O rei Luís XVI aprovou formalmente a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão no dia 5 de outubro de 1789... Ocorreu uma
grande marcha da população até Versalhes e isso, sem dúvida, exerceu pressão sobre
o monarca. Não foi por acaso que no dia seguinte ele se viu compelido a se
transferir para a capital. Nos dias seguintes, os deputados, além de aprovarem
o decreto proposto pelo comitê dos sete (que havia sido formado para redigir as
reformas judiciais demandadas pelo conselho da cidade de Paris), decidiram
transferir a Assembleia para junto do rei.
Do que até aqui foi
apresentado sobre a Declaração francesa de 1789, podemos dizer que o documento
traçara “princípios gerais de justiça”: a lei passava a ser a mesma para todos os
cidadãos; prisões arbitrárias e os castigos abusivos foram abolidas; todo
acusado teria a presunção de inocência até que fosse julgado culpado...
O decreto aprovado pela Assembleia entre oito e nove de outubro iniciava
citando a declaração:
“A Assembleia
Nacional, considerando que um dos principais direitos do homem, por ela
reconhecido, é o de usufruir, quando acusado de um delito criminal, de toda
liberdade e segurança para a defesa que possa ser conciliada com o interesse da
sociedade que pede a punição dos crimes (...)”.
Na sequência apresentava
os procedimentos que, de modo geral, tornavam o processo mais transparente para
a sociedade. Demonstrando uma nítida desconfiança no sistema judiciário e nos
encarregados pela tramitação dos processos, o decreto exigia que cada distrito
elegesse comissários especiais para ajudar e acompanhar (até na coleta de
evidências e testemunhas) os vários casos. O decreto possibilitava o acesso da
defesa às informações acumuladas no processo.
Os procedimentos próprios do processo criminal passariam a ter natureza
pública e, como se sabe, isso era um dos princípios defendidos com afinco por
Beccaria.
O
decreto possuía 28 artigos... O vigésimo quarto era o que abolia toda e
qualquer forma de tortura. Havia uma referência ao “banco baixo e humilhante”,
no qual o réu era obrigado a se sentar diante dos juízes em seu último interrogatório,
também abolido pelos deputados.
O rei já havia suprimido
provisoriamente a chamada “questão preparatória”, situação em que se recorria à
tortura para a obtenção de provas e confissões. Mesmo o referido banquinho
tinha sido banido pelo monarca em maio do ano anterior. Todavia a Assembleia
considerou necessário deixar claro à população a sua opinião sobre o assunto,
quer dizer, consideravam a ”sellette” (como o banquinho era conhecido)
inaceitável para os novos tempos.
As discussões em
torno do decreto foram bastante inflamadas. Lynn Hunt destaca que o deputado
que o apresentou ao comitê deixou esses temas para o fim, pois quis destacar a
importância e simbolismo das alterações sugeridas. Insistiu com os colegas que
não podiam permitir que aquelas manchas que enchiam a humanidade de revolta
permanecessem no código. E quando tratou especificamente da tortura, o fez
quase em pranto:
“Acreditamos que devemos à
humanidade apresentar-lhes uma observação final. O rei já (...) baniu da França
a prática absurdamente cruel de arrancar do acusado, por meio de tortura, a confissão
de crimes (...), mas ele lhes deixou a glória de completar esse grande ato de
razão e justiça. Permanece ainda em nosso código a tortura preliminar!... os
refinamentos mais execráveis de crueldade ainda são empregados para obter a
revelação dos cúmplices. Fixem seus olhos nesse resquício de barbárie, por favor
senhores, e logrem proscrever de seus corações essa prática. Seria um
espetáculo belo e comovente para o universo: ver um rei e uma nação, unidos
pelos laços indissolúveis de um amor recíproco, rivalizando entre si no zelo
pela perfeição das leis, um tentando superar o outro na construção de monumentos
à justiça, à liberdade e à humanidade”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_10.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto