Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-onze.html antes
de ler esta postagem:
Estamos
no ponto em que Maria visitou Meursault na prisão... Na última postagem vimos o
quanto vários detalhes da grande sala, que sequer eram notados pelos
prisioneiros e visitantes, chamavam-lhe a atenção.
De um modo geral as pessoas ali se comunicavam aos gritos, e foi
gritando que Maria comunicou que o Raimundo lhe mandava um abraço. Mesmo com a
voz sufocada pelos que falavam à volta, Meursault agradeceu...
Sem perder a atenção na
conversa e gestual dos demais detentos, ouviu que o falante que estava ao seu
lado direito perguntou à sua visita alguma coisa a respeito de um familiar,
talvez um filho, e na sequência a mulher à sua frente sorriu dizendo-lhe que o
outro “nunca se sentira tão bem”. Já o detento que estava à sua esquerda não
falava e permanecia a olhar intensamente para a velhinha (sua mãe) que o
visitava.
(...)
Meursault não pôde subtrair muito mais das conversas
porque percebeu que a Maria estava dizendo que “é preciso ter esperança”. Ele
respondeu que “sim”, mas estava mais interessado em apertar-lhe “o ombro por
cima do vestido”. Via que o tecido era bem suave... Em que outra coisa havia de
ter esperança? Como Maria continuava a sorrir, pensou que ela devia estar
pensando mais ou menos o mesmo ele.
Permanecia mais atento aos detalhes da fisionomia da moça, o brilho dos
seus dentes, as pequenas rugas coladas aos olhos... Ela voltou a gritar para
dizer que ele sairia logo da prisão e que então se casariam. Como não tinha
outra coisa para dizer, Meursault perguntou se ela achava isso mesmo... Maria
gritou que sim, que o absolveriam e que voltariam a tomar os banhos de mar.
Nem podemos dizer que o rapaz tivesse pensado a
respeito das palavras da namorada, pois passou a prestar atenção aos gritos de
outra visitante a respeito de um cesto que deixara “à porta”. A mulher anunciou
todo o conteúdo do cesto e aconselhou ao detento que o verificasse com atenção,
“pois tudo que lá havia dentro era muito caro”. Enquanto isso, o rapaz que
estava à sua esquerda permanecia calado e olhando para a mãe... Ela também o
fitava silenciosamente.
O resto era murmúrio dos detentos árabes e a intensa luz que chegava à sala
desde o exterior... Essa luz “corria por todas as caras” e isso era bem observado
pelo Meursault.
(...)
Ele notou que não estava se sentindo bem e que preferia sair o quanto
antes da “sala de visitas”. Queria se livrar do intenso barulho, mas não
desejava que a Maria se afastasse de sua visão.
Algum tempo se passou e,
sempre a sorrir, a moça falou-lhe a respeito de seu trabalho. Tudo lhe chegava
confusamente aos ouvidos de Meursault, já que o murmúrio e a gritaria das
conversas se misturavam... Silêncio mesmo só havia no compartimento do rapaz
que recebera a visita da velha mãe.
Aos poucos os árabes se
retiraram... Assim que o primeiro saiu, a maioria se calou... evidentemente o
horário de visitação estava expirando. Meursault viu que o guarda fez um sinal
ao rapaz silencioso. A velhinha se aproximou o mais que pôde das grades
enquanto ele se despediu com um “adeus, mãe”. A ela restou manifestar-se com
“uma pequena carícia, lenta e prolongada”, depois de passar “a mão por entre as
grades”.
Depois
entrou um tipo que trazia o chapéu à mão. Ele ocupou o lugar onde estava a
velhinha. Meursault reparou que trouxeram outro detento em substituição ao
franzino que havia ficado calado a maior parte do tempo.
O prisioneiro que chegou era falante e sua visita estava animado para
conversar, mas fizeram isso “a meia voz” porque a sala já não estava barulhenta
como antes. Também o tipo que estava à direita do Meursault foi retirado. A
mulher gorda que o visitava habituara-se a falar aos gritos, e foi dessa
maneira que se despediu orientando-o a cuidar-se bem e a “tomar cuidado”.
Então chegou a vez do
Meursault voltar para a cela... Maria “atirou-lhe um beijo de longe”. Antes de
deixar a sala, ele voltou o rosto em sua direção e viu que ela permanecia “imóvel,
com a cara esmagada contra o gradeamento, com o mesmo sorriso forçado e
crispado”.
(...)
Algum tempo depois, Meursault recebeu uma carta da
Maria... De acordo com ele mesmo, a partir de então começaram a ocorrer coisas
que muito o desagradavam e, por isso mesmo não gostava de falar a respeito
delas.
Apesar disso, entendia que outros haviam tido muito
mais problemas do que ele.
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto