Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_16.html antes de ler esta
postagem:
A respeito de Chamfort, Lynn Hunt destaca
algumas linhas que nos dão conta de sua biografia e suas razões para implicar
com a questão da mudança do conceito de honra em tempos revolucionários.
Quando criança, o
escritor não conheceu os próprios pais... Apesar de abandonado, teve a chance
de uma formação decente e graças aos esforços nos estudos tornou-se literato...
Chegou mesmo a ocupar o posto de secretário pessoal da irmã do rei Luís XVI.
Durante a fase mais radical do Terror, escreveu os registros que
aparecem no final de nossa última postagem... Havia se tornado crítico ferrenho
da Academia Francesa, a mesma que o elegera membro em 1781. Tornar-se membro da
prestigiosa entidade durante o Antigo Regime era honra que todo escritor
almejava... De modo confuso, talvez refletindo melhor a respeito das
inquietações mais intuitivas durante a Revolução, Chamfort mostrou-se
arrependido das críticas que proferiu à academia... Em 1793 o regime jacobino a
fechou, e seu ressurgimento data do período napoleônico.
Chamfort
experimentou as inquietações políticas e as que se referiam às mudanças do
código penal... Notou que a nova realidade, em que se buscava garantir direitos
e igualdade de condições aos cidadãos, tornava impossível a manutenção de “distinções
sociais”. Sem dúvida, algo bem diferente do que ele próprio tivera de suportar
e superar. Os novos tempos pareciam determinar o “colarinho de ferro” como “o
mínimo denominador comum da perda de honra”.
(...)
A Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão provocou todas essas discussões e impulsionou as
discussões em torno da reforma judicial... Para muitos, os deputados seguiram à
risca a sugestão do duque de Montmorency que com seus discursos os inflamava a
darem “um grande exemplo” ao elaborarem a Declaração. Talvez não esperassem o
quanto tal exemplo pudesse fomentar muitas outras reivindicações. Entre elas,
algumas que jamais imaginaram “cogitáveis”. Como diz a autora, a declaração dos
direitos “revelou-se apenas o primeiro passo num processo extremamente tenso
que continua até os nossos dias”.
(...)
Às
vésperas do Natal de 1789, a Assembleia francesa viveu um debate dos mais
intensos... No dia 21 de dezembro, um deputado questionou sobre a necessidade
de se garantir o direito de voto aos que não professavam o catolicismo. Um dos
motivos básicos era a existência de protestantes entre os próprios deputados.
Aos colegas, apresentou alguns argumentos: “Vocês declaram que todos os homens
nascem e permanecem livres e iguais em direitos”; “Declaram que ninguém pode
ser perturbado por suas opiniões religiosas”. Então o mais lógico seria aprovar
o quanto antes o direito de os não-católicos serem “eleitos pelo voto, ocuparem
cargos e aspirarem a qualquer posto civil ou militar” como os demais cidadãos.
O deputado Pierre
Brunet de Latuque foi quem fez referência à condição dos “não católicos”... Em
síntese ele se referia aos protestantes. Daí surgiram outras demandas, afinal
há muitos que não são protestantes sem serem católicos. Ao tempo das agitações
revolucionárias havia em torno de 40 mil judeus na França e entre 100 mil e 200
mil protestantes misturados a uma população em que 99% professavam o
catolicismo.
O conde Stanislas de
Clermont-Tonnerre radicalizou ainda mais a discussão. Para ele, não poderia haver
meio-termo e insistiu que se a Assembleia não estabelecesse uma religião
oficial teria de admitir que todos poderiam “votar e ocupar cargos públicos”
independentemente de suas religiões. Nesse sentido, sustentando que a religião
não poderia ser elemento de exclusão dos direitos, também os judeus deviam ser
contemplados por eles.
(...)
Depois da discussão sobre as minorias religiosas do país, ocorreu outra
em torno de certas profissões. O mesmo Stanislas de Clermont-Tonnerre
argumentou que elas não poderiam motivar qualquer exclusão.
O livro cita os casos dos carrascos e dos atores, que no passado tinham
direitos políticos negados. Os primeiros sofriam a desonra por “ganharem a vida
matando pessoas”; já os atores “porque fingiam ser outra pessoa”. Para o
deputado a questão era clara, ou teriam de proibir as peças teatrais ou de
acabar de uma vez por todas com a associação que se fazia entre a dramaturgia e
a desonra.
(...)
Essas reflexões ocorreram também na América do Norte.
A respeito do “efeito
cascata” que elas podiam desencadear nos Estados Unidos, o livro cita
fragmentos de carta de John Adams a James Sullivan (a propósito de movimentos
sociais em Massachusetts):
“Pode acreditar, senhor, é
perigoso abrir uma Fonte de Controvérsia e altercação tão fértil como a que
seria aberta pela tentativa de alterar as Qualificações dos Votantes. Isso não
terminará nunca. Surgirão novas reivindicações. As mulheres exigirão o voto. Os
garotos de 12 a 21 anos pensarão que seus Direitos não são suficientemente
considerados, e todo Homem sem um tostão exigirá uma Voz igual a qualquer outra
em todas as Leis do Estado”.
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto