terça-feira, 9 de junho de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – marcha da população a Versalhes e aprovação formal da declaração de 1789 pelo rei; transferência do monarca e da Assembleia para Paris; a declaração como fonte principal do decreto de reforma judicial; abolição da tortura e da humilhação da “sellette”; apaixonante defesa do fim da tortura judicial e pela aprovação do decreto

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_7.html antes de ler esta postagem:

O rei Luís XVI aprovou formalmente a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão no dia 5 de outubro de 1789... Ocorreu uma grande marcha da população até Versalhes e isso, sem dúvida, exerceu pressão sobre o monarca. Não foi por acaso que no dia seguinte ele se viu compelido a se transferir para a capital. Nos dias seguintes, os deputados, além de aprovarem o decreto proposto pelo comitê dos sete (que havia sido formado para redigir as reformas judiciais demandadas pelo conselho da cidade de Paris), decidiram transferir a Assembleia para junto do rei.
Do que até aqui foi apresentado sobre a Declaração francesa de 1789, podemos dizer que o documento traçara “princípios gerais de justiça”: a lei passava a ser a mesma para todos os cidadãos; prisões arbitrárias e os castigos abusivos foram abolidas; todo acusado teria a presunção de inocência até que fosse julgado culpado...
O decreto aprovado pela Assembleia entre oito e nove de outubro iniciava citando a declaração:

                   “A Assembleia Nacional, considerando que um dos principais direitos do homem, por ela reconhecido, é o de usufruir, quando acusado de um delito criminal, de toda liberdade e segurança para a defesa que possa ser conciliada com o interesse da sociedade que pede a punição dos crimes (...)”.

Na sequência apresentava os procedimentos que, de modo geral, tornavam o processo mais transparente para a sociedade. Demonstrando uma nítida desconfiança no sistema judiciário e nos encarregados pela tramitação dos processos, o decreto exigia que cada distrito elegesse comissários especiais para ajudar e acompanhar (até na coleta de evidências e testemunhas) os vários casos. O decreto possibilitava o acesso da defesa às informações acumuladas no processo.
Os procedimentos próprios do processo criminal passariam a ter natureza pública e, como se sabe, isso era um dos princípios defendidos com afinco por Beccaria.
(...)
O decreto possuía 28 artigos... O vigésimo quarto era o que abolia toda e qualquer forma de tortura. Havia uma referência ao “banco baixo e humilhante”, no qual o réu era obrigado a se sentar diante dos juízes em seu último interrogatório, também abolido pelos deputados.
O rei já havia suprimido provisoriamente a chamada “questão preparatória”, situação em que se recorria à tortura para a obtenção de provas e confissões. Mesmo o referido banquinho tinha sido banido pelo monarca em maio do ano anterior. Todavia a Assembleia considerou necessário deixar claro à população a sua opinião sobre o assunto, quer dizer, consideravam a ”sellette” (como o banquinho era conhecido) inaceitável para os novos tempos.
As discussões em torno do decreto foram bastante inflamadas. Lynn Hunt destaca que o deputado que o apresentou ao comitê deixou esses temas para o fim, pois quis destacar a importância e simbolismo das alterações sugeridas. Insistiu com os colegas que não podiam permitir que aquelas manchas que enchiam a humanidade de revolta permanecessem no código. E quando tratou especificamente da tortura, o fez quase em pranto:

                   “Acreditamos que devemos à humanidade apresentar-lhes uma observação final. O rei já (...) baniu da França a prática absurdamente cruel de arrancar do acusado, por meio de tortura, a confissão de crimes (...), mas ele lhes deixou a glória de completar esse grande ato de razão e justiça. Permanece ainda em nosso código a tortura preliminar!... os refinamentos mais execráveis de crueldade ainda são empregados para obter a revelação dos cúmplices. Fixem seus olhos nesse resquício de barbárie, por favor senhores, e logrem proscrever de seus corações essa prática. Seria um espetáculo belo e comovente para o universo: ver um rei e uma nação, unidos pelos laços indissolúveis de um amor recíproco, rivalizando entre si no zelo pela perfeição das leis, um tentando superar o outro na construção de monumentos à justiça, à liberdade e à humanidade”.

Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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