A última postagem fez referência à convocação
dos Estados Gerais e às listas de queixas apresentadas pelos segmentos
sociais... Vimos que nobres e população em geral esperavam que seus representantes
discutissem e aprovassem uma declaração de direitos. Os deputados do Terceiro
Estado se declararam em Assembleia Nacional, e logo a 19 de junho um deles
solicitou que a Assembleia iniciasse logo a “grande tarefa de uma declaração de
direitos” tal como os eleitores haviam exigido.
Não era verdade que
tal exigência fosse preocupação geral, mas era certo que, como vimos, nos
círculos onde se discutiam os rumos da nação falava-se muito da ideia da
declaração dos direitos. No dia 6 de julho um comitê esclareceu à Assembleia
que se concentrariam na discussão e redação de uma “declaração dos direitos
naturais e imprescindíveis do homem”.
Thomas Jefferson encontrava-se em Paris na ocasião e no dia 11 de julho escreveu
uma carta endereçada a Thomas Paine, que estava na Inglaterra. Ao receber a
missiva, o autor de “Common Sense”, panfleto que se tornou dos mais influentes na
América do Norte durante os acontecimentos de 1776, ficou sabendo que na opinião
de Jefferson os representantes reunidos na Assembleia Nacional haviam colocado
termo ao velho governo e estavam decididos a dar início a um novo a partir da “estaca
zero”.
Jefferson
relatou a Paine que os deputados franceses tomavam como primeira tarefa
elaborar um projeto de “uma Declaração dos direitos naturais e imprescindíveis
do homem”. Ele usou os mesmos termos do comitê que havia se organizado e
anunciado sua intenção na semana anterior.
Interessado pelos
acontecimentos na França e pelos rumos que a movimentação tomaria, Thomas
Jefferson, ainda naquela ocasião, conversou com Lafayette... Este resolveu ler
para o amigo o rascunho que havia produzido com a proposta de declaração que pretendia
apresentar à Assembleia. Sua ansiedade se explicava também porque outros
deputados que surgiam como lideranças se apressavam para imprimir as próprias
propostas.
(...)
De
um modo geral as propostas de declaração revelavam terminologia semelhante. Quando
não se referiam a “os direitos do homem na sociedade”, citavam “os direitos do cidadão francês” ou “direitos”. Nos títulos o que predominava era “os direitos
do homem”.
Depois de três dias
da carta de Jefferson a Paine, Paris foi agitada (no 14 de julho) pela
população que se armou e atacou a Bastilha e vários outros locais que
representavam o governo absolutista. Todos sabiam das determinações do monarca
ao ordenar o posicionamento de tropas na capital... Muitos dos representantes se
pronunciando garantindo que tudo indicava que a Assembleia sofreria um golpe. Por
fim o rei voltou atrás e retirou os soldados.
O problema da declaração
persistia... Entre o fim de julho e o início de agosto os deputados ainda
discutiam se a declaração era mesmo necessária, se ela introduziria o texto da
Constituição e se tinha de ser acrescentada por uma declaração específica sobre
os deveres dos cidadãos. No fundo as divisões eram um sintoma da falta de
acordo sobre os passos seguintes.
Alguns entendiam que a Monarquia precisava apenas de passar por alguns
ajustes. Isso quer dizer que não havia necessidade de votarem uma declaração de
“direitos do homem”. Havia os que pensavam como Thomas Jefferson e acreditavam
que um novo governo, construído a partir da estaca zero, tinha de ser
formalizado. Esses certamente viam a declaração de direitos como fundamental.
(...)
Depois de muita discussão, a Assembleia decidiu que votaria uma redação
de declaração que constasse apenas dos direitos. A autora destaca que ninguém
nunca esclareceu “adequadamente” como foi que os deputados chegaram a essa
definição. A verdade é que muitos se mantinham ocupados em debates sobre as
situações mais cotidianas e sequer compreendiam as consequências das decisões
que tomavam em plenário. Muitas cartas, memórias e documentos diversos desses
atores se mostram repletos de lacunas em relação às mudanças das opiniões de
então. Sabe-se que muitos alimentavam esperanças na mudança e em tudo o que ela
podia trazer de novo.
Acreditava-se que os direitos pudessem fornecer
os princípios para a organização do governo que se estruturaria... Declarariam
os direitos e, do mesmo modo que os americanos, definiriam uma ruptura com o
passado, por fim uma forma alternativa de governo se estabeleceria. É como o
deputado Rabaut Saint-Étienne comentava a 18/agosto:
“como os americanos,
queremos nos regenerar, e assim a declaração de direitos é essencialmente
necessária”.
Os debates foram concorridos e até animados... Havia os que zombavam dos
muitos entraves marcados por “discussões metafísicas”. Aprovou-se um “documento
de compromisso” elaborado por um subcomitê formado por quarenta membros (muitos
deles eram anônimos). Entre 20 e 26 de agosto ocorreram contendas tumultuados
em torno de 24 artigos propostos... Depois de votações de emendas e supressões
concordaram e aprovaram os textos de dezessete deles.
No
dia 27 de agosto o texto final da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
foi aprovado...
A assembleia aprovou também
a suspensão de novas discussões sobre os temas com o compromisso de as retomar
após a aprovação da Constituição...
Isso
nunca ocorreu.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_3.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto