Além de ter colocado fim às vexações que eram
típicas durante as punições, os deputados franceses eliminaram o teatro religioso
imposto ao condenado (mais especificamente a prática do “arriende honorable”),
que era vestido apenas com uma camisa e tinha de percorrer caminho até uma
igreja ao mesmo tempo em que segurava uma tocha, pedindo perdão a Deus, ao rei e
à justiça.
Em vez disso, o
comitê propôs a punição que evidenciava uma “degradação cívica”. Em certos
casos o condenado amargaria um tempo de cárcere. Mais uma vez, foi Lepeletier
quem esclareceu conceitos e procedimentos adotados com o novo tipo de punição.
O condenado seria levado a determinado local público, onde ele e os demais
cidadãos presentes ouviriam o escrivão do tribunal proclamar as seguintes
palavras: “O seu país o considerou culpado de uma ação desonrosa. A lei e o tribunal
lhe tiram a posição de cidadão francês”. Depois disso, o condenado permanecia
preso e exposto ao público por duas horas “preso num colarinho de ferro”. Todos
saberiam o nome, o crime praticado e o julgamento a que foi submetido porque tudo
isso seria registrado num cartaz que seria colocado pouco abaixo de sua cabeça.
Tanto os reincidentes, quanto as mulheres e os estrangeiros, que já não
possuíam “direitos de votar ou de ocupar cargos públicos”, representavam uma
questão à parte para a aplicação dos novos procedimentos. Então o artigo 32 do
código proposto esclarecia que nesses casos o escrivão não fazia qualquer
referência à perda de posição cívica... Mulheres, estrangeiros e reincidentes
tinham uma sentença de “degradação cívica” limitada à exposição pública no
colarinho de ferro com o cartaz durante as mesmas duas horas.
Ao
menos a “degradação cívica” introduzia uma condição diferenciada do condenado...
Ele não era mais um súdito, mas cidadão (e isso valia para as mulheres, já que
eram consideradas “cidadãs passivas”). Essa condição política proibia que lhes
fossem impostas a tortura, castigos cruéis ou punições desonrosas. Por ocasião
da apresentação do código, Lepeletier fez questão de diferenciar dois tipos de
punição. Ele salientou que todas punições carregam situações de vergonha e
desonra, mesmo assim esclareceu que os “castigos corporais”, que envolviam a
prisão e a morte, eram um caso à parte quando se consideravam os “castigos
desonrosos”.
Os deputados quiseram
delimitar a aplicação dos castigos desonrosos... Aprovaram a exposição pública
do condenado preso ao colarinho de ferro, apesar disso colocaram fim:
ao “ato de
penitência, o uso do tronco e do pelourinho, o ato de arrastar o corpo numa
espécie de armação depois da morte, a reprimenda judicial e o ato de declarar
indefinidamente em aberto um caso contra o acusado”.
Em sua defesa do código
reformado, Lepeletier destacou:
“Propomos que vocês adotem
o princípio (do castigo desonroso), mas multipliquem menos as variações, que ao
dividi-lo enfraquecem este pensamento terrível e salutar: a sociedade e as leis
proferem um anátema contra alguém que se corrompeu pelo crime”.
Daí conclui-se que para os reformadores do código penal, o criminoso
podia ser desonrado “em nome da sociedade e das leis” e não “em nome da
religião ou do rei”.
Os deputados discutiram ainda acerca dos efeitos que os castigos
desonrosos pesavam sobre os familiares do condenado... A nova situação
destacava que a punição só devia implicar o criminoso. No Antigo Regime os
familiares dos condenados tornavam-se impedidos de “comprar cargos ou ocupar
posições públicas”... Em certos casos podiam ter a propriedade confiscada e passavam
a ser vistos como desonrados por toda comunidade.
(...)
Este
tema já vinha sendo discutido há um bom tempo... Em 1784, Pierre Louis de Lacretelle,
então um jovem advogado, recebeu premiação da Academia de Metz por um ensaio em
que condenava o castigo desonroso, “uma vergonha que não devia ser estendida”
aos familiares do condenado. Essas também foram as ideias de outro jovem
advogado, natural de Arras, Maximilien Robespierre, que ganhou a segunda
colocação no mesmo concurso.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_16.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto