O texto de Joracy é do
começo da década de 1930 e é considerado um marco da dramaturgia nacional, uma
obra que lançou questionamentos inquietantes à sociedade dos “bem resolvidos e
situados”. Como não poderia deixar de ser, a adaptação para o cinema apresentou
cenários e tramas que não aparecem no texto teatral. O conteúdo e a mensagem
não foram comprometidos e as duas obras merecem ser conferidas.
(...)
Do filme:
Na
escadaria de entrada de uma grande igreja vemos um mendigo que observa sentado
a passagem dos fiéis. É noite... O velho homem tem um aspecto que lhe confere
certa dignidade típica dos que são retratados pelos artistas. Uma senhora lhe
entrega uma moeda. “Deus lhe pague”, ele agradece.
De repente chega
outro maltrapilho. Humildemente, este lhe pede a permissão para também se
acomodar na escadaria. Diz que não conseguiu grande coisa durante o dia e já
que tinha visto a igreja aberta, decidiu abordar os que passavam ali. O velho
respondeu que a igreja já estava para fechar. O outro quis desistir, mas ele o
dissuadiu, disse que ficasse, pois àquela hora poderiam topar com pessoas muito
necessitadas de agradar a Deus, e faziam isso ofertando esmolas aos mais
necessitados.
O
recém-chegado começou a se admirar ao notar que o velho sabia dizer as palavras
certas quando pedia... Ele parecia mesmo entender as ansiedades dos que esperam
se realizar no mundo dos negócios, em alguma falcatrua, no casamento... Notou
que alguns que passavam não se importavam com suas súplicas, ao passo que
atendiam prontamente ao colega, que pelo visto reconhecia os dramas que cada um
carregava de acordo com suas vestes e passos. Só isso podia explicar sua sorte
na coleta do dia.
Logo, o impressionado
mendigo se colocou na posição de aprendiz... Apresentou-se, o chamavam de
Barata, e confessou que, pelo que tinha acabado de ver e ouvir, entendeu que ainda
precisa aprender muito sobre o ofício de esmolar... O velho respondeu que seria
muito bom contar com a companhia do Barata, um tipo sincero e ideal para
conversar.
(...)
A igreja foi
fechada... O velho explicou que iria à porta do clube. Barata quis acompanhá-lo
porque percebeu que podia aprender muito mais com o companheiro.
Pararam diante da entrada principal, numa placa lia-se “biblioteca”...
Logo se acomodaram a um canto e, mal se sentaram, dois frequentadores que chegavam
atiraram moedas ao chapéu do velho sem que este pedisse. Cada vez mais o Barata
se admirava. Achou interessante notar a chegada de uma moça que anteriormente havia
ido à igreja e que deixou uma nota de cinco depois de ouvir o velho desejar-lhe
“boa sorte”... O homem parecia conhecer as demandas de todos! Barata
despediu-se dizendo que voltaria à igreja que parecia ainda ter algum movimento...
Precisava testar as habilidades aprendidas.
(...)
A jovem que acabou de chegar à “biblioteca” foi abordada por uma vendedora
de caramelos e chocolates... Agradecida, a mulher ofereceu-lhe um amuleto de “boa
sorte”, uma camélia de tecido que a moça poderia colocar em sua carteira.
Aos poucos percebemos que aquele ambiente
disfarçava um grande salão de jogos proibidos. Os apostadores chegavam,
passavam pela área da biblioteca já inativa pelo adiantado da hora, e só os
reconhecidos pela recepção eram admitidos. A jovem trocou de roupa na antessala,
perfumou-se e passou a usar um vestido provocativo, que a tornou bem mais
atraente.
No grande salão, a
roleta proibida e outros divertimentos extravagantes. A jovem posicionou-se
para as primeiras apostas... Seu charme e sorte inicial atraíram a atenção de
vários dos frequentadores.
Do lado de fora, Barata acabava de retornar junto ao velho. Estava
empolgado por ter usado suas dicas e por arrecadar soma considerável,
satisfatória para um bom prato e uma cama quente. Dessa vez ouviu o velho dizer
que os jornais informavam diariamente a respeito da fome pelo mundo afora. A
situação não tem sido boa para a maioria... Os mendigos podem pedir, e esse
direito ninguém lhes tira.
O velho dizia essas
coisas e emendou que não provocavam inveja a ninguém... Além disso, os que dão
esmolas sentem-se aliviados com Deus. Barata observou que até sentia que as
pessoas observam os mendigos com simpatia. O velho respondeu que a razão para isso
pode ser o fato de que eles já não representam nenhuma afronta à sociedade,
pois os pedintes não passam de “uma gente que já não luta”.
Barata
se encantou com tudo o que ouviu e quis saber se o companheiro era leitor de
livros... A resposta foi afirmativa, os pobres de espírito só podem pedir
esmola “aos que muito sabem”. Tudo isso deixou o Barata confuso... Talvez tenha
sido por causa da fome, por isso foi orientado pelo velho a se alimentar antes
de se encontrarem no dia seguinte. Barata concordou e despediu-se chamando-o de
“Mestre”.
Para o início da peça acesse
https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/08/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo.html
Indicação (não informada)
Um abraço,
Prof.Gilberto