Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-o_12.html antes
de ler esta postagem:
Meursault
acomodou-se a uma rotina na detenção. Ocupou-se com o seu exercício de memória
e lia a história do tchecoslovaco para “matar o tempo”. Passou a dormir várias
horas tanto à noite como durante o dia...
Perdeu a noção dos dias. A ele bastavam o “ontem” e o “amanhã” como
referências... Sequer percebeu que já fazia cinco meses que estava preso e, de
certo modo, espantou-se ao notar, “no espelho da bacia de esmalte”, que sua
fisionomia se mantinha séria até quando tentava sorrir.
(...)
Havia um momento “mais
dramático” para o Meursault... Ele o chamava de “a hora sem nome”. Era o
momento do “fim do dia”, quando “os ruídos da noite sobem de todos os andares
da prisão, num cortejo de silêncios”.
Aquela tarde em que o guarda lhe revelou sobre os
cinco meses que haviam se passado desde a sua chegada, foi a mesma em que ele
se pôs a observar a própria fisionomia séria. Antes que anoitecesse, decidiu se
aproximar da claraboia para observar a própria imagem uma última vez.
Viu que continuava sério, mas notou que conseguia ouvir distintamente o
som “da própria voz”. E só então percebeu que já fazia vários dias que falava “sozinho
em voz alta”. Lembrou-se das palavras da enfermeira no dia do sepultamento da
mãe, “não há saída possível”, então concordou que “ninguém pode imaginar o que
são as noites nas prisões”. Talvez tenha pronunciado este juízo em voz alta...
Depois pensou que “no fundo, um verão depressa
substitui outro verão”. Logo chegariam os “primeiros calores” trazendo “qualquer
coisa de novo”.
(...)
O caso de Meursault “estava inscrito na última sessão do tribunal”, que
terminaria pelos últimos dias de junho. Ele não deixou de notar que os debates
se iniciaram num dia de sol... pelo visto, sua ideia a respeito de os “primeiros
calores” trazerem “qualquer novidade” estava certa.
O advogado havia lhe dito que os depoimentos, pronunciamentos,
declarações no tribunal, e mais o julgamento em si, “não durariam mais do que
dois ou três dias”. O homem imaginava até que logo encerrariam o seu caso
porque havia outro que a opinião pública vinha considerando mais importante. Tratava-se
do caso de um parricida que seria julgado depois.
(...)
Às sete e meia da manhã os
guardas retiraram Meursault de sua cela para que fosse encaminhado ao veículo
especial que o levaria ao tribunal. Não demorou, e logo se viu conduzido por
dois policiais a “uma salinha sombria”.
Ele e os tiras esperaram
junto de uma porta e puderam ouvir “vozes, chamamentos, barulhos de cadeiras” e
outros ruídos que ecoavam desde o outro lado. Aquilo o fez lembrar das “festas
de bairro”, em cujas salas, após o momento das conversações e “audições de
músicas”, fazia-se uma arrumação para que as pessoas pudessem dançar.
Os
policiais avisaram-lhe que deviam esperar os juízes... Um deles ofereceu-lhe um
cigarro. Assim que Meursault recusou, o fardado quis saber se ele estava com
medo. Ele respondeu que não e que até tinha curiosidade e interesse em “observar
um julgamento”, algo que ainda não tivera oportunidade de ver. O segundo
policial se intrometeu assentindo (que aquilo devia mesmo despertar a
curiosidade das pessoas), mas observou que logo as pessoas se cansam dos
rituais dos tribunais.
Algum tempo se passou e uma campainha foi disparada... Os policiais
retiraram-lhe as algemas e abriram a porta... Ele foi acomodado “no pequeno quadrado
dos réus” e notou que a sala estava bem cheia... Abarrotada mesmo. A luz do sol
conseguia penetrar no ambiente através das persianas e tanto a quantidade de
pessoas quanto o abafado do lugar, que tinha as vidraças fechadas, e o calor do
sol tornavam o ar ainda mais quente.
Os policiais sentaram-se ao
lado de Meursault. Bem diante deles havia a fileira de jurados, que foram
notados por ele depois de algum tempo. Quis perceber as diferenças entre uns e
outros. Não conseguiu e se imaginou num bonde, e que aqueles eram “passageiros
anônimos” que se dispunham a olhar para o que acabava de entrar no veículo, e que
procuravam observar se algo nele, como “gestos ridículos”, chamavam a atenção.
Ele mesmo entendeu que o que imaginara era “pouco
inteligente” e que aqueles que estavam diante dele só podiam estar “procurando
o crime” em suas expressões e aparência. Depois pensou que a diferença, entre o
que imaginava a respeito da curiosidade daqueles tipos e o que seria mais
razoável supor, não devia ser dão discrepante assim.
(...)
O caso é que o ambiente abarrotado de pessoas o
atordoava um pouco. Olhou novamente para os jurados e não conseguiu “distinguir
especialmente alguma fisionomia”.
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto