Apesar da grande decepção de Rousseau, as
discussões a respeito da humanidade e sua organização social prosseguiram, e as
referências aos “direitos do homem” permaneceram no centro das atenções. Ainda
que o filósofo iluminista ignorasse o desenrolar dos fatos na América do Norte,
a Independência dos Estados Unidos deu ainda mais “poder de fogo” aos
defensores da causa dos direitos na Europa.
Para termos uma
ideia, a Declaração de Independência de 1776 foi traduzida para o francês pelo
menos nove vezes até 1783... Também as declarações estaduais e constituições despertaram
o mesmo interesse e receberam traduções para o francês. Isso contribuiu para
que algumas doutrinas formuladas na França passassem a defender que o governo
local também se estabelecesse a partir de novas fundamentações.
Havia reformadores franceses que consideravam a Monarquia
Constitucional, como a britânica, o melhor modelo... Havia ainda os que, como
Condorcet, não se animavam com a Constituição norte-americana e a consideravam
carregada do “espírito aristocrático”. Isso à parte, a maioria se sentia
animada com o exemplo dos norte-americanos e sua capacidade de livrarem-se do “peso
morto do passado e estabelecer o autogoverno”.
(...)
Em
1788 a França passou a enfrentar uma difícil crise econômica... O país ficou à
beira da bancarrota. Lynn Hunt aponta que um dos motivos dessa crise foi a
participação francesa na guerra estadunidense. Para resolvê-la, o rei Luís XVI convocou
os Estados Gerais, assembleia que não se reunia desde 1614. Assim que se
anunciaram as eleições, uma série de ideias a respeito de declarações foram
discutidas entre os que se agrupavam nos mais diversos locais.
Em janeiro de 1789,
Lafayette, que era amigo de Jefferson, começou a redigir um rascunho de
declaração... Logo, o próprio Condorcet dispôs-se a elaborar o seu sem muito alarde.
De fato, Luís XVI havia anunciado que cada segmento social* elegesse seus
delegados e apresentassem “listas de suas queixas”.
*Todos aqui conhecem a estratificação social que havia
no Antigo Regime, herança dos tempos feudais: Primeiro Estado, clero; Segundo
Estado, Nobreza; Terceiro Estado, o povo comum.
De fevereiro a abril
muitas listas foram elaboradas... Elas faziam referências aos “direitos
inalienáveis do homem”, “direitos imprescindíveis dos homens livres”, “direitos
e dignidade do homem e do cidadão” e até aos “direitos dos homens livres e
esclarecidos”. Enfim predominava a ideia dos “direitos do homem”.
Certamente a crise econômica aqueceu ainda mais as reivindicações por direitos.
(...)
Em “A Invenção dos
Direitos Humanos” conhecemos um pouco das listas das queixas da nobreza e do Terceiro
Estado...
Mais do que o clero ou o povo comum, os nobres “exigiam de forma
explícita uma declaração de direitos”, além disso solicitavam uma Constituição.
Os nobres de Béziers, região mais ao sul do país, pretendiam uma “assembleia geral
que adotasse como sua verdadeira tarefa preliminar o exame, rascunho e
declaração dos direitos do homem e do cidadão”.
Da região da capital surgiu uma lista do Terceiro Estado que deu à sua
segunda seção o título de “Declaração de Direitos”. As listas solicitavam
alguns direitos mais específicos “de uma ou outra forma: liberdade de imprensa,
liberdade de religião em alguns casos, tributação igual, igualdade de
tratamento perante a lei, proteção contra a prisão arbitrária”...
Os
Estados Gerais foram oficialmente abertos a 5 de maio de 1789... Depois de mais
de um mês de debates infrutíferos, os representantes do Terceiro Estado
decidiram se declarar “membros de uma Assembleia Nacional” (17/junho). Em seus
discursos, garantiram que representavam toda nação, e não simplesmente o segmento
estamental. Vários representantes do clero se juntaram a eles... Boa parte dos
delegados da nobreza deixou os Estados Gerais enquanto alguns deles resolveram
aderir ao movimento.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_2.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto