domingo, 13 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – ninguém pode imaginar o que são as noites da prisão; quase por “acidente”, Meursault percebeu que se habituara a falar sozinho em voz alta; a advogado considerava que o tribunal não se demoraria com o caso, já que o de um parricida vinha chamando mais a atenção; no tribunal assim que o verão teve início; um ambiente concorrido e de ar abafado; de frente para os jurados, sem perceber distinções entre seus membros, e como se acabasse de entrar em um transporte coletivo

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-o_12.html antes de ler esta postagem:

Meursault acomodou-se a uma rotina na detenção. Ocupou-se com o seu exercício de memória e lia a história do tchecoslovaco para “matar o tempo”. Passou a dormir várias horas tanto à noite como durante o dia...
Perdeu a noção dos dias. A ele bastavam o “ontem” e o “amanhã” como referências... Sequer percebeu que já fazia cinco meses que estava preso e, de certo modo, espantou-se ao notar, “no espelho da bacia de esmalte”, que sua fisionomia se mantinha séria até quando tentava sorrir.
(...)
Havia um momento “mais dramático” para o Meursault... Ele o chamava de “a hora sem nome”. Era o momento do “fim do dia”, quando “os ruídos da noite sobem de todos os andares da prisão, num cortejo de silêncios”.
Aquela tarde em que o guarda lhe revelou sobre os cinco meses que haviam se passado desde a sua chegada, foi a mesma em que ele se pôs a observar a própria fisionomia séria. Antes que anoitecesse, decidiu se aproximar da claraboia para observar a própria imagem uma última vez.
Viu que continuava sério, mas notou que conseguia ouvir distintamente o som “da própria voz”. E só então percebeu que já fazia vários dias que falava “sozinho em voz alta”. Lembrou-se das palavras da enfermeira no dia do sepultamento da mãe, “não há saída possível”, então concordou que “ninguém pode imaginar o que são as noites nas prisões”. Talvez tenha pronunciado este juízo em voz alta...
Depois pensou que “no fundo, um verão depressa substitui outro verão”. Logo chegariam os “primeiros calores” trazendo “qualquer coisa de novo”.
(...)
O caso de Meursault “estava inscrito na última sessão do tribunal”, que terminaria pelos últimos dias de junho. Ele não deixou de notar que os debates se iniciaram num dia de sol... pelo visto, sua ideia a respeito de os “primeiros calores” trazerem “qualquer novidade” estava certa.
O advogado havia lhe dito que os depoimentos, pronunciamentos, declarações no tribunal, e mais o julgamento em si, “não durariam mais do que dois ou três dias”. O homem imaginava até que logo encerrariam o seu caso porque havia outro que a opinião pública vinha considerando mais importante. Tratava-se do caso de um parricida que seria julgado depois.
(...)
Às sete e meia da manhã os guardas retiraram Meursault de sua cela para que fosse encaminhado ao veículo especial que o levaria ao tribunal. Não demorou, e logo se viu conduzido por dois policiais a “uma salinha sombria”.
Ele e os tiras esperaram junto de uma porta e puderam ouvir “vozes, chamamentos, barulhos de cadeiras” e outros ruídos que ecoavam desde o outro lado. Aquilo o fez lembrar das “festas de bairro”, em cujas salas, após o momento das conversações e “audições de músicas”, fazia-se uma arrumação para que as pessoas pudessem dançar.
Os policiais avisaram-lhe que deviam esperar os juízes... Um deles ofereceu-lhe um cigarro. Assim que Meursault recusou, o fardado quis saber se ele estava com medo. Ele respondeu que não e que até tinha curiosidade e interesse em “observar um julgamento”, algo que ainda não tivera oportunidade de ver. O segundo policial se intrometeu assentindo (que aquilo devia mesmo despertar a curiosidade das pessoas), mas observou que logo as pessoas se cansam dos rituais dos tribunais.
Algum tempo se passou e uma campainha foi disparada... Os policiais retiraram-lhe as algemas e abriram a porta... Ele foi acomodado “no pequeno quadrado dos réus” e notou que a sala estava bem cheia... Abarrotada mesmo. A luz do sol conseguia penetrar no ambiente através das persianas e tanto a quantidade de pessoas quanto o abafado do lugar, que tinha as vidraças fechadas, e o calor do sol tornavam o ar ainda mais quente.
Os policiais sentaram-se ao lado de Meursault. Bem diante deles havia a fileira de jurados, que foram notados por ele depois de algum tempo. Quis perceber as diferenças entre uns e outros. Não conseguiu e se imaginou num bonde, e que aqueles eram “passageiros anônimos” que se dispunham a olhar para o que acabava de entrar no veículo, e que procuravam observar se algo nele, como “gestos ridículos”, chamavam a atenção.
Ele mesmo entendeu que o que imaginara era “pouco inteligente” e que aqueles que estavam diante dele só podiam estar “procurando o crime” em suas expressões e aparência. Depois pensou que a diferença, entre o que imaginava a respeito da curiosidade daqueles tipos e o que seria mais razoável supor, não devia ser dão discrepante assim.
(...)
O caso é que o ambiente abarrotado de pessoas o atordoava um pouco. Olhou novamente para os jurados e não conseguiu “distinguir especialmente alguma fisionomia”.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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