sábado, 5 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – o advogado se foi e Meursault teve a sensação de que deveria ter conversado melhor com ele; novamente o juiz de instrução; muita luz e calor na sala; a mesma narrativa e respostas mais embaraçosas do que as perguntas; a dúvida sobre o motivo do lapso entre o primeiro e o segundo tiro; um magistrado crente em Deus que apela para que o culpado/pecador se arrependa sinceramente

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-sobre-as.html antes de ler esta postagem:

O advogado retirou-se... Meursault ficou com a sensação de que devia retê-lo para conversar um pouco mais e explicar que precisava contar com a sua simpatia... Não que desejasse ser “mais bem defendido”, é que sentia que o encontro resultara em ríspido demais. Principalmente porque percebera que o modo como havia se expressado o deixara “pouco à vontade”. Evidentemente podia esperar que o outro, por não o compreender bem, desconfiasse de sua pessoa.
O que poderia fazer? Podia explicar-lhe que era um tipo “como toda a gente”. Mas ao mesmo tempo não sentia que isso fosse de “grande utilidade”, além disso, a preguiça o impedia de prosseguir com qualquer iniciativa de acertar-se com o advogado.
(...)
Algum tempo se passou e Meursault foi novamente levado à presença do juiz de instrução. Eram duas horas de uma tarde ensolarada, e por isso mesmo a sala estava bem iluminada.
O juiz ordenou que se sentasse e foi avisando que o advogado que fazia sua defesa não compareceria “devido a um contratempo”. Deixou claro que não precisava responder às perguntas que lhe fossem feitas ali e que poderia “esperar até que o advogado pudesse estar presente”.
O rapaz não viu qualquer inconveniente e admitiu que poderia “responder sozinho”. No mesmo instante o juiz acionou uma campainha que fez com que um jovem escrivão entrasse e se colocasse atrás do depoente.
O juiz disse ao Meursault que o definiam como um tipo “taciturno e fechado”. Perguntou-lhe o que achava... O rapaz respondeu que quase nunca tinha o que dizer, então preferia manter-se calado.
O homem sorriu e “concordou que era uma razão de peso”. Adiantou que aquilo não tinha qualquer importância... Na sequência calou-se, olhou-o bem e levantou-se de modo brusco dizendo que, para ele, o que interessava era exatamente “o acusado”. Depois emendou que “certas coisas” lhe escapavam nos gestos de Meursault e que o interrogatório ali poderia ser momento para ajudá-lo a compreender melhor.
(...)
O juiz pediu para que lhe contasse o que havia feito no dia do assassinato. A este respeito, Meursault já havia falado, mas não viu problema em descrever tudo novamente. Assim, falou sobre o “Raimundo Sintès, a praia, a disputa, outra vez a praia, a pequena nascente, o sol e os cinco disparos do revólver”.
“Bem, bem”, era o que o magistrado dizia a cada frase que ouvia. Na parte que Meursault falou sobre o “corpo estendido na areia”, ele pareceu aprovar ao proferir um “bom”... Da parte do rapaz era certo que já estava cansado de ter de contar a mesma narrativa. Teve a impressão de não ter falado tanto nas outras ocasiões. De qualquer modo, o juiz levantou-se dizendo que queria ajudá-lo. Salientou que o “caso interessava” e que, “com a ajuda de Deus”, faria mesmo “qualquer coisa” pelo acusado.
Falou sobre essas coisas e deixou claro que precisava fazer-lhe algumas perguntas mais... Primeiro quis saber se o rapaz gostava da mãe. Meursault respondeu que “sim, como toda gente”. Neste ponto, o escrivão pareceu perder o ritmo de sua datilografia dando a entender que teve de retroceder algumas linhas. A segunda pergunta foi a respeito dos tiros, se Meursault os disparara em sequência. Ele pensou um pouco e respondeu que disparara o primeiro tiro e depois de alguns segundos “os outros quatro”.
O juiz quis saber o motivo da pausa entre o primeiro tiro e o segundo... Essa pergunta fez Meursault recordar-se “da praia avermelhada”, logo sentiu “a ardência do sol na testa” e não respondeu nada... Seguiu-se um silêncio incômodo e o juiz não escondeu sua agitação. Colocou as mãos sobre a cabeça e mexeu a cabeleira. Manteve os cotovelos no tampo da mesa e encarou o rapaz com estranheza. Depois perguntou por que (e repetiu o começo) ele disparou “contra um corpo caído”.
Ele não sabia responder e mais uma vez ficou sem se pronunciar... Então, “o juiz passou a mão pela testa” e insistiu na pergunta ressaltando que ele precisava responder. Insistiu que era preciso que ele dissesse o porquê.
(...)
Na sequência ocorreu algo que Meursault não podia imaginar... O juiz levantou-se e se dirigiu à parte da mesa onde se localizavam umas gavetas. De uma delas tirou um “crucifixo de prata” e começou a agitá-lo no ar.
De posse do objeto religioso, o homem se aproximou do depoente e começou a proferir umas frases com a voz alterada e trêmula. Quis saber se Meursault conhecia o Crucificado. Ele respondeu que que “sim”, claro que conhecia. Então o tipo encheu-se de emoção e começou a dizer que acreditava em Deus e entendia que ninguém é suficientemente culpado “para que Ele não o perdoe”.
O juiz fazia um discurso acalorado... Debruçava-se sobre a mesa e olhava nos olhos do Meursault. Disse quase gritando que deve haver um arrependimento sincero e que aquele que cometeu algum crime tem de se transformar “como que numa criança” que tem a alma “vazia e pronta para acolher tudo”.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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