quinta-feira, 10 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – do confisco de objetos pessoais e cigarros do detento assim que chegava ao presídio; o vício levou Meursault a atitudes extremadas; a perda da liberdade e a ausência de mulheres como punição; diálogo amistoso com um dos guardas; em busca de um exercício de memória para “matar o tempo”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-maria.html antes de ler esta postagem:

Logo no início, Meursault passou por dificuldades em sua condição de presidiário... Ele mesmo adiantou que as coisas pioraram depois que recebeu uma carta da Maria, e considerava que, em comparação com as de outros detentos, suas mazelas eram bem menores e “suportáveis”.
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Ele refletiu sobre o início de sua detenção, particularmente em quando começava a pensar como se ainda estivesse livre... Isso, sem dúvida lhe era muito penoso. Desejava estar na praia e poder correr na direção do mar... Imaginava “o barulho das primeiras ondas sob as plantas dos pés, a entrada do corpo na água”.
Para Meursault, o banho de mar era algo relaxante, que lhe proporcionava a sensação de liberdade. Então, as paredes da prisão só podiam representar um sufocamento.
Esse sofrimento, de acordo com ele mesmo, “durou apenas alguns meses”, já que na sequência passou “a ter unicamente pensamentos de prisioneiro”. E isso consistia basicamente em aguardar o momento do passeio no pátio a que os detentos tinham direito, ou ainda “a visita do advogado”. A respeito do “resto do tempo”, o rapaz dava a entender que “passava menos mal”.
De tal modo se adaptou ao cotidiano e condições da prisão que chegou a pensar que, se fosse obrigado “a viver dentro de um tronco seco de árvore”, se adaptaria sem maiores dificuldades, ainda que não lhe restasse outra visão além do firmamento. Se acomodaria a observar a movimentação das aves e nuvens. Não via com maiores problemas essa condição, já que a realidade de detento lhe reservava a observação das “extraordinárias gravatas do advogado” e o direito de esperar, como que “num outro mundo”, abraçar o corpo de Maria num sábado...
No final das contas “não estava dentro de um tronco” e sabia que havia quem vivesse infelicidades piores do que a sua... Em momentos de maior angústia podia se lembrar das palavras de sua falecida mãe: “acabamos por nos habituar a tudo”.
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A detenção foi muito difícil para Meursault nos primeiros meses. Ele mesmo avaliava que os havia superado graças a certo esforço próprio. Algo que muito o atormentava era o desejo por mulher, e isso não significa que pensasse exatamente na Maria. Ele ainda era jovem e achava que era natural que lhe viessem ao pensamento as diversas garotas que conhecera e com as quais eventualmente tivera algum relacionamento amoroso. Imaginava os seus rostos em sua fria cela e sentia desejo por elas. De certo modo via-se incomodado, mas o exercício de imaginá-las também era uma forma de não se importar com o tempo que demorava a passar.
O guarda que acompanhava o detento que levava as refeições aos demais acabou se simpatizando com o Meursault. O tipo até se dispunha a trocar algumas palavras com ele e falou-lhe também sobre mulheres, cuja ausência era o principal das queixas dos prisioneiros. O rapaz ousou dizer que considerava aquilo uma injustiça, e que ele também não se conformava com o ter de viver apartado delas.
O guarda observou que a prisão e o consequente distanciamento em relação às mulheres serviam exatamente para garantir o isolamento, a punição... A privação da liberdade era o castigo. Meursault admirou-se com a sinceridade do outro e concordou com suas palavras. De sua parte, o fardado o elogiou por mostrar-se inteligente e diferente dos demais. Acrescentou que também eles “acabam por resolver o problema de qualquer maneira”.
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Pode-se dizer que depois dessa conversa, Meursault ajustou-se ainda mais à vida na prisão e passou a se sentir como um dos demais.
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Ele se recordava também da falta que sentia dos cigarros logo que se tornou detento... Ao chegar ao presídio, a administração lhe “tirou o cinto, os cadarços dos sapatos, a gravata e tudo o mais que trazia nos bolsos, especialmente os cigarros”. Ele bem que pediu de volta, mas guardas negaram com a justificativa de que o fumo era proibido no presídio.
Meursault teve muita dificuldade para superar a falta dos cigarros. Chegou mesmo a arrancar pequenos pedaços “das tábuas da cama” para sorver como forma de tapear o vício... Passava os dias queixando-se de náuseas que podiam ser um sintoma da abstinência. Não conseguia entender o motivo do confisco dos cigarros, que não podiam “fazer mal a ninguém”, até compreender que o procedimento era parte do castigo.
A resignação o levou a suportar os aborrecimentos, e até habituar-se a não fumar mais... Evidentemente não podia se sentir “muito feliz”, principalmente porque não sabia como “matar o tempo”. Então tentou uma estratégia para não se aborrecer demais... E em parte o conseguiu exercitando a memória ao tentar recordar-se de certos detalhes de sua antiga existência...
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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