domingo, 14 de junho de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – eliminando as vexações de caráter religioso impostas ao condenado; Lepeletier explica a “degradação cívica”; colarinho de ferro e cartaz após a declaração de “degradação cívica”; o artigo 32 do código e os casos específicos de mulheres, estrangeiros e reincidentes; a condição política do cidadão condenado; castigos desonrosos, não mais em nome da religião e do rei, e fim da extensão da desonra aos familiares; Pierre Louis de Lacretelle e Maximilien Robespierre, críticos da antiga lei e costumes

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_10.html antes de ler esta postagem:

Além de ter colocado fim às vexações que eram típicas durante as punições, os deputados franceses eliminaram o teatro religioso imposto ao condenado (mais especificamente a prática do “arriende honorable”), que era vestido apenas com uma camisa e tinha de percorrer caminho até uma igreja ao mesmo tempo em que segurava uma tocha, pedindo perdão a Deus, ao rei e à justiça.
Em vez disso, o comitê propôs a punição que evidenciava uma “degradação cívica”. Em certos casos o condenado amargaria um tempo de cárcere. Mais uma vez, foi Lepeletier quem esclareceu conceitos e procedimentos adotados com o novo tipo de punição. O condenado seria levado a determinado local público, onde ele e os demais cidadãos presentes ouviriam o escrivão do tribunal proclamar as seguintes palavras: “O seu país o considerou culpado de uma ação desonrosa. A lei e o tribunal lhe tiram a posição de cidadão francês”. Depois disso, o condenado permanecia preso e exposto ao público por duas horas “preso num colarinho de ferro”. Todos saberiam o nome, o crime praticado e o julgamento a que foi submetido porque tudo isso seria registrado num cartaz que seria colocado pouco abaixo de sua cabeça.
Tanto os reincidentes, quanto as mulheres e os estrangeiros, que já não possuíam “direitos de votar ou de ocupar cargos públicos”, representavam uma questão à parte para a aplicação dos novos procedimentos. Então o artigo 32 do código proposto esclarecia que nesses casos o escrivão não fazia qualquer referência à perda de posição cívica... Mulheres, estrangeiros e reincidentes tinham uma sentença de “degradação cívica” limitada à exposição pública no colarinho de ferro com o cartaz durante as mesmas duas horas.
Ao menos a “degradação cívica” introduzia uma condição diferenciada do condenado... Ele não era mais um súdito, mas cidadão (e isso valia para as mulheres, já que eram consideradas “cidadãs passivas”). Essa condição política proibia que lhes fossem impostas a tortura, castigos cruéis ou punições desonrosas. Por ocasião da apresentação do código, Lepeletier fez questão de diferenciar dois tipos de punição. Ele salientou que todas punições carregam situações de vergonha e desonra, mesmo assim esclareceu que os “castigos corporais”, que envolviam a prisão e a morte, eram um caso à parte quando se consideravam os “castigos desonrosos”.
Os deputados quiseram delimitar a aplicação dos castigos desonrosos... Aprovaram a exposição pública do condenado preso ao colarinho de ferro, apesar disso colocaram fim:

                   ao “ato de penitência, o uso do tronco e do pelourinho, o ato de arrastar o corpo numa espécie de armação depois da morte, a reprimenda judicial e o ato de declarar indefinidamente em aberto um caso contra o acusado”.

Em sua defesa do código reformado, Lepeletier destacou:

                   “Propomos que vocês adotem o princípio (do castigo desonroso), mas multipliquem menos as variações, que ao dividi-lo enfraquecem este pensamento terrível e salutar: a sociedade e as leis proferem um anátema contra alguém que se corrompeu pelo crime”.

Daí conclui-se que para os reformadores do código penal, o criminoso podia ser desonrado “em nome da sociedade e das leis” e não “em nome da religião ou do rei”.
Os deputados discutiram ainda acerca dos efeitos que os castigos desonrosos pesavam sobre os familiares do condenado... A nova situação destacava que a punição só devia implicar o criminoso. No Antigo Regime os familiares dos condenados tornavam-se impedidos de “comprar cargos ou ocupar posições públicas”... Em certos casos podiam ter a propriedade confiscada e passavam a ser vistos como desonrados por toda comunidade.
(...)
Este tema já vinha sendo discutido há um bom tempo... Em 1784, Pierre Louis de Lacretelle, então um jovem advogado, recebeu premiação da Academia de Metz por um ensaio em que condenava o castigo desonroso, “uma vergonha que não devia ser estendida” aos familiares do condenado. Essas também foram as ideias de outro jovem advogado, natural de Arras, Maximilien Robespierre, que ganhou a segunda colocação no mesmo concurso.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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