domingo, 21 de junho de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – algumas considerações sobre a história de Sébastien-Roch Nicolas Chamfort e sua sátira às alterações no conceito de honra; o deputado Pierre Brunet de Latuque e a discussão sobre os direitos dos não-católicos; Stanislas de Clermont-Tonnerre sugere o debate em torno da extensão dos direitos a profissionais que sofriam desonra durante o Antigo Regime, o caso dos carrascos e dos atores; movimentações em Massachusetts a respeito da qualificação dos votantes e o desabafo de John Adams em carta a James Sullivan

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_16.html antes de ler esta postagem:

A respeito de Chamfort, Lynn Hunt destaca algumas linhas que nos dão conta de sua biografia e suas razões para implicar com a questão da mudança do conceito de honra em tempos revolucionários.
Quando criança, o escritor não conheceu os próprios pais... Apesar de abandonado, teve a chance de uma formação decente e graças aos esforços nos estudos tornou-se literato... Chegou mesmo a ocupar o posto de secretário pessoal da irmã do rei Luís XVI.
Durante a fase mais radical do Terror, escreveu os registros que aparecem no final de nossa última postagem... Havia se tornado crítico ferrenho da Academia Francesa, a mesma que o elegera membro em 1781. Tornar-se membro da prestigiosa entidade durante o Antigo Regime era honra que todo escritor almejava... De modo confuso, talvez refletindo melhor a respeito das inquietações mais intuitivas durante a Revolução, Chamfort mostrou-se arrependido das críticas que proferiu à academia... Em 1793 o regime jacobino a fechou, e seu ressurgimento data do período napoleônico.
Chamfort experimentou as inquietações políticas e as que se referiam às mudanças do código penal... Notou que a nova realidade, em que se buscava garantir direitos e igualdade de condições aos cidadãos, tornava impossível a manutenção de “distinções sociais”. Sem dúvida, algo bem diferente do que ele próprio tivera de suportar e superar. Os novos tempos pareciam determinar o “colarinho de ferro” como “o mínimo denominador comum da perda de honra”.
(...)
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão provocou todas essas discussões e impulsionou as discussões em torno da reforma judicial... Para muitos, os deputados seguiram à risca a sugestão do duque de Montmorency que com seus discursos os inflamava a darem “um grande exemplo” ao elaborarem a Declaração. Talvez não esperassem o quanto tal exemplo pudesse fomentar muitas outras reivindicações. Entre elas, algumas que jamais imaginaram “cogitáveis”. Como diz a autora, a declaração dos direitos “revelou-se apenas o primeiro passo num processo extremamente tenso que continua até os nossos dias”.
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Às vésperas do Natal de 1789, a Assembleia francesa viveu um debate dos mais intensos... No dia 21 de dezembro, um deputado questionou sobre a necessidade de se garantir o direito de voto aos que não professavam o catolicismo. Um dos motivos básicos era a existência de protestantes entre os próprios deputados. Aos colegas, apresentou alguns argumentos: “Vocês declaram que todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”; “Declaram que ninguém pode ser perturbado por suas opiniões religiosas”. Então o mais lógico seria aprovar o quanto antes o direito de os não-católicos serem “eleitos pelo voto, ocuparem cargos e aspirarem a qualquer posto civil ou militar” como os demais cidadãos.
O deputado Pierre Brunet de Latuque foi quem fez referência à condição dos “não católicos”... Em síntese ele se referia aos protestantes. Daí surgiram outras demandas, afinal há muitos que não são protestantes sem serem católicos. Ao tempo das agitações revolucionárias havia em torno de 40 mil judeus na França e entre 100 mil e 200 mil protestantes misturados a uma população em que 99% professavam o catolicismo.
O conde Stanislas de Clermont-Tonnerre radicalizou ainda mais a discussão. Para ele, não poderia haver meio-termo e insistiu que se a Assembleia não estabelecesse uma religião oficial teria de admitir que todos poderiam “votar e ocupar cargos públicos” independentemente de suas religiões. Nesse sentido, sustentando que a religião não poderia ser elemento de exclusão dos direitos, também os judeus deviam ser contemplados por eles.
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Depois da discussão sobre as minorias religiosas do país, ocorreu outra em torno de certas profissões. O mesmo Stanislas de Clermont-Tonnerre argumentou que elas não poderiam motivar qualquer exclusão.
O livro cita os casos dos carrascos e dos atores, que no passado tinham direitos políticos negados. Os primeiros sofriam a desonra por “ganharem a vida matando pessoas”; já os atores “porque fingiam ser outra pessoa”. Para o deputado a questão era clara, ou teriam de proibir as peças teatrais ou de acabar de uma vez por todas com a associação que se fazia entre a dramaturgia e a desonra.
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Essas reflexões ocorreram também na América do Norte.
A respeito do “efeito cascata” que elas podiam desencadear nos Estados Unidos, o livro cita fragmentos de carta de John Adams a James Sullivan (a propósito de movimentos sociais em Massachusetts):

                   “Pode acreditar, senhor, é perigoso abrir uma Fonte de Controvérsia e altercação tão fértil como a que seria aberta pela tentativa de alterar as Qualificações dos Votantes. Isso não terminará nunca. Surgirão novas reivindicações. As mulheres exigirão o voto. Os garotos de 12 a 21 anos pensarão que seus Direitos não são suficientemente considerados, e todo Homem sem um tostão exigirá uma Voz igual a qualquer outra em todas as Leis do Estado”.

Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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