada, um tipo bêbado e niilista (como o nome sugere) que despreza a humanidade... Para este, a personalidade destruidora demonstrada por Peste bastava para merecer a sua total devoção.
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Diogo é apaixonado por Vitória, a filha do juiz Casado. Ele o “tipo letrado” da história e nutre o sonho de um dia viverem juntos... Desde o começo demonstra recusa ao golpe imposto por Peste, e é por isso que se engajou na “libertação” do povo.
No Terceiro e derradeiro Ato vemos o voluntarioso rapaz travando a batalha contra os inimigos da liberdade... Algo poderá deter o seu amor por Vitória, pela vida, seus iguais conterrâneos e pela humanidade?
Leia: Estado de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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