quinta-feira, 3 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – sobre as características do juiz de instrução, sua sala e o ambiente de interrogatório; conhecendo o advogado de defesa e sua disposição para o trabalho; surpreendente notícia a respeito da investigação em Marengo; a sinceridade de Meursault assusta o advogado e pode complicá-lo no tribunal; é preciso saber se ele sentiu a morte da mãe e se não reprimiu os sentimentos naturais durante o sepultamento

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-no.html antes de ler esta postagem:

Depois de caminhar solitariamente pela praia, Meursaut encontrou o árabe que era desafeto do Sintès acomodada no mesmo rochedo... Confuso, estafado e sob o sol escaldante, disparou cinco balaços contra o desconhecido e acabou preso pelo assassinato.
Meursault parecia não ter noção da gravidade de sua situação. Diante do juiz de instrução, estranhou a pergunta a respeito da definição de um advogado, pois entendia que seu caso era simples. Como vimos, tudo indicava que não era bem assim e a justiça trataria de nomear um defensor.
(...)
Da sala em que o juiz de instrução o recebeu, Meursault observou que tinha cortinas nas paredes. Sobre a escrivaninha havia uma luminária que evidenciava a cadeira onde ele teve de se sentar. A situação lembrava aquelas dos livros policiais... O interrogador permanecia oculto pela sombra enquanto observava os menores gestos do interrogado.
Depois de deixarem a mesa, Meursault pôde notar que o homem tinha “traços finos”. Era alto e seus olhos eram de um azul profundo. Os cabelos “quase brancos” eram volumosos e estavam de acordo com o “bigode grisalho”. Achou-o simpático, “apesar dos tiques nervosos que, de quando em quando, lhe deformavam a boca”. Quase lhe estendeu a mão para um cumprimento amistoso, e só não o fez porque lembrou-se a tempo de sua condição de assassino.
(...)
No dia seguinte, Meursault conheceu o advogado que trabalharia em sua defesa... O tipo era jovem, “baixo e gordo” e trazia os cabelos alinhados “com o fixador”. O dia estava quente, mesmo assim vestia um terno escuro no qual se destacava um “colarinho duro e uma gravata esquisita, com grandes riscas pretas e brancas”.
O advogado foi colocando uma pasta sobre a cama do detento e dizendo que havia estudado o processo. Salientou que “o caso era delicado”, que era preciso que confiasse nele e que tinha certeza de que no final sairiam vitoriosos.
O rapaz agradeceu as palavras do defensor, que adiantou que precisavam “entrar no fundo da questão”. Depois de se sentar na cama, disse que investigaram sua vida privada e descobriram que sua mãe havia morrido há pouco tempo no asilo. Esclareceu que os investigadores conversaram com pessoas em Marengo e souberam que Meursault “dera provas de insensibilidade” no dia do sepultamento.
Neste ponto, o advogado pediu a compreensão de seu cliente, pois teria de lhe fazer umas perguntas para alinhavar a defesa. E devia fazer isso antecipando os argumentos que a acusação poderia levantar. Então precisava obter respostas o quanto antes.
O rapaz entendeu que o advogado precisava de sua ajuda... Mas ficou espantado assim que o ouviu perguntar se, no dia do enterro, sentira pena da mãe. De fato, Meursault não conseguia se imaginar fazendo aquele tipo de pergunta a alguém. Então respondeu que perdera o hábito de se autoquestionar e por isso tinha dificuldade de lhe responder...
Arriscou dizer que obviamente gostava da mãe, “mas isso não queria dizer nada” e que as pessoas saudáveis acabam desejando, “em certas ocasiões, a morte das pessoas que amavam”.
O advogado o ouviu com atenção, mas mostrou-se muito agitado depois das últimas palavras e exigiu que Meursault não dissesse aquilo durante a audiência e tampouco ao juiz de instrução.
O rapaz procurou explicar-se afirmando que suas “necessidades físicas perturbavam os sentimentos”. Disse que isso era próprio de sua natureza e que “no dia do enterro estava muito cansado e com sono”. Dessa forma, sequer podia tratar do que se passara em Marengo... Mas podia afirmar, “com toda certeza”, que “preferia que a mãe não tivesse morrido”.
O advogado não ficou satisfeito e respondeu que aqueles juízos não bastavam. Pensou por algum tempo e depois perguntou se no dia do enterro havia reprimido seus sentimentos naturais... Meursault respondeu sem titubear que “não”. E justificou que, do contrário, estaria mentindo.
O defensor não podia acreditar... Olhou o cliente com desconfiança e repulsa. Depois disse que tanto o diretor do asilo quanto os demais funcionários, e até internos, “seriam ouvidos como testemunhas”. Adiantou que essa situação “seria sem dúvida muito ruim”.
Meursault deu sua opinião. Falou que a história do velório no asilo e o sepultamento da mãe nada tinham a ver com o seu caso... O advogado respondeu que “via-se bem” que seu cliente “não conhecia a justiça de perto”.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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