Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-o-tempo.html antes
de ler esta postagem:
A “instrução
do processo” durou onze meses. Um período que o próprio Meursault pode ter
resumido como “de maçadas”. Ele mesmo admitia que eventualmente podia até
sentir contentamento quando o juiz o levava à porta dizendo-se um “por hoje
acabou, Sr. Anticristo”, e então os policiais se encarregavam dele.
(...)
A prisão não é mesmo lugar de onde se possam guardar boas recordações.
Bem ao contrário, o cotidiano é marcado por situações desagradáveis que o
detento quer subtrair de sua memória a todo custo.
Os primeiros dias foram
muito desagradáveis para o Meursault e ele não se sentia nem um pouco à vontade
para falar a respeito...
Levando-se em consideração o modo estranho de ser do
rapaz, não poderíamos mesmo esperar que ele nos transmitisse detalhes
significativos de seu cotidiano. Ele deixou claro que “esperava que surgisse
qualquer acontecimento novo”, mas pelo visto isso era algo pouco provável. Todavia
aconteceu que certo dia recebeu uma carta da Maria. Ela informava que não lhe
permitiam a visita porque não eram oficialmente casados.
(...)
O sentimento que ele passou a nutrir foi o de que a cela tinha se
tornado sua casa e sua vida se resumia àquele cubículo. Meursault lembrava que,
no dia em que foi encarcerado, o colocaram “num quarto onde já havia muitos
detidos”, entre os quais a maioria era de árabes. Ao vê-lo, os tipos puseram-se
a rir até perguntarem o motivo de sua prisão. Sincero como sempre, respondeu
que havia assassinado um árabe.
À noite daquele primeiro dia os companheiros de cela o
ensinaram a ajeitar a tralha de dormir e explicaram que deveria enrolar uma das
extremidades da peça que fazia a vez de colchonete para, desse modo, improvisar
o travesseiro. Talvez por isso mesmo, os piolhos o atacaram durante toda
madrugada.
(...)
Depois de alguns dias o transferiram para uma cela, onde permaneceu
isolado, com direito a uma “cama de madeira”, um vaso sanitário de ferro e uma “pequena
janela” através da qual “podia ver o mar”.
Certo dia, num momento “em que estava agarrado às grades” e a contemplar
a luz externa, um carcereiro chegou avisando que acabava de receber uma
visita... Supôs que fosse Maria... E era ela mesmo.
Ele foi conduzido por um
longo corredor, desceu alguns degraus que o levaram a mais um corredor. Chegou
a uma grande sala com uma “vasta janela” que garantia boa iluminação. Em seu comprimento,
o ambiente estava dividido em três graças a dois gradeamentos que estavam
distantes uns dez metros um do outro. Isso permitia a separação entre
visitantes e prisioneiros.
Depois de colocado num
compartimento, Meursault viu que Maria estava bem diante dele. Notou que usava o
vestido “de riscas” e que trazia a pele queimada pelo sol. O rapaz notou que ao
seu lado estavam uns doze presos e que a maioria era de árabes. Na parte dos
visitantes, viu que, além da Maria, havia muitos mouros. Ao lado dela estavam
duas outras mulheres, “uma velhinha de beiços cerrados, vestida de preto” e “uma
gorda, em cabelo, que falava muito alto” e que gesticulava muito.
Evidentemente,
a distância entre as grades levava presos e visitas a gritarem. Meursault
observou que o vozerio acabava fazendo eco nas paredes da sala. Isso somado à
intensa claridade provocaram “uma espécie de vertigem” no rapaz, que se lembrou
da cela onde estava instalado, “mais calma e sombria”. Alguns segundos se
passaram até que ele se adaptasse ao local.
Uma vez adaptado, não pôde deixar de conferir a fisionomia das pessoas.
Viu que um guarda estava acomodado numa das extremidades “entre os dois
gradeamentos”. Os prisioneiros árabes, e eles eram a maioria, “estavam de cócoras
frente a frente” com os seus familiares, que também se posicionavam do mesmo
modo. Apesar da gritaria, notou que estes procuravam falar sem alterar a voz. A
mistura de sons e conversas “se cruzavam por cima de suas cabeças”...
(...)
Tudo isso foi notado pelo Meursault
antes mesmo que se dirigisse à Maria, que mantinha-se o mais próximo possível à
grade e com seu sorriso um tanto forçado... Ele viu que ela estava bem bonita,
mas não lhe disse nada a respeito.
Maria perguntou... “E então?” Ele respondeu que “Então,
cá estou”... “Estás bem, tens tudo o que precisas?”... “Sim, tenho”.
Este foi o diálogo... Calaram-se e Maria não deixou de sorrir. A mulher
gorda que estava ao lado dela não parava de gritar em sua conversa com o tipo
que estava ao lado dele, “um tipo alto e loiro com um olhar franco” e
possivelmente marido dela.
Fragmentos dessa conversa foram captados por
Meursault... A mulher berrando: “A Joana não quis aceitar”; o presidiário
respondendo também aos gritos: “Sim, sim”; a mulher devolvendo uma explicação: “Disse
que tu o irias buscar outra vez quando saísses, mas ela não quis aceitar”.
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto