Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus.html antes
de ler esta postagem:
O
procurador devia iniciar sua falação com considerações e perguntas ao Raimundo
Sintés. Começou dizendo que pouco tinha a acrescentar, e com isso parecia
querer passar para os jurados e a todos os que acompanhavam o interrogatório
que já tinham ouvido bastante a respeito da índole da testemunha e sua
proximidade com o réu.
Ao Sintés, o procurador perguntou se era amigo de Meursault. Ele
respondeu afirmativamente, então a pergunta foi dirigida ao réu, que também
afirmou ser amigo do que testemunhava.
Na sequência, o procurador
virou-se para os jurados e pronunciou:
“O
mesmo homem que, um dia depois da mãe ter morrido, se entregava à mais vergonhosa
devassidão, matou por razões fúteis e para liquidar um inqualificável caso crapuloso”.
(...)
O procurador sentou-se novamente. Certamente estava convencido de que
conseguiria a adesão dos jurados à sua tática de relacionar o assassino à
devassidão.
O advogado da defesa mostrou-se agitado e impaciente.
Gritou e levantou os braços. Meursault notou que o gesto do tipo escancarou a
todos “as pregas de sua camisa engomada” enquanto perguntava se estavam acusando
o réu de assassinato ou de ser culpado pela morte da mãe.
Parte do público riu... O procurador levantou-se novamente e com muita
seriedade pronunciou “que era preciso ter a ingenuidade do ilustre defensor
para não sentir que entre as duas ordens de fatos, havia uma relação profunda,
patética, essencial”. Depois vociferou:
“Sim, acuso este
homem de ter assistido ao enterro da mãe com um coração de criminoso”.
Pelo visto, tanto os
jurados quanto os que acompanhavam as discussões acataram a tese do acusador...
O da defesa pareceu sentir o golpe. Meursault notou sua impaciência quando “encolheu
os ombros e limpou o suor que lhe cobria a testa” e concluiu que o desenrolar
da sessão não lhe era nada favorável.
(...)
Enquanto
era conduzido ao veículo que o levaria à prisão, Meursault observou alguns “fragmentos
da tarde de verão”: procurou reter de alguma maneira as fragrâncias, o calor,
os ruídos da cidade... Tudo isso ele conhecia bem e lembrou-se que muitas vezes
havia ficado contente por passear livremente pelas ruas. Sentiu um aperto no
coração, sabia que nas praças ouviam-se o canto dos últimos pássaros, o grito
dos vendedores de jornais e dos que vendiam lanches... Bondes conduziam
passageiros ávidos para chegarem às suas casas antes que a noite caísse. A
escuridão logo baixaria também sobre o porto...
Meursault conhecia bem os locais e sabia que a prisão fizera romper uma
existência tranquila. Antes, o seu caminhar de volta para casa o levava para os
“sonos ligeiros e sem sonhos”. A condução ao presídio após o dia de
interrogatórios o fizera pensar sobre tudo isso...
O amanhecer do dia seguinte
não lhe trouxe nada de reconfortante... Em vez disso, a cela e, em breve, nova
condução à sala de audiências. Lamentavelmente podia confirmar que “os caminhos
familiares traçados nas noites de verão podiam conduzir, tanto às prisões, como
aos sonos inocentes”.
(...)
Meursault refletiu a respeito de sua condição de
réu... Não podia deixar de considerar interessante a falação a respeito dele.
Entendia que as intervenções, tanto do procurador quanto do advogado de defesa,
tinham como tema a pessoa dele, falavam muito a seu respeito... Muito mais do
que sobre o crime que havia cometido.
Seria o caso de pensar se havia alguma diferença significativa no
discurso de cada um... O rapaz não carregava qualquer ilusão e sabia que tanto
um quanto o outro consideravam-no culpado. O da defesa salientava que havia
atenuantes; o da acusação discordava e sustentava que não.
O rapaz gostaria de intervir nas discussões, mas
o advogado que o defendia adiantava-se a exigir que se calasse “para o seu próprio
bem”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-mantido.html
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto