Depois de receber a embaixada abexim (gentílico
da Abissínia) que havia sido enviada a Portugal pela regente Helena, o rei D.
Manuel decidiu demonstrar o seu firme propósito de acertar a aliança para o
combate aos “infiéis” muçulmanos. Fez isso ao enviar valiosos presentes por
embaixadores portugueses que acompanharam os africanos no retorno ao seu reino.
(...)
O citado autor de “Lendas
da Índia”, Gaspar Corrêa, foi escrivão de Afonso de Albuquerque, governador
português na Índia... Em seus registros, destacou a impressionante riqueza dos
artigos enviados por D. Manuel como presentes à Abissínia.
Em síntese, os presentes constituíam-se de:
“luxuoso leito provido de um dossel
valorizado por pinturas artísticas, do alto de cuja armação cairiam, fechando-o
a toda volta, cortinas de tafetá azuis e amarelas. Como complemento, colchão
estofado de lã a ser recoberto por finos lençóis de linho, e travesseiros
bordados a ouro a descansarem sobre uma coberta de damasco e veludo de costura
acabada em fio de ouro. O que se completava com uma mobília de jantar e mais
serviços completos de mesa, com toalhas e guardanapos naturalmente bordados a
ouro.”
Em nota de Tinhorão ficamos
sabendo que a descrição acima foi transcrita por Elaine Sanceau em “Etiópia e
Portugal”, publicado pela Revista “Ocidente” de 1959. A respeito do destino do
tesouro, a historiadora emendou que: “tudo isso levava o velho embaixador
Duarte Galvão e tudo se perdeu devido à incúria de Lopo Soares, indigno
sucessor de Afonso de Albuquerque”.
(...)
D. Manuel procurou
encaminhar da melhor maneira possível a diplomacia com o reino africano e a tão
sonhada aliança militar parecia se encaminhar a contento...
Mas ocorreu que, entre os
portugueses, teve início um entrevero que desestabilizou a organização da
administração da Índia. Por causa disso, o competente Afonso de Albuquerque
teve de entregar o cargo de governador a Lopo Soares de Alberguia... Este, além
de não contribuir para que a embaixada de D. Manuel chegasse à Abissínia,
armazenou os ricos presentes num depósito de Cochim, conforme explicado por
Elaine Sanceau.
A embaixada enviada pelo
rei português ao reino cristão abexim só chegou cinco anos depois da posse de
Lopo Soares. Por essa ocasião, Lebna Dengel já havia assumido o posto de negus,
mas, em vez de receptivo, tratou os lusitanos com frieza e o “distanciamento
exigido por sua condição de soberano africano de tipo oriental”.
Lebna Dengel ignorou os
embaixadores e desprezou os presentes que lhe levaram. A verdade é que sequer
podiam ser comparados com os anteriores, largados no depósito de Cochim. Apesar
disso, não deixavam de ser significativos, e é o mesmo Gaspar Corrêa, também em
“Lendas da Índia”, que faz referência à chegada da embaixada lusitana a
Abissínia em 1520 e aos presentes deixados ao negus:
“Um
mapamundo (...) para lhes dar a entender a grandeza da Terra” e mais: “carta de
marear, uma espada, punhal de ouro e de esmalte”, além de “coiraças postas em
brocado” e “quatro lanças douradas, as melhores que se poderão achar na
armada”.
(...)
Apesar de um tanto decepcionado com os presentes, Lebna Dengel acenou
positivamente em relação à aliança proposta pelos portugueses. Todavia adotou
um lento ritual de aproximação, de modo que apenas em 1527 o padre Francisco
Alvares entregou a carta de amizade transmitida pelo rei abexim a D. João III.
O padre-embaixador só conseguiu fazer chegar uma mensagem do negus sobre o
reconhecimento da autoridade espiritual do papa Clemente VI em Roma no ano de
1533.
Ainda assim a aliança que os portugueses
esperavam não se efetivou imediatamente na prática. E isso porque o país já
sentia os altos custos da expansão e administração das terras indianas. Além
disso, e por isso, os próprios abissínios se ocupavam sozinhos de intensa luta
contra os muçulmanos, que haviam recebido o reforço de turcos conquistadores do
Egito,,,
Então,
por praticamente duas décadas, o mito do Preste João manteve-se aquietado na
Península Ibérica.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_8.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto