segunda-feira, 7 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – onze meses de “processo de instrução” e a adaptação de Meursault à condição de presidiário; o início num quarto repleto de árabes; cela individual e grade com vista para o mar”; na área de visitação para falar com Maria; estrutura do ambiente, o guarda, os visitantes, os detentos e a gritaria; fragmentos de uma das conversas

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-o-tempo.html antes de ler esta postagem:

A “instrução do processo” durou onze meses. Um período que o próprio Meursault pode ter resumido como “de maçadas”. Ele mesmo admitia que eventualmente podia até sentir contentamento quando o juiz o levava à porta dizendo-se um “por hoje acabou, Sr. Anticristo”, e então os policiais se encarregavam dele.
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A prisão não é mesmo lugar de onde se possam guardar boas recordações. Bem ao contrário, o cotidiano é marcado por situações desagradáveis que o detento quer subtrair de sua memória a todo custo.
Os primeiros dias foram muito desagradáveis para o Meursault e ele não se sentia nem um pouco à vontade para falar a respeito...
Levando-se em consideração o modo estranho de ser do rapaz, não poderíamos mesmo esperar que ele nos transmitisse detalhes significativos de seu cotidiano. Ele deixou claro que “esperava que surgisse qualquer acontecimento novo”, mas pelo visto isso era algo pouco provável. Todavia aconteceu que certo dia recebeu uma carta da Maria. Ela informava que não lhe permitiam a visita porque não eram oficialmente casados.
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O sentimento que ele passou a nutrir foi o de que a cela tinha se tornado sua casa e sua vida se resumia àquele cubículo. Meursault lembrava que, no dia em que foi encarcerado, o colocaram “num quarto onde já havia muitos detidos”, entre os quais a maioria era de árabes. Ao vê-lo, os tipos puseram-se a rir até perguntarem o motivo de sua prisão. Sincero como sempre, respondeu que havia assassinado um árabe.
À noite daquele primeiro dia os companheiros de cela o ensinaram a ajeitar a tralha de dormir e explicaram que deveria enrolar uma das extremidades da peça que fazia a vez de colchonete para, desse modo, improvisar o travesseiro. Talvez por isso mesmo, os piolhos o atacaram durante toda madrugada.
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Depois de alguns dias o transferiram para uma cela, onde permaneceu isolado, com direito a uma “cama de madeira”, um vaso sanitário de ferro e uma “pequena janela” através da qual “podia ver o mar”.
Certo dia, num momento “em que estava agarrado às grades” e a contemplar a luz externa, um carcereiro chegou avisando que acabava de receber uma visita... Supôs que fosse Maria... E era ela mesmo.
Ele foi conduzido por um longo corredor, desceu alguns degraus que o levaram a mais um corredor. Chegou a uma grande sala com uma “vasta janela” que garantia boa iluminação. Em seu comprimento, o ambiente estava dividido em três graças a dois gradeamentos que estavam distantes uns dez metros um do outro. Isso permitia a separação entre visitantes e prisioneiros.
Depois de colocado num compartimento, Meursault viu que Maria estava bem diante dele. Notou que usava o vestido “de riscas” e que trazia a pele queimada pelo sol. O rapaz notou que ao seu lado estavam uns doze presos e que a maioria era de árabes. Na parte dos visitantes, viu que, além da Maria, havia muitos mouros. Ao lado dela estavam duas outras mulheres, “uma velhinha de beiços cerrados, vestida de preto” e “uma gorda, em cabelo, que falava muito alto” e que gesticulava muito.
Evidentemente, a distância entre as grades levava presos e visitas a gritarem. Meursault observou que o vozerio acabava fazendo eco nas paredes da sala. Isso somado à intensa claridade provocaram “uma espécie de vertigem” no rapaz, que se lembrou da cela onde estava instalado, “mais calma e sombria”. Alguns segundos se passaram até que ele se adaptasse ao local.
Uma vez adaptado, não pôde deixar de conferir a fisionomia das pessoas. Viu que um guarda estava acomodado numa das extremidades “entre os dois gradeamentos”. Os prisioneiros árabes, e eles eram a maioria, “estavam de cócoras frente a frente” com os seus familiares, que também se posicionavam do mesmo modo. Apesar da gritaria, notou que estes procuravam falar sem alterar a voz. A mistura de sons e conversas “se cruzavam por cima de suas cabeças”...
(...)
Tudo isso foi notado pelo Meursault antes mesmo que se dirigisse à Maria, que mantinha-se o mais próximo possível à grade e com seu sorriso um tanto forçado... Ele viu que ela estava bem bonita, mas não lhe disse nada a respeito.
Maria perguntou... “E então?” Ele respondeu que “Então, cá estou”... “Estás bem, tens tudo o que precisas?”... “Sim, tenho”.
Este foi o diálogo... Calaram-se e Maria não deixou de sorrir. A mulher gorda que estava ao lado dela não parava de gritar em sua conversa com o tipo que estava ao lado dele, “um tipo alto e loiro com um olhar franco” e possivelmente marido dela.
Fragmentos dessa conversa foram captados por Meursault... A mulher berrando: “A Joana não quis aceitar”; o presidiário respondendo também aos gritos: “Sim, sim”; a mulher devolvendo uma explicação: “Disse que tu o irias buscar outra vez quando saísses, mas ela não quis aceitar”.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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