Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-as_27.html antes
de ler esta postagem:
Meursault
dedicou-se a pensar sobre as chances de escapar da prisão e da execução a que
fora condenado... Em sua nova cela lamentava por não conhecer histórias de
condenados à pena capital. Reconhecia que devia ter se interessado pelos livros
a respeito, já que não sabemos o que pode nos acontecer... Talvez os livros
apresentassem casos de evasões ou de falhas no mecanismo de execução que
selariam a sorte do condenado.
Em seu íntimo Meursault não deixava de cogitar as possibilidades: “uma
fuga, um salto para fora do rito implacável, uma louca corrida, com todas as
probabilidades da esperança”. Quem sabe ser abatido por um tiro durante a
corrida em fuga... Contudo, no final das contas, sabia que seu coração se
encarregaria de liquidar a fatura quando chegasse a sua vez.
Todo condenado tem sua
dívida com a sociedade e, como os artigos jornalísticos afirmavam, ela precisa
ser quitada... Suas cogitações bem podiam ser consideradas um luxo, já que “a
engrenagem do sistema” sempre foi muito poderosa e escapar dela parecia-lhe
impossível.
(...)
Desde o pronunciamento da sentença o condenado passava
a ter de encarar a perturbadora espera pela execução. Meursault tinha algum
tempo para pensar sobre vários detalhes do processo que teve de enfrentar... Alguns
deles vinham-lhe à mente e o incomodavam, como o fato de o pronunciamento da
sentença ter saído somente às oito da noite, e não às cinco da tarde; também
porque o resultado poderia ter sido outro, já que definido por “homens que
mudam de roupa de baixo”; e, por fim, por ter sido anunciado “em nome de uma
noção tão imprecisa como o povo francês (ou alemão, ou chinês)”.
A gravidade da decisão que cravara a sua sorte parecia “perder a
seriedade” quando confrontada com os detalhes de suas reflexões evidenciadas
anteriormente. Apesar disso, não podia deixar de reconhecer que desde que fora
anunciada seus efeitos se faziam sentir imediatamente...
Para o sistema, as frias paredes da cela em que fora
colocado eram ideais para mantê-lo na expectativa da hora derradeira.
(...)
No cárcere, Meursault lembrou-se da mãe e de uma história que ela lhe
contava a respeito do pai, que ele não chegou a conhecer. Podia dizer que o que
sabia a respeito dele era o que a mãe lhe dizia.
A mãe dizia que certa vez o marido havia decidido assistir a uma
execução de um condenado por assassinato e que a possibilidade de comparecer ao
evento o deixou bem agitado...
Aconteceu que quando o pai
de Meursault retornou para casa sentiu-se tão mal que vomitou “durante quase
todo o dia”.
No começo o rapaz reprovava
a reação do pai, mas depois de ter se tornado um condenado que aguardava o
momento derradeiro passou a admitir que sua reação havia sido bem natural, pois
não deve haver “nada mais importante do que uma execução capital” e que talvez
não exista mesmo nada mais interessante do que isso para os homens.
(...)
Que
conclusão podia tirar? Imaginava apenas que se algum dia saísse da prisão
assistiria “a todas as execuções capitais”. Ao mesmo tempo entendia que isso
não era projeto que merecesse consideração...
Na verdade, as ideias de eventualmente estar livre “atrás de um cordão
de policiais” e de ser um espectador da execução só podiam lhe proporcionar “uma
onda de alegria envenenada” a subir ao coração... Na sequência era o medo que o
dominava e trazia-lhe o frio aterrador, que o levava para “debaixo dos
cobertores”, onde os maxilares tremiam-lhe a valer.
(...)
Esses eram “passatempos”
que ocupavam a mente de um tipo que necessitava de certo equilíbrio para
manter-se no limite do razoável. Meursault se entretinha também fazendo
“projetos de lei”, revisando os castigos aplicados aos condenados. Cogitava que
talvez fosse importante possibilitar “uma oportunidade ao condenado; uma sobre
mil”.
Imaginava a sintetização de algum composto químico que
o sentenciado deveria ingerir; a ele seria informado que a cada dez aplicações
pelo menos uma não resultaria em morte. Sem dúvida, algo alentador se comparado
à guilhotina, instrumento infalível que não deixava a menor possibilidade de
salvação do condenado... Nesse caso, a morte:
“era
decidida de uma vez para sempre”; “um caso arrumado, uma combinação que não
mais se podia desfazer, um acordo resolvido e sobre o qual não se podia voltar
atrás”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-da-frieza.html
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto