sexta-feira, 12 de junho de 2020

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – conferindo as informações da segunda carta de navegação de Dulcert (1339) e do atlas Médici (1370); a descoberta dos Açores; planejando ultrapassar o Bojador e vencer a crença no “abismo de alto mar”; sobre os baixios mar adentro e as dificuldades de navegação; fragmentos de “Crônica de Guiné”, de Gomes Eanes de Zurara; Gil Eanes atinge o Bojador; fragmentos de Cadamosto sobre a aridez do litoral africano; um Infante ambicioso; o Monte Branco

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_8.html antes de ler esta postagem:

Como vimos, a opinião de Luís de Cadamosto era a de que as caravelas portuguesas estavam tão bem aparelhadas que poderiam navegar por toda parte.
Graças também à verba recebida a partir de 1416, para garantir a defesa de Ceuta, o Infante D. Henrique pôde manter os mouros afastados daquela parte da costa africana. Já em 1426 ordenou que Gonçalo Velho Cabral, um dos navegadores da Companhia, que avançasse pelo mar aberto a fim de alcançar ilhas que apareciam em algumas cartas de navegação do século anterior... O livro cita a “segunda carta de Dulcert, ou Dallorto, de 1339, e o atlas Médici, de 1370”.
(...)
Um dos principais resultados dessa iniciativa foi a descoberta dos Açores em 1427. Em nota, o livro cita “a carta catalã de Gabriel de Valseque (1439)” e, especificamente sobre a descoberta dos Açores, emenda que as ilhas foram “achadas por Diogo de Sénill, piloto de el-rei de Portugal”.
Outras ações foram deliberadas e colocadas em execução. Consta que não foram devidamente registradas. Todavia sabe-se que outros navegadores partiram do Cabo do Não com vistas a ultrapassarem o Bojador. O objetivo quase foi atingido em 1433, e só não seguiram para além do cabo por falta de certas condições técnicas.
Transpor o Bojador foi tarefa que exigiu esforços e superação de dificuldades. Uma delas se referia à crença na ideia de que havia um dramático abismo em águas mais afastadas. Achava-se que as embarcações corriam riscos de desastres fatais. Não eram poucos os que observavam as naus em posições remotas, viam que elas desapareciam conforme avançavam, e assim alimentavam a paranoia.
O texto esclarece que havia mesmo certos perigos. Notadamente a ocorrência de “baixios até longe da costa”. A acumulação de areia trazida ao litoral Atlântico da África por ventos desde o Saara provocava o “assoreamento das águas costeiras responsável pela impossibilidade da navegação local de navios de certo porte”... A falta de profundidade necessária à navegação impedia o avanço.
A respeito das dificuldades encontradas pelos navegantes nas águas do Bojador, Gomes Eanes de Zurara registrou em sua “Crônica de Guiné”:

                   “O mar é tão baixo, que a uma légua de terra não há de fundo mais que uma braça (2,20 metros). As correntes são tamanhas que, navio que lá passe, jamais nunca poderá tornar”.

Por causa da dificuldade salientada por Gomes de Zurara, os pilotos das embarcações deviam se afastar do rumo traçado originalmente... Tinham de deslizar “larga curva para oeste”, pois a falta de profundidade se estendia até “uma légua marítima de distância”, ou seja, mais de cinco quilômetros e meio. Há que se acrescentar que o peso total de suas embarcações variava entre 50 e 60 toneladas.
(...)
Em 1433 os portugueses ainda não contavam com os preciosos recursos que possibilitariam uma ultrapassagem mais segura e tranquila do Bojador... Ainda lhes faltavam “cartas de marear seguras” (eles só produziram a sua primeira em 1443) e a “caravela de velas latinas, mais a de bolina” (usadas a partir de 1441).
Como se vê, não foi por acaso que Gil Eanes desistiu de ultrapassar o Cabo ao alcançá-lo em 1433. O Infante tanto pressionou que no ano seguinte Eanes realizou o grande feito. Sobre o acontecimento, Zurara registrou que ao vencer o Bojador Gil Eanes descobriu que para além do cabo, “as coisas” eram “muito ao contrário do que ele e outros até ali pressentiam”.
A partir do grande acontecimento, planejou-se avançar o mais que podiam pela costa africana no rumo do sul até onde conseguissem chegar sem serem incomodados pela presença muçulmana... Depois do Marrocos, o território avançava pela costa cheia de curvas da Mauritânia... E para além do rio Senegal, a “terra dos negros”.
Os lusitanos puderam conferir terras por onde circulavam minguados grupos berberes e alguns árabes... Mercadores que lidavam com camelos e negociavam inclusive o sal extraído de lagoas próximas das praias. Um ambiente muito quente e de difícil acomodação. Considerações de Cadamosto dão conta de que:

                   “a costa é toda arenosa, branca e seca, e é terra baixa toda igual e não mostra ser mais alta, arenosa e branca e seca, num lugar que noutro, até o dito Cabo Branco. O qual cabo é chamado Branco porque os portugueses, que primeiro o acharam viram-no arenoso e branco, sem sinal de erva nem de qualquer árvore”.

Como se vê, desde a ultrapassagem do Cabo do Bojador os lusitanos mantiveram-se atentos às possibilidades do continente. De acordo com Gomes Eanes de Zurara, Gil Eanes, com a participação de Afonso Baldaia (copeiro de D. Henrique), avançou cerca de cinquenta léguas pela costa desértica até que alcançou “rastro de homens e camelos”... Para D. Henrique o ocorrido foi algo bom, mas ele desejava bem mais. Ainda segundo o mesmo cronista, o Infante ordenava:

                   “Pois que assim é, vos encomendo que vades o mais adiante que puderdes, tratando de falar com essa gente, ou ganhando alguma”.

O Cabo Branco citado anteriormente foi atingido por uma expedição portuguesa liderada por Nuno Tristão (criado da câmara do Infante) em 1441.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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