Estado de Sítio é o resultado dessa iniciativa... Não é por acaso que algumas personagens da peça nos remetem às de A Peste.
(...)
É o próprio Camus quem adverte que Estado de Sítio se deve à iniciativa de
Barrault... A peça (dedicada ao ator) não é uma adaptação de seu romance.
(...)
Em Estado de Sítio vemos que os
habitantes de Cádiz (um evidente protesto de Camus ao autoritarismo político e
conservadorismo católico impostos aos espanhóis durante a ditadura franquista) começaram
a se alarmar devido à passagem de um cometa, que só podia significar o
prenúncio de desgraças aos viventes... Apesar do desespero dos mais simples, as
autoridades negaram peremptoriamente o fenômeno, insistiram que nada foi
avistado e que, assim sendo, “a vida devia seguir o seu curso normal”.
Contudo o cometa reapareceu... Alguns cidadãos caíram
mortos... O pânico cresceu... As crenças populares insistiam que o astro celeste
trazia alguma epidemia.
Para o governo local, combater o pânico parecia mais importante do que
articular providências.
(...)
O relatado anteriormente nos é apresentado no Prólogo...
No Primeiro Ato vemos as autoridades se
manifestarem... Está claro que o acontecimento astronômico revelou-se
inconveniente aos líderes políticos locais apenas pelo fato de inibir suas
bucólicas caçadas na floresta... Não os vemos buscando soluções para os
problemas da população... Se, de fato, ocorresse epidemia, ela só podia ser “problema
dos governados”... Esses deveriam prosseguir sua vida marcada por alegrias,
dificuldades, “misérias e artimanhas”.
Juízes e religiosos colocaram-se “acima dos acontecimentos”...
Julgavam-se justos e piedosos... Por isso mesmo nada tinham a temer. Para o
padre, a chegada de uma catástrofe constituía ocasião ideal para “resgatar as
almas” que há muito se perdiam... Todos deviam se arrepender para se tornarem
dignos da salvação divina...
Mas as figuras historicamente investidas de poder se viram encurraladas
com a chegada de Peste e sua Secretária... Peste exigiu para si o controle da
cidade e a obediência irrestrita da população... O governador e seu staff tiveram de abrir mão de sua “legitimidade
política” e abdicaram... Retiraram-se, e essa era a condição imposta para que a
ordem se estabelecesse na cidade. Bastaram algumas “irradiações” da Secretária
para que novos óbitos ocorressem. Isso foi suficiente para que todos se convencessem
da necessidade da “nova ordem”.
(...)
Mensageiros de Peste
divulgavam as normas ao povo... Normas, normas e mais normas...
Todos notaram que as
mudanças puniam os mais fracos (aqueles que amam e alimentam sentimentos puros
e inocentes) ao mesmo tempo em que premiavam os “fortes” (aqueles que se prontificavam
a delatar os “desqualificados sociais”).
Talvez o mar
guardasse a salvação... As pessoas esperavam que suas águas e vento constante pudessem
libertá-las (da epidemia e do autoritarismo)... Mas o forte aparato de Peste
tratou de impedir que os muros da cidade fossem transpostos.
O vento deixou de soprar, a atmosfera escureceu... Aqueles que padeciam da
mesma medíocre condição não demonstravam forças (e nem interesse) para se
organizar e reverter a degradante situação.
(...)
O estado de sítio foi
imposto... Tudo passou a ser vigiado e proibido, principalmente o amor...
Também a morte foi burocratizada... A Secretária possui uma lista criteriosa e
uma de suas principais tarefas consiste em riscar os nomes dos que devem
tombar.
No Segundo Ato notamos a absurda situação imposta pelo
regime inaugurado por Peste... O povo, massa amorfa e inerme, não entende seus
decretos e não crê que possa imprimir qualquer alteração à própria condição
desmoralizante.
Com intimidação e perseguição aos oprimidos, o ditador passou a contar
com Nada, um tipo bêbado e niilista (como o nome sugere) que despreza a
humanidade... Para este, a personalidade destruidora demonstrada por Peste bastava
para merecer a sua total devoção.
(...)
Diogo é apaixonado por
Vitória, a filha do juiz Casado. Ele o “tipo letrado” da história e nutre o
sonho de um dia viverem juntos... Desde o começo demonstra recusa ao golpe imposto
por Peste, e é por isso que se engajou na “libertação” do povo.
No Terceiro e derradeiro Ato vemos o
voluntarioso rapaz travando a batalha contra os inimigos da liberdade... Algo
poderá deter o seu amor por Vitória, pela vida, seus iguais conterrâneos e pela
humanidade?
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto