Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-no.html antes
de ler esta postagem:
Depois
de caminhar solitariamente pela praia, Meursaut encontrou o árabe que era
desafeto do Sintès acomodada no mesmo rochedo... Confuso, estafado e sob o sol
escaldante, disparou cinco balaços contra o desconhecido e acabou preso pelo
assassinato.
Meursault parecia não ter noção da gravidade de sua situação. Diante do
juiz de instrução, estranhou a pergunta a respeito da definição de um advogado,
pois entendia que seu caso era simples. Como vimos, tudo indicava que não era
bem assim e a justiça trataria de nomear um defensor.
(...)
Da sala em que o juiz de
instrução o recebeu, Meursault observou que tinha cortinas nas paredes. Sobre a
escrivaninha havia uma luminária que evidenciava a cadeira onde ele teve de se
sentar. A situação lembrava aquelas dos livros policiais... O interrogador
permanecia oculto pela sombra enquanto observava os menores gestos do
interrogado.
Depois de deixarem a mesa, Meursault pôde notar que o
homem tinha “traços finos”. Era alto e seus olhos eram de um azul profundo. Os cabelos
“quase brancos” eram volumosos e estavam de acordo com o “bigode grisalho”.
Achou-o simpático, “apesar dos tiques nervosos que, de quando em quando, lhe
deformavam a boca”. Quase lhe estendeu a mão para um cumprimento amistoso, e só
não o fez porque lembrou-se a tempo de sua condição de assassino.
(...)
No dia seguinte, Meursault conheceu o advogado que trabalharia em sua
defesa... O tipo era jovem, “baixo e gordo” e trazia os cabelos alinhados “com o
fixador”. O dia estava quente, mesmo assim vestia um terno escuro no qual se
destacava um “colarinho duro e uma gravata esquisita, com grandes riscas pretas
e brancas”.
O advogado foi colocando uma pasta sobre a cama do
detento e dizendo que havia estudado o processo. Salientou que “o caso era
delicado”, que era preciso que confiasse nele e que tinha certeza de que no
final sairiam vitoriosos.
O rapaz agradeceu as palavras do defensor, que adiantou que precisavam “entrar
no fundo da questão”. Depois de se sentar na cama, disse que investigaram sua
vida privada e descobriram que sua mãe havia morrido há pouco tempo no asilo.
Esclareceu que os investigadores conversaram com pessoas em Marengo e souberam
que Meursault “dera provas de insensibilidade” no dia do sepultamento.
Neste ponto, o advogado pediu a compreensão de seu cliente, pois teria
de lhe fazer umas perguntas para alinhavar a defesa. E devia fazer isso
antecipando os argumentos que a acusação poderia levantar. Então precisava
obter respostas o quanto antes.
O rapaz entendeu que o
advogado precisava de sua ajuda... Mas ficou espantado assim que o ouviu
perguntar se, no dia do enterro, sentira pena da mãe. De fato, Meursault não
conseguia se imaginar fazendo aquele tipo de pergunta a alguém. Então respondeu
que perdera o hábito de se autoquestionar e por isso tinha dificuldade de lhe
responder...
Arriscou dizer que obviamente
gostava da mãe, “mas isso não queria dizer nada” e que as pessoas saudáveis
acabam desejando, “em certas ocasiões, a morte das pessoas que amavam”.
O
advogado o ouviu com atenção, mas mostrou-se muito agitado depois das últimas
palavras e exigiu que Meursault não dissesse aquilo durante a audiência e
tampouco ao juiz de instrução.
O rapaz procurou explicar-se afirmando que suas “necessidades físicas
perturbavam os sentimentos”. Disse que isso era próprio de sua natureza e que “no
dia do enterro estava muito cansado e com sono”. Dessa forma, sequer podia
tratar do que se passara em Marengo... Mas podia afirmar, “com toda certeza”,
que “preferia que a mãe não tivesse morrido”.
O advogado não ficou
satisfeito e respondeu que aqueles juízos não bastavam. Pensou por algum tempo
e depois perguntou se no dia do enterro havia reprimido seus sentimentos
naturais... Meursault respondeu sem titubear que “não”. E justificou que, do
contrário, estaria mentindo.
O defensor não podia acreditar... Olhou o cliente com
desconfiança e repulsa. Depois disse que tanto o diretor do asilo quanto os demais
funcionários, e até internos, “seriam ouvidos como testemunhas”. Adiantou que essa
situação “seria sem dúvida muito ruim”.
Meursault deu sua opinião. Falou que a história
do velório no asilo e o sepultamento da mãe nada tinham a ver com o seu caso...
O advogado respondeu que “via-se bem” que seu cliente “não conhecia a justiça
de perto”.
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto