Alguns meses depois, ao retornar à desembocadura
do rio poderoso, Diogo Cão decepcionou-se por não encontrar os que haviam sido
enviados ao encontro do manicongo... Assim decidiu voltar a Portugal levando
consigo “quatro fidalgos negros”. Rui de Pina esclarece que esses haviam “entrado
nos navios para verem as novidades das coisas”... O capitão assegurou que os
traria de volta depois de “quinze luas ou quinze meses”.
Na verdade, essa
iniciativa contrariava o “regulamento do rei”, todavia, ao saber que os que
chegavam da África com Diogo Cão “eram fidalgos e príncipes”, D. João aprovou a
iniciativa e os recebeu com alegria. Os “sequestrados do Congo” foram tratados
com dignidade e receberam roupas e serviços dispensados aos que são investidos
de majestade.
Sem dúvida o rei sabia da importância da relação amistosa, pois planejava
futuros empreendimentos na África... Ainda sobre a boa recepção aos africanos
com vistas às relações futuras com o manicongo, os registros de Rui de Pina nos
dão conta de que:
“o dito
capitão dos navios entregou ao rei estes negros, não como prisioneiros, mas
como amigos, para que aprendessem os hábitos e a língua do reino durante aquele
tempo para depois de regressados à pátria, aquela nação bem amestrada através
da doutrina e virtude daqueles negros que regressaram conosco, mais facilmente
pudessem ser convertidos e compreendidos”.
Em 1484 o rei
agraciou Diogo Cão com relevantes benefícios: uma “tença vitalícia anual de mil
reais brancos” e mais o “direito ao uso de um brasão em cota, elmo ou escudo e
em ‘todas as outras coisas em que os nobres filhos de algo de antiga linhagem
podem trazer’”.
No
ano seguinte, o capitão retornou ao Congo para devolver os negros que havia
levado ao seu país. De fato, depois das “quinze luas” os fidalgos negros já
possuíam informações suficientes acerca dos “benefícios culturais” que os portugueses
estavam dispostos a lhes oferecer.
(...)
O manicongo
mostrou-se satisfeito com o retorno de sua gente... Gostou de ver os trajes
ocidentais nos homens chegados de Portugal e manifestou sua vontade de “tomar o
santo batismo e a fé de Cristo”.
Quando retornou a
Portugal no ano de 1486, Diogo Cão se fez acompanhar de uma “embaixada oficial
do chefe negro do Congo”, que levava ao rei português significativos presentes
como “dentes de elefantes e coisas de marfim lavradas, e muitos panos de palma
bem tecidos com finas cores”.
(...)
Como se vê, a diplomacia entre D. João II e o manicongo teve bom
início... Porém os tais esforços se esfriaram durante certo tempo devido a
entreveros do rei com a nobreza de seu país, “senhora de privilégios”.
Desde 1481 os nobres já se dispunham a destituí-lo e consta mesmo que
tramavam atentar contra a sua vida. O livro nos dá conta de que durante a “reunião
das Cortes em Évora” a situação atingiu maior gravidade, tanto é que o rei deu
início a processos contra o duque de Bragança, D. Fernando, reconhecidamente o
principal líder de seus desafetos, que terminou degolado em praça pública na
mesma Évora. Também o marquês de Montemor e o conde de Faro foram condenados...
Porém o primeiro conseguiu fugir do país, e o conde morreu antes do processo de
execução.
A trama dos nobres contra o rei prolongou-se...
Os rebeldes tentaram matá-lo no desembarque em Alcácer do Sal, mas o rei, prevenido,
fez o percurso por terra. E logo que chegou ao seu destino intimou D. Diogo (duque
de Viseu, “primo e cunhado de D. João e irmão da rainha D. Leonor”),
reconhecidamente um dos principais insurrectos.
O
próprio rei apunhalou seu desafeto “com todo o respeito da lei”, dado que a
ação foi lavrada e reconhecida por duas testemunhas. De acordo com nota de “Rei
do Congo”, “o auto de ocorrência” foi “lavrado na presença do juiz dr. Nuno
Gonçalves” e “teve como testemunha das razões alegadas para justificar o fato
D. Vasco Coutinho”, que era “irmão do implicado na trama D. Guterre Coutinho,
comendador de Sesimbra”, e “Diogo Tinoco, irmão da amante do condenado bispo de
Évora, D. Garcia de Menezes, senhora a ‘quem se devia a informação sobre a
conspiração’”. Sobre o citado bispo, diz-se que foi “encerrado numa cisterna da
torre de menagem da cidade de Palmela, onde após poucos dias morreu, ‘dizem que
com peçonha’”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/07/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto