Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_5.html antes
de ler esta postagem:
O
livro esclarece que as notas de Urbain Souchu de Rennefort, um viajante francês
que se instalou no Recife por quatro meses em 1666, constituem “a mais antiga
informação documental” sobre as alegres manifestações de negros nas ruas por
ocasião dos “atos de sagração de rei e rainha do Congo” no Brasil.
De acordo com nota do livro, o pesquisador Pereira da Costa tratou da
citação de Urbain Souchu, extraída de “Mémoires pour servir a l’histoire des
Indes Orientales”, em “Arquivos Pernambucanos”, de 2000.
O francês, que teria
acompanhado de perto o evento, pôde notar que, terminada a missa, “os fiéis
transformaram-se em foliões” e na sequência:
“marcharam
pelas ruas cantando e recitando versos por eles improvisados, precedidos de
atabaques, trombetas e pandeiros. Vestiam as roupas de seus senhores, trazendo
correntes de ouro e brincos de ouro e pérolas; alguns estavam mascarados”.
(...)
Percebeu-se que, no Brasil, houve um deslocamento do que antes tinha
lugar nas igrejas (as “solenidades cívico-religiosas”) para as ruas, onde as “manifestações
negras coletivas” ressignificaram o “fenômeno teatral das coroações de Reis do
Congo”.
O autor esclarece que a mudança fez com que as
manifestações herdadas da antiga tradição dos congoleses assumissem traços
carnavalescos. Essa cultura popular tão marcada pela memória das coroações, que
outrora se davam no interior das igrejas como um resgate do reinado do Congo e “revivida
nos desfilas”, foi classificada por Mário de Andrade como “danças dramáticas”. Em
nosso Folclore elas são conhecidas como “cortejos, danças e folguedos” que
recebem os nomes de congos, congados ou congadas”.
(...)
Durante o século XVII, Angola foi palco de lutas entre seus nativos e os
portugueses colonizadores... A resistência angolana contou com a liderança da “chefe
negra rainha Ginga, ou Nzinga Mbandi” que, além de agregar significativo
contingente de guerreiros da vizinhança, se destacava por comandar ações com
táticas que lembram a de guerrilhas, com “avanços e recuos”.
Ao tempo dos conflitos, e muito depois deles, os exploradores trataram
de disseminar uma imagem desprezível de Nizinga Mbandi. O fato é que, além de exercer
a liderança revolucionária, soube se valer da “presença perturbadora dos
holandeses na região” e tramar alianças contra os portugueses.
(...)
Os grandes feitos da rainha
Nzinga Mbandi repercutiram nas várias localidades de domínio português... No
Brasil, as manifestações festivas relacionadas às congadas foram afetadas pelas
notícias e passaram por algumas “modificações”. É certo também que, de acordo
com Tinhorão, “a própria ideia de um Congo ideal oferecida aos negros
expatriados perdeu o seu valor”.
Formaram-se outros
movimentos culturais com inspiração nos cortejos anteriores. Mas não se pode
dizer que estes mantivessem vínculos com a “tradição direta dos Reinados do
Congo negro-portugueses”.
Foi
o caso, por exemplo, de um folguedo que apareceu em alagoas também no século
XVII. Ainda de acordo com o autor, tratava-se de um “folguedo natalino” e havia
sido organizado ao tempo mesmo da resistência dos negros estabelecidos no
quilombo de Palmares. Não por acaso o auto tinha “Quilombo” por denominação, já
que seu propósito era o de dramatizar a luta dos aquilombados. Mas em vez
disso, na realidade, os participantes mostravam através das danças (uma série
de lutas entre “negros fugitivos e índios da região”) “com a coreografia dançante
de suas espadas” a fim de conquistarem “o amor de uma rainha”.
De fato, o citado folguedo alagoano chega a causar espanto. Em nota,
Tinhorão explica que de certo modo há uma fundamentação histórico-sociológica para
a trama desenvolvida pelo enredo. É que os aquilombados eram majoritariamente
do sexo masculino e, assim sendo, planejavam “assaltos às populações vizinhas
para conseguir mulheres”.
O autor destaca ainda que “no auto negro
alagoano os escravos fugidos acabaram vencidos e retornaram à condição de escravos,
como pedia a boa ordem político-social do tempo”. Ou seja, a destruição de
Palmares devastou o sonho de liberdade dos negros ao mesmo tempo que significou
o triunfo dos poderosos que os mantinham subjugados.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_11.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto