quarta-feira, 10 de junho de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – a revisão do código penal na França Revolucionária; Louis-Michel Lepeletier e a defesa dos princípios definido pelo Comitê sobre a Lei Criminal; princípios de humanidade e objetivo de reabilitação por meio do trabalho; a nova ordem social devia estabelecer um código sustentado pelos princípios revolucionários; alterações nas punições e importância da guilhotina para os casos extremos; refutação das amputações e marcas a ferro em brasa

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_9.html antes de ler esta postagem:

Como vimos, após a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os franceses emplacaram a abolição da tortura nos processos judiciais. No dia 10 de setembro, entre os parisienses não se falava em investir nos argumentos na defesa de tal medida... Mas aconteceu que os deputados quiseram aproveitar a ocasião e incluí-la de imediato na reforma do código criminal.
A revisão do código se deu um ano e meio depois... Então o deputado que fez a apresentação da proposta resgatou os antigos argumentos que afloravam desde os primeiros debates contra a tortura e as punições vexatórias. A 23 de maio de 1791, Louis-Michel Lepeletier de Saint-Fargeau, que havia sido presidente do Parlamento de Paris, foi à tribuna e apresentou os princípios e fundamentações do “Comitê sobre a Lei Criminal”, que era uma espécie de continuação do “Comitês dos Sete” formado em setembro de 1789. O outrora juiz vociferou contra o que chamou de “torturas atrozes imaginadas em séculos bárbaros e ainda assim conservadas em séculos esclarecidos”... Além disso, denunciou o exagero da aplicação de certas punições e a “ferocidade geralmente absurda” no sentenciamento de crimes comuns. Tudo isso era legado de leis antigas e “ultrapassadas”.
Postagens anteriores mostraram que a crítica exposta por Louis-Michel Lepeletier de Saint-Fargeau era uma das principais reclamações contidas nos textos de Beccaria. Para o deputado, o código penal que deviam aprovar se baseava em “princípios de humanidade” que teria por prerrogativa a “reabilitação por meio do trabalho” dos condenados judicialmente. O suplício e a dor não seriam mais tolerados enquanto expedientes punitivos.
(...)
O tema era tão caro aos membros do comitê que as questões da tortura e da punição foram pautadas antes mesmo “da seção que definia os crimes no novo código penal”.
Onde quer que existam sociedades humanas haverá delitos... Obviamente as punições aos culpados têm a ver com a política pública em vigor. O comitê apresentou à assembleia uma proposta de revisão total do sistema jurídico-penal da França e, assim, esperava-se que os novos procedimentos repercutissem os valores cívicos impulsionados pela Revolução.
Já que faziam a defesa da igualdade entre os cidadãos, só podiam aceitar que “todos seriam julgados pelos mesmos tribunais sob a mesma lei e seriam suscetíveis às mesmas punições”. A partir de então, perder a liberdade se tornava punição exemplar... Antes acontecia de enviarem condenados às galés em alto mar e para o exílio. Esse tipo de punição não resultava em qualquer “significância” aos demais cidadãos, pois o punido era afastado da visão pública para cumprir a pena em outro lugar.
O comitê debateu e chegou a defender a eliminação da pena de morte, excetuando os “casos de rebelião contra o Estado”... Todavia sabia-se que o tema era dos mais delicados para os demais membros da Assembleia. Por fim a votação estabeleceu que a pena de morte poderia ser aplicada a certos crimes. Os casos de heresia, sacrilégio ou magia deixaram de ser punidos pela pena capital... A sodomia, que no passado podia resultar em condenação à morte, deixou de ser considerada crime.
Os casos de condenação à morte passaram a ser executados pela decapitação. No passado esse expediente era reservado apenas aos nobres, pois julgava-se que se tratava de morte menos dolorosa. A guilhotina foi inventada no final da década de 1730 para aliviar as execuções, e tornou-se equipamento reconhecido pela França Revolucionária em abril de 1792.
O suplício da roda ou a morte na fogueira desapareceriam com o novo código. O mesmo Lepeletier insistiu que:

                   “Todos esses horrores legais são detestados pela humanidade e pela opinião pública” (...) “Esses espetáculos cruéis degradam a moral pública e são indignos de um século humano e esclarecido”.

Uma vez que investiam na reabilitação dos criminosos e seu reingresso na vida em sociedade, os deputados refutaram também as punições baseadas em mutilações e “marcas de ferro em brasa”. Haveria quem insistisse que os sinais marcados a ferro em brasa nos criminosos fariam falta, já que eram sinais permanentes que indicavam o status das pessoas perigosas.
Mais uma vez Lepeletier explicou que “na nova ordem” os vagabundos e delinquentes não deixariam de ser reconhecidos “porque as municipalidades manteriam registros exatos com os nomes de cada habitante”. E salientou que a marca permanente era um empecilho para que retornassem à sociedade. O objetivo da punição, ainda segundo Lepeletier, seria a readaptação dos condenados... Assim, ela não devia ser degradante em nenhuma hipótese.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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