sábado, 26 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – atabalhoada autodefesa e apresentação de motivação para o assassinato; explanação do advogado de defesa, um discurso em primeira pessoa como se se colocasse na pele do réu; outra leitura da alma de Meursault e pedido de clemência; os sons do exterior trazem as lembranças da liberdade da existência anterior e o desejo de que tudo se acabasse; cumprimentos ao advogado

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus_24.html antes de ler esta postagem:

O presidente disse que Meursault precisaria especificar a motivação que o levara a assassinar o árabe... O rapaz pôs-se a falar rapidamente, demonstrou ansiedade e isso o levou a misturar palavras sem conexão lógica.
Percebeu que fazia um papel ridículo, mas sabia que não tinha outra justificativa, então disse que “por causa do sol” assassinara o árabe.
Alguns risos foram percebidos em meio à audiência... O da defesa simplesmente encolheu os ombros enquanto o chamavam para se manifestar. Visivelmente preocupado, explicou que as horas haviam avançado bastante e que necessitaria de um bom tempo para fazer sua explanação. Assim, solicitou o adiamento da sessão para mais tarde e teve seu pedido acatado.
(...)
Conforme havia sido definido, o tribunal se reuniu novamente à tarde... O calor continuava intenso e por isso os grandes ventiladores permaneceram a plena rotação. Os jurados mostravam ansiedade e, sem abandonar os leques, mantinham-se firmes em suas posições enquanto ouviam o longo discurso do advogado que fazia a defesa do Meursault.
O homem adotou o recurso de apresentar justificativas e motivações em primeira pessoa, como se fosse o próprio réu. Desse modo, iniciava frases como “é certo que matei”, “eu isso”, “eu aquilo”. Meursault não escondeu sua admiração e chegou a perguntar a um dos policiais qual era o motivo daquele procedimento. O tira ordenou que se calasse e na sequência afirmou que “todos os advogados fazem o mesmo”.
De qualquer modo, o rapaz sentiu que aquela estratégia o afastava ainda mais do caso. Sentia-se reduzido “a zero” na questão e como que substituído pelo outro. Ao mesmo tempo em que se sentia distanciado da realidade do tribunal, ouvia nitidamente a falação do advogado e só podia classificá-la como ridícula.
Essa sensação aumentou conforme o defensor passou a tratar da alma do réu... Evidentemente usou a estratégia do procurador, mas via-se que lhe faltava o mesmo talento. No início manifestou:

                   “Também eu me debrucei sobre esta alma, mas ao contrário do eminente representante do Ministério Público, encontrei alguma coisa e posso dizer que li como num livro aberto” (...)

E o que havia lido na alma do Meursault? Que ele se tratava de “um bom homem, trabalhador metódico, infatigável, fiel ao escritório que o empregava, amado por todos, enfim, alguém que participava da miséria dos outros”.
Disse mesmo que o rapaz era “um filho modelo” que se dedicara a sustentar a mãe até o limite de suas possibilidades. Encaminhou-a à “casa de recolhimento” na esperança de que ela lhe concedesse o conforto que seus próprios meios não podiam garantir.
Ainda a respeito do asilo, o advogado observou:

         “Muito me espanto que tenham feito tanto barulho em volta desse asilo. Porque, afinal, se fosse preciso dar uma prova da utilidade e da grandeza destas instituições, teríamos que acentuar que são subvencionadas pelo próprio Estado”.

(...)
No prosseguimento de sua explanação, o advogado não fez qualquer referência ao enterro da mãe e ao comportamento estranho do réu... Meursault sentiu que aquilo evidenciava uma “lacuna da defesa”, mas não se dedicou a maiores reflexões a respeito porque já estava bem cansado do processo e das longas horas de falação a respeito de sua alma.
Era tudo muito angustiante, e aquele teatro provocava vertigens no rapaz. Por isso mesmo dedicou-se a prestar atenção aos sons que vinham desde o lado externo... O advogado continuou a falar, mas ele se atentava à buzina do vendedor de sorvetes e aquilo o fez lembrar de uma “vida que já não lhe pertencia”, marcada por alegrias simples: “os odores do verão, o bairro que tão bem conhecia, o céu da noite, Maria e seu sorriso e vestidos”.
Não foi por acaso que ele desejou que tudo ali se apressasse para que pudesse retornar à cela, onde passaria mais uma noite. Foi de repente que voltou a prestar atenção à falação de seu advogado que aos gritos finalizava com frases dirigidas diretamente aos jurados... Advertia-os de que certamente não pretenderiam “condenar à morte um trabalhador honesto, perdido por um minuto de desvario”.
O homem concluía que o crime devia ser analisado a partir de “circunstâncias atenuantes” e que já era mais que evidente que o réu levaria para todo o sempre o “remorso eterno” como o pior dos castigos.
(...)
Depois o tribunal suspendeu a sessão...
O advogado deixava transparecer o cansaço dos que cumpriram uma difícil missão. Assim que se sentou, outros que também exerciam o ofício se dirigiram a ele para os merecidos cumprimentos. Podia-se ouvir que tinham aprovado seu desempenho... “Esplêndido, meu caro”, era o que mais se dizia. Um dos tipos dirigiu-se ao Meursault como que a pedir-lhe a opinião.
O rapaz balançou a cabeça como que a assentir, mas ele mesmo sabia que não estava sendo sincero, já que suas reflexões eram sobre a própria fadiga.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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