Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-ansiedade.html antes
de ler esta postagem:
Será que não era por “excesso de desespero” que
falava daquele modo? O padre quis saber.
Meursault, que havia
dito que não tinha qualquer interesse pelo assunto trazido pelo religioso,
garantiu que não se sentia desesperado... Admitiu que sentisse medo, mas sabia
que isso era natural.
O padre aproveitou a deixa e adiantou que Deus o ajudaria. Explicou que
era assim mesmo, que conhecera muitos outros que estavam na mesma situação dele
e que, finalmente, acabavam se voltando para Ele.
Meursault
o ouviu e respondeu que os que assim procediam estavam “no seu direito”. Além
disso, podia constatar que “tinham tempo”. De sua parte, entendia que ele
próprio “não tinha tempo para se interessar pelo que não o interessava” e esperava
que ninguém se metesse a querer ajudá-lo.
A afirmação do
detento provocou certa irritação no religioso, todavia ele conseguiu manter o
controle... Levantou-se, ajeitou as dobras da batina, respirou fundo e se
dirigiu ao rapaz tratando-o por “meu amigo”. Disse que se dirigia a ele desse
modo não porque se tratasse de “um condenado à morte”, já que pensava mesmo que
“todos nós somos condenados à morte”.
Meursault
o interrompeu e disse que não era a mesma coisa... Apesar disso garantiu que não
se importava e que, além disso, aquela ideia não lhe servia de consolo. O padre
não lhe tirou a razão, mas observou que, se não morresse em breve por causa da
sentença, morreria de qualquer modo mais tarde. Isso implicava em admitir que o
“problema” teria de ser encarado do mesmo modo... Então, como lidaria com a
“terrível prova”?
Como sabemos, o rapaz
já vinha refletindo sobre isso na solidão de sua cela... Respondeu que lidaria
do mesmo modo como encarava a situação no momento... O padre o olhou fixamente,
fitando-o nos olhos.
(...)
Meursault entendeu
que aquilo era uma intimidação. Era também um jogo ao qual já estava
acostumado, pois, em muitas ocasiões, desafiara o Manuel ou o Celeste... O
perdedor era quem desviasse os olhos primeiro.
Pelo visto o padre também conhecia o desafio, já que mantinha o olhar
sem qualquer tremor e falava sem vacilações... De repente questionou se o
condenado não tinha mesmo qualquer esperança e se, além disso, conseguia achar
que “morreria inteiramente”.
Meursault respondeu que sim... Isso fez o padre se sentir decepcionado
mais uma vez. Ele baixou a cabeça, disse que lamentava e que era impossível
suportar sua atitude. Talvez começasse a pensar que aquele condenado era dos
mais arrogantes. De sua parte, Meursault já se sentia cansado da conversa e
resolveu posicionar-se sob a claraboia...
(...)
Se pensarmos que ele aceitou “o jogo”, temos de
concluir que ele foi o “perdedor”. Aconteceu que se encostou à parede e prestou
pouca atenção às palavras do religioso que voltava a interrogá-lo.
Via-se que o homem havia
se tornado inquieto. Começou a falar apressadamente e com emoção. Talvez por
isso Meursault tenha decidido ouvir um pouco do que lhe era dito, e foi assim
que percebeu que o religioso queria transmitir-lhe que tinha certeza de que o
recurso seria aceito.
Ele disse isso e que estava preocupado por vê-lo carregar “o peso de um
pecado” sobre os ombros, e o quanto isso o embaraçava. Emendou que era preciso
aliviá-lo e que, em sua opinião, só “a justiça de Deus” tinha o remédio para os
males que açoitavam um condenado pela justiça dos tribunais...
(...)
O
padre dava a entender que queria que o rapaz compreendesse que “a justiça dos
homens”, aquela que o julgara, não era nada diante da justiça divina.
Meursault salientou
que “a justiça dos homens” o havia condenado, em outras palavras, Deus não
tinha nada a ver com a sua situação de momento... O padre assentiu, mas
observou que a sentença do tribunal não o “lavara de seu pecado”... O moço respondeu
que não entendia muito bem o que viria a ser um pecado, disse que o tribunal
deu a sentença de culpado e que, se assim era, pagaria pelo seu delito. Deixou
claro que entendia que não podiam exigir mais nada dele.
O
padre tornou a se levantar... Olhando para o chão, o encarcerado pensou que na
pequena cela ele não tinha para onde ir e que o seu próximo movimento só podia
ser o de se sentar novamente, mas o tipo deu um passo em sua direção e, sem ter
como avançar mais, deteve-se e passou a observar o céu...
Por fim, pronunciou
que Meursault estava enganado... Tratou-o por “meu filho” e emendou que
poderiam pedir-lhe ainda mais... Acrescentou que talvez ainda lhe pedissem.
Obviamente Meursault não tinha a menor ideia do que ainda poderiam lhe pedir e
por isso perguntou. O padre disse que “poderiam lhe pedir para ver”.
(...)
Ver o quê? Meursault
perguntou nervosamente...
O padre olhou à sua volta e visivelmente cansado formulou uma resposta
referindo-se às pedras que compunham as paredes da cela... Como se estivesse a
poetizar, disse que elas “suavam dor”. Depois acrescentou que até os mais
miseráveis dos condenados chegaram a ver “uma Face Divina” a sair da
obscuridade.
Certamente
pediriam para ele também ver a mesma Face.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-maria-e.html
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto