Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus_26.html antes
de ler esta postagem:
A tarde
avançou e a atmosfera se tornou menos abafada. Meursault entendeu que a
movimentação das ruas já devia ser a de fim de dia, pois certos barulhos que
lhe chegavam aos ouvidos indicavam isso mesmo.
Na sala ainda apinhada de gente esperava-se a conclusão do caso. Ele olhou
atentamente para a disposição das pessoas ao redor e não pôde deixar de se
espantar ao lembrar que estavam ali como estiveram no primeiro dia e que esperavam
por algo que só dizia respeito a ele.
Mais uma vez viu o jovem jornalista
que trajava um paletó cinza e a estranha mulher do restaurante que, no final
das contas, nada tinha a ver com o Celeste... Neste momento percebeu que
durante as declarações dos advogados não olhou para a Maria. Não se esquecera
dela, mas estivera ocupado com o desenrolar do processo...
Pôde observar que ela estava entre o Celeste e o
Raimundo Sintés e que lhe fazia um sinal, parecendo transmitir alívio pelo fim
das falações... Por um breve momento sorriu para ele, mas Meursault sentia-se
tão cansado e “com o coração fechado” que foi incapaz de sorrir-lhe de volta.
(...)
Ao retornarem, os juízes se dirigiram aos jurados e “leram uma série de
pontos principais do processo”. Entre as palavras que mais se destacaram aos
ouvidos de Meursault estavam “culpado de crime”, “provocação” e “circunstâncias
atenuantes”. Depois de ouvirem a leitura e algumas considerações gerais, os
jurados foram retirados para uma sala específica.
O réu foi encaminhado para o recinto onde
anteriormente tivera de esperar pelo protocolo do início. O advogado que o
havia defendido apareceu e mostrou-se confiante... Foi mais cordial do que de
outras vezes e confiava que Meursault cumpriria “alguns anos de prisão”.
O rapaz quis saber se havia a possibilidade de revogarem parte da
condenação caso a sentença fosse desfavorável... O advogado adiantou que não se
pleiteia revogação em processos “sem mais nem menos”, e que havia usado a tática
“de não indispor o júri”. Essas palavras o convenceram e por fim concordou que
a derrogação só resultaria em trabalho extra e a produção de “papelada inútil”
para longas análises.
O advogado finalizou a conversa dizendo que ainda poderiam apelar, mas
estava convencido de que os resultados lhes seriam favoráveis.
(...)
Depois de uns quarenta e
cinco minutos ouviu-se o soar de uma campainha. O advogado disse ao Meursault
que “o presidente do júri vai ler as respostas”, por isso ele retornaria à
sala. Disse também que o réu só podia voltar ao tribunal no momento do anúncio da
sentença.
De onde estava, ele ouviu o
bater de portas e a movimentação de pessoas. Fez-se silêncio e na sequência “uma
voz surda” fez uns pronunciamentos. Depois a campainha tocou, abriram a porta e
o conduziram ao local onde estivera durante toda a sessão.
O
silêncio era diferenciado... Algo aterrador para Meursault, que procurou o olhar
do jovem jornalista. Espantou-se mesmo ao notar que o tipo não mais o fitava e
que, em vez disso, esforçava-se por afastar os olhos de sua direção.
Pensou em olhar para a Maria, mas o presidente foi dizendo que lhe “cortariam
a cabeça numa praça pública em nome do povo francês”. Obviamente não pôde
deixar de estranhar as palavras proferidas, mas entendeu que, diferentemente do
que seu advogado lhe adiantara, o resultado havia sido o pior.
Aos poucos conseguiu
entender as expressões do público presente. Era certo que esperavam a
condenação máxima, mas o anúncio do veredito e da sentença talvez tivesse
provocado certo sentimento de compaixão... Pôde notar que até os policiais que
o acompanhavam mostravam-se amáveis com ele.
De repente o advogado colocou a mão em seu pulso. O
presidente quis saber se Meursault queria declarar algo. Ele respondeu que não
e logo o retiraram do recinto.
(...)
Disponibilizaram a visita do capelão. Já era a terceira vez. Acontece
que Meursault não quis recebê-lo nem mesmo depois do dramático desfecho no
tribunal... Simplesmente não tinha o que lhe dizer ou vontade de falar. Por
outro lado, todos sabiam que ele ainda teria muito tempo para ouvir o consolo
religioso. No momento interessava-se em descansar e refletir sobre a terrível
trama que a “engrenagem do sistema penal” havia lhe reservado. Como fugir da
mesma? Haveria alguma saída?
(...)
Ele foi transferido de cela... Entendeu que passaria
os dias no novo cubículo até a execução. Mantinha-se na cama e a olhar para o
alto, assim podia contemplar um fragmento do céu, as alterações das cores e
luminosidade que marcavam as passagens dos dias e noites.
Deitado, com as mãos sob a cabeça, pensava
muitas vezes a respeito dos condenados à morte e se houve entre eles quem lograsse
escapar do “mecanismo implacável”. Alguém teria conseguido desaparecer “antes
da execução e fugir ao cordão dos policiais”?
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto