Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-mantido.html antes
de ler esta postagem:
O
procurador passou para a segunda parte de sua explanação. Começou a falar sobre
a “alma do criminoso, sobre a qual se debruçara”.
Dirigindo-se diretamente aos jurados, sentenciou que “nada encontrara” e
que tudo indicava que o réu sequer tinha alma... Emendou que de nada adiantaria
esperar que de seu coração se revelassem princípios morais, e que não podiam se
queixar da ausência desses princípios no assassino porque, por sua índole, ele não
tinha qualquer possibilidade de os adquirir.
E mais disse... O “coração
vazio” do assassino havia se tornado “num abismo onde a sociedade pode sucumbir”.
Por isso a virtude da justiça deveria prevalecer.
(...)
O procurador falava com desenvoltura e de modo
convincente... Depois das considerações sobre a “ausência de alma” no
Meursault, voltou a se referir sobre suas atitudes em relação à própria mãe.
Repetiu o que havia dito nos debates anteriores, todavia se alongou mais
e fez bem poucas referências ao crime. Demorou-se tanto em suas observações e
críticas que o rapaz parou de prestar-lhe atenção e passou a pensar unicamente
no incômodo calor.
Houve determinado momento em que parou de falar... O
silêncio tomou conta da audiência até que sua voz compenetrada e mais baixa
anunciasse que aquele mesmo tribunal julgaria no dia seguinte “o mais
abominável dos crimes: o assassínio de um pai”.
O procurador deixou claro que esperava que “a justiça dos homens saberia
castigar sem piedade”. Considerava ainda que a insensibilidade demonstrada pelo
assassino do árabe pesava tanto em horror quanto a do parricida. Salientou que
a atitude do Meursault podia inspirar um sentimento de horror ainda maior, e que:
“um homem que mata
moralmente a mãe deve ser afastado da sociedade dos homens, exatamente como
aquele que levanta uma mão criminosa contra o autor dos seus dias”.
A acusação formulada queria
fazer crer que o caso do Meursault “preparava os atos” do parricida, “anunciava-os
de algum modo e legitimava-os”. Como que a sintetizar seu raciocínio, o
procurador, sempre dirigindo-se aos jurados, elevou a voz e proferiu:
“Estou persuadido, meus senhores, de que não acharão o
meu pensamento excessivamente audacioso, se lhes disser que o homem ali sentado
naquele banco é igualmente culpado do crime que o tribunal vai julgar amanhã. E
como tal deverá ser castigado”.
(...)
Como
se vê, o procurador relacionou a insensibilidade do Mersault à do parricida.
Com isso aglutinou toda ojeriza que o outro caso provocara às análises que se
faziam a respeito dele. Pediu o castigo exemplar e secou o suor do rosto...
Na sequência admitiu que seu dever era dos mais dolorosos, mas “o cumpriria
firmemente”. Sobre o Meursault, garantiu que o rapaz não tinha o que fazer na
sociedade, pois não conhecia as regras essenciais. Ele nem mesmo podia “apelar
para o coração dos homens”, já que ignorava as “reações elementares” dos que
vivem de acordo com as regras.
Por fim, o procurador fez o
seu apelo:
“Peço-vos
a cabeça deste homem, e é sem escrúpulos que vos dirijo este pedido. Pois no
decurso da minha longa carreira, tem-me acontecido pedir várias penas de morte,
mas nunca como hoje, eu senti este penoso dever tão compensado, equilibrado,
iluminado pela consciência de um imperativo sagrado e pelo horror que tenho a
esta fisionomia humana onde nada leio que não seja monstruoso”.
(...)
O procurador se sentou... Um novo momento de silêncio ocorreu...
Meursault sentia-se cansado, “atordoado pelo calor e pelo espanto”.
O presidente tossiu levemente e assim chamou a atenção
de todos... Perguntou ao réu se gostaria de dizer algo. Meursault se levantou e
“um pouco ao acaso” disse que “não tinha tido intenção de matar o árabe”.
Diante da afirmação, o presidente fez sua
observação salientando que, do modo como o réu se posicionava, não se podia perceber
“lá muito bem” o seu “sistema de defesa”. Emendou que gostaria de ouvi-lo especificamente
a respeito dos “motivos que inspiraram o seu ato” e que, logo depois, ouviria o
advogado que o defendia.
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto