terça-feira, 16 de junho de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – sobre as mudanças no conceito de honra; a honra como prerrogativa da monarquia durante o Antigo Regime; Robespierre e a crítica à desonra imposta aos familiares dos condenados; da crítica à reserva da degola aos nobres; definições de honra atribuídas diferentemente a homens e mulheres; Montesquieu, as repúblicas e a possibilidade da virtude; vida pública reservada aos homens a partir das mudanças de 1789; as diferenças entre aristocratas e comuns diminuíram se comparadas às diferenças ainda mantidas entre homens e mulheres; fragmentos de Sébastien-Roch Nicolas Chamfort satirizando as alterações no conceito de honra em seu tempo

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_14.html antes de ler esta postagem:

Toda preocupação em relação aos castigos desonrosos tinha a ver com uma nova visão do “conceito de honra”... Conforme os direitos humanos se tornavam consensuais e eram enxergados a partir de uma noção mais universalista, o entendimento tradicional sobre a honra foi afrontado.
Tradicionalmente via-se a honra como a principal “qualidade pessoal” da monarquia. Em “O Espírito das Leis”, Montesquieu sentenciava que a “honra era o princípio inspirador da monarquia como forma de governo”. Para muitos, a honra era algo que se podia atribuir apenas aos que pertenciam à aristocracia. Talvez não tenha sido por acaso que Robespierre questionasse o costume de se desonrar famílias inteiras relacionando-o aos equívocos sobre a “noção de honra” durante o Antigo Regime. Em seu ensaio crítico dos castigos desonrosos afirmou que:

                   “Se consideramos a natureza dessa honra, fértil em caprichos, sempre inclinada a uma excessiva sutileza, frequentemente apreciando as coisas pelo seu glamour e não pelo valor intrínseco e os homens pelos seus acessórios, títulos que lhes são alheios, e não pelas suas qualidades pessoais, podemos facilmente compreender como ela (a honra) podia entregar ao desprezo aqueles que têm como ente querido um vilão punido pela sociedade”.

Robespierre também se colocou contra a exclusividade da decapitação (sentenciamento tido como mais honroso) aos nobres... Daí cabe a pergunta se ele pretendia que todos fossem considerados igualmente honrados ou se considerava que o antigo conceito de honra devia ser alterado ou renunciado.
(...)
A verdade é que antes mesmo dos anos 1780 as definições de honra passavam por alterações. O livro cita a edição de 1762 do Dicionário da Académie Française que vinculava a honra aos termos “virtude e probidade”. Ao se referir às mulheres, o verbete era relacionado à “castidade e modéstia”.
Verifica-se que, depois de 1750, a qualidade da pessoa honrada determinava uma distância muito grande entre homens e mulheres... Mais até do que entre os aristocratas e comuns. A honra passava a se relacionar cada vez mais à virtude, que se atribuía aos homens. Para Montesquieu, as repúblicas seriam modelos políticos que, por excelência, podem levar seus cidadãos à virtude... Esses seriam honrados na medida em que praticassem a virtude.
Com a Revolução Francesa, o nascimento deixou de ser prerrogativa da honra... As ações passaram a levar as pessoas a serem mais ou menos honradas. Mudou também a distinção entre homens e mulheres... Antes havia a conduta específica de cada gênero determinando sua honra; a partir da Declaração de 1789 as questões próprias do exercício de cidadania, assim como as formas das punições, passaram a marcar o status diferenciado dos homens em relação às mulheres.
Para as mulheres, a honra (e por consequência a virtude) se circunscrevia à sua vida privada/doméstica... A vida pública (e o exercício correto dos direitos) determinava a honra dos homens virtuosos.
Homens e mulheres podiam sofrer a desonra quando punidos, todavia, como vimos anteriormente, só os homens perdiam direitos políticos. Os homens aristocratas e os comuns se tornaram iguais em relação às punições e aos direitos... As mulheres continuaram a ser tratadas de modo desigual.
Em 1794, o poeta, jornalista e membro da Academia Francesa, Sébastien-Roch Nicolas Chamfort satirizou as mudanças a respeito das definições de honra em seu tempo:

                   “É uma verdade reconhecida que o nosso século tem posto as palavras no seu lugar: ao banir sutilezas escolásticas, dialéticas e metafísicas, ele retornou ao simples e verdadeiro na física, na moral e na política. Falando apenas da moral, percebe-se o quanto esta palavra, honra, incorpora ideias complexas e metafísicas. O nosso século sentiu os inconvenientes dessas ideias e para trazer tudo de volta ao simples, para impedir todo abuso de palavras, estabeleceu que a honra permanece integral para todo homem que nunca foi um ex-condenado. No passado essa palavra foi uma fonte de equívocos e contestações; no presente, nada poderia ser mais claro. O homem foi colocado no colarinho de ferro ou não? Essa é a pergunta a ser feita. É uma simples pergunta factual que pode ser facilmente respondida pelos registros do escrivão do tribunal. Um homem de honra que pode reivindicar qualquer coisa, cargos no ministério etc. Tem ingresso garantido nas corporações profissionais, nas academias, nas cortes do soberano. Percebe-se como a clareza e a precisão nos poupam de brigas e discussões, e como o comércio da vida se torna conveniente e fácil”.

Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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