quarta-feira, 16 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – suspensão da sessão, breve almoço na cela e retorno para a sala abafada pelo calor; o diretor do asilo foi o primeiro a responder como testemunha; denúncia sobre o “excesso de calma” do réu, que não quis ver a mãe, não chorou por ela e partiu logo após o sepultamento; admitindo estranheza ao saber que o filho sequer sabia a idade da mãe; o procurador mostra-se satisfeito com o andamento do julgamento; o porteiro do asilo, segundo a depor, confirmou que Meursault não quisera ver a mãe, fumou, dormiu e tomou café com leite; um protesto da acusação em repúdio à interpelação da defesa

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-as.html antes de ler esta postagem:

Depois que o procurador fez suas primeiras perguntas ao Meursault, e concluiu que no momento não pretendia mais inquiri-lo, ocorrerem conversas que, para o rapaz, bem podiam ser entendidas como “acertos” entre os que conduziam a sessão ou que dela tinham participação importante... Depois de algum tempo, o presidente suspendeu a audiência até à tarde, quando seriam ouvidas as testemunhas.
(...)
O réu foi encaminhado ao veículo especial que o levou ao presídio. Trancado novamente em sua cela, almoçou. Depois, antes mesmo que pudesse pensar sobre o cansaço da manhã, apareceram para levá-lo novamente à sala de julgamento.
Assim, logo se viu mais uma vez no mesmo ambiente e diante das mesmas pessoas. A única diferença que se podia notar era a temperatura que havia aumentado e se tornara insuportável.
Não era por acaso que também os jurados, o procurador, o advogado que o defendia e alguns dos jornalistas também manipulavam “leques de palha”.
Meursault percebeu ainda que o jornalista mais jovem e a “estranha mulher do restaurante do Celeste” permaneciam nos mesmos locais... Estes “não se abanavam”, mas continuavam a encará-lo.
(...)
O rapaz sentia o forte calor e algumas vezes tinha de se livrar do suor que lhe cobria o rosto... Isso o incomodava de tal modo que mal se concentrava no motivo de estar ali. De repente ouviu chamarem o diretor do asilo, e isso fez com que despertasse para a realidade.
Ele ouviu que perguntaram a respeito de sua mãe ao diretor do asilo... Queriam saber se ela se queixava do filho. O inquirido respondeu que sim, mas adiantou que todos os internos “tinham um pouco a mania de se queixar da família”. O presidente pediu para ele especificar melhor se a falecida censurava o rapaz por “a ter metido no asilo”. “Sim”, foi o que o diretor respondeu sem acrescentar qualquer outra informação.
Outra pergunta foi feita e o diretor do asilo respondeu que ficara surpreso com a calma do Meursault “no dia do enterro”. Quiseram saber o que ele queria dizer exatamente por “calma”. Antes de responder, olhou “para as pontas dos sapatos” como se estivesse buscando uma frase que deixasse clara a sua opinião, depois disse que o moço “não quisera ver o corpo da mãe, não chorou uma única vez e partira logo a seguir ao enterro, sem sequer se recolher por uns momentos no cemitério”.
O diretor do asilo emendou que se espantara com o que um dos funcionários da agência funerária lhe dissera a respeito da falta de zelo do réu, que não sabia a idade da própria mãe.
Ao que parece, essa declaração chocou os presentes. Um silêncio se seguiu até que o presidente perguntou ao diretor do asilo se ele estava, de fato, se referindo ao Meursault. Pelo visto, o homem não entendeu o que lhe foi perguntado, pois o presidente disse-lhe “a lei”, e quis saber do procurador se se interessava em perguntar algo mais à testemunha.
(...)
“Ah, não, isto já chega!” foi desse modo que o procurador respondeu.
Para a acusação, evidentemente, as palavras do diretor teriam peso na decisão dos jurados... Meursault entendeu que o tipo lhe dirigiu um olhar de triunfo. Naquele momento teve “uma vontade estúpida de chorar” porque enfim parecia ter noção do quanto era detestado pelos presentes à sessão de julgamento.
O presidente perguntou também aos jurados e ao advogado da defesa se pretendiam interrogar o diretor do asilo. Mas não temos nenhuma referência a qualquer indagação formulada por eles.
(...)
O segundo a ser chamado para testemunhar foi o porteiro do asilo. Este olhou para o réu assim que entrou, mas logo voltou-se para quem lhe dirigia as perguntas.
O porteiro disse que Meursault não quis ver a mãe, que fumou, dormiu e tomou café com leite. Suas palavras sinalizavam para uma formação de juízo, a de que Meursault “era culpado”. E era isso mesmo o que ele começou a sentir. É claro que seu mal-estar só podia ter aumentado quando pediram ao porteiro “para repetir a história do café com leite e a do cigarro”.
O advogado da acusação olhou-o com ironia e brilho nos olhos. O de defesa quis saber do porteiro se ele não acompanhara o rapaz no cigarro. Acontece que o procurador protestou perguntando se precisava indicar-lhe quem na sala era o criminoso... Depois perguntou ao da defesa se seu método consistia em “denegrir as testemunhas de acusação para lhes diminuir os depoimentos”.
Parece que as pessoas consideraram a reclamação contundente, porém o presidente falou ao porteiro que ele devia responder o que lhe havia sido perguntado. O tipo respondeu que sabia que não se comportara bem, mas não teve como recusar o cigarro que o outro lhe oferecera.
Perguntaram ao Meursault se ele queria acrescentar algo ao que o porteiro havia dito... Ele foi sucinto e disse que “nada” e depois emendou que, “a não ser que a testemunha fala a verdade”, havia mesmo lhe oferecido um cigarro.
Depois de sua resposta, viu que o porteiro o olhou com certo espanto “e com uma espécie de gratidão”. Talvez por isso, na sequência o homem admitiu que oferecera o café com leite ao rapaz.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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