quinta-feira, 24 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – conclusões do procurador depois de refletir a respeito da alma do Meursault, um tipo de coração vazio e sem qualquer condição de entender a reação dos que vivem de acordo com as regras; um verdadeiro perigo para a sociedade; retomando as críticas ao tratamento dispensado à mãe e relacionando sua índole à do parricida; a justiça deve ser feita e o acusador “pediu a cabeça” do rapaz; o presidente quer ouvir o réu e depois o advogado da defesa

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-mantido.html antes de ler esta postagem:

O procurador passou para a segunda parte de sua explanação. Começou a falar sobre a “alma do criminoso, sobre a qual se debruçara”.
Dirigindo-se diretamente aos jurados, sentenciou que “nada encontrara” e que tudo indicava que o réu sequer tinha alma... Emendou que de nada adiantaria esperar que de seu coração se revelassem princípios morais, e que não podiam se queixar da ausência desses princípios no assassino porque, por sua índole, ele não tinha qualquer possibilidade de os adquirir.
E mais disse... O “coração vazio” do assassino havia se tornado “num abismo onde a sociedade pode sucumbir”. Por isso a virtude da justiça deveria prevalecer.
(...)
O procurador falava com desenvoltura e de modo convincente... Depois das considerações sobre a “ausência de alma” no Meursault, voltou a se referir sobre suas atitudes em relação à própria mãe.
Repetiu o que havia dito nos debates anteriores, todavia se alongou mais e fez bem poucas referências ao crime. Demorou-se tanto em suas observações e críticas que o rapaz parou de prestar-lhe atenção e passou a pensar unicamente no incômodo calor.
Houve determinado momento em que parou de falar... O silêncio tomou conta da audiência até que sua voz compenetrada e mais baixa anunciasse que aquele mesmo tribunal julgaria no dia seguinte “o mais abominável dos crimes: o assassínio de um pai”.
O procurador deixou claro que esperava que “a justiça dos homens saberia castigar sem piedade”. Considerava ainda que a insensibilidade demonstrada pelo assassino do árabe pesava tanto em horror quanto a do parricida. Salientou que a atitude do Meursault podia inspirar um sentimento de horror ainda maior, e que:

                   “um homem que mata moralmente a mãe deve ser afastado da sociedade dos homens, exatamente como aquele que levanta uma mão criminosa contra o autor dos seus dias”.

A acusação formulada queria fazer crer que o caso do Meursault “preparava os atos” do parricida, “anunciava-os de algum modo e legitimava-os”. Como que a sintetizar seu raciocínio, o procurador, sempre dirigindo-se aos jurados, elevou a voz e proferiu:

                   “Estou persuadido, meus senhores, de que não acharão o meu pensamento excessivamente audacioso, se lhes disser que o homem ali sentado naquele banco é igualmente culpado do crime que o tribunal vai julgar amanhã. E como tal deverá ser castigado”.

(...)
Como se vê, o procurador relacionou a insensibilidade do Mersault à do parricida. Com isso aglutinou toda ojeriza que o outro caso provocara às análises que se faziam a respeito dele. Pediu o castigo exemplar e secou o suor do rosto...
Na sequência admitiu que seu dever era dos mais dolorosos, mas “o cumpriria firmemente”. Sobre o Meursault, garantiu que o rapaz não tinha o que fazer na sociedade, pois não conhecia as regras essenciais. Ele nem mesmo podia “apelar para o coração dos homens”, já que ignorava as “reações elementares” dos que vivem de acordo com as regras.
Por fim, o procurador fez o seu apelo:

                   “Peço-vos a cabeça deste homem, e é sem escrúpulos que vos dirijo este pedido. Pois no decurso da minha longa carreira, tem-me acontecido pedir várias penas de morte, mas nunca como hoje, eu senti este penoso dever tão compensado, equilibrado, iluminado pela consciência de um imperativo sagrado e pelo horror que tenho a esta fisionomia humana onde nada leio que não seja monstruoso”.

(...)
O procurador se sentou... Um novo momento de silêncio ocorreu... Meursault sentia-se cansado, “atordoado pelo calor e pelo espanto”.
O presidente tossiu levemente e assim chamou a atenção de todos... Perguntou ao réu se gostaria de dizer algo. Meursault se levantou e “um pouco ao acaso” disse que “não tinha tido intenção de matar o árabe”.
Diante da afirmação, o presidente fez sua observação salientando que, do modo como o réu se posicionava, não se podia perceber “lá muito bem” o seu “sistema de defesa”. Emendou que gostaria de ouvi-lo especificamente a respeito dos “motivos que inspiraram o seu ato” e que, logo depois, ouviria o advogado que o defendia.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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