sábado, 5 de junho de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – inclusão e reconhecimento de outros grupos africanos nas irmandades dos Homens Pretos; uma nota sobre os “governadores de negros” em Pernambuco; uma festividade que se repetiu no Brasil e se tornou popular; fragmentos de “Revista Lusitana”, volume XXXV, de 1891, a respeito dos animados desfiles coreografados e cantorias à saída das igrejas em Portugal

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html antes de ler esta postagem:

Ao mesmo tempo em que se notava certa desagregação dos seguidores das tradições em torno das coroações dos reis do Congo, percebia-se a inclusão de outros grupos na irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Recife.
A “prestação de contas da Igreja de Nossa Senhora do Rosário” (referente ao biênio 1674-1675) faz referências “a um rei e uma rainha dos Angolas, além de um rei dos Crioulos e mais duas juízas, uma dos Angolas e outra dos Crioulos”.
Em “Folclore pernambucano”, de Pereira da Costa, publicado na “Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – tomo XX”, somos informados de que a irmandade do Recife reconhecia, além dos reis Angolas, um “governador dos pretos da costa da nação Sabarei” e um “governador da nação dos Ardas da Costa da Mina”, o que corrobora com o explicitado no parágrafo anterior.
A respeito dos “cargos reconhecidos” pela irmandade, uma nota do livro esclarece que:

                   “O título de Governador de negros não significava qualidade de autoridade política, mas de poder de polícia sobre os componentes de uma comunidade étnica africana local, por delegação das autoridades em nome da boa ordem pública. Era o equivalente brasileiro do título de ‘mayoral’ conferido na Espanha aos líderes negros para exercício de autoridade sobre seus iguais”.

(...)
Como podemos depreender a partir dos registros de Luís da Câmara Cascudo em seu “Dicionário do folclore brasileiro”, a iniciativa da irmandade, que sem dúvida contribuiu para a valorização da “diversidade étnica africana”, não abalou de forma alguma a tradição das coroações de “reis e rainhas do Congo”.
O também folclorista Melo Moraes Filho se refere a uma “coroação de um rei negro em 1748” que ocorreu “na Igreja da Lampadosa, no Rio de Janeiro”. E já do começo do século XIX temos registros de viajantes europeus que destacaram coroações de reis africanos no Brasil, certamente “reis do Congo”.
Por volta de 1814, o inglês Henry Koster deu notícia a respeito de uma “coroação de um rei negro na ilha de Itamaracá, Pernambuco”.
O tomo II de “Viagem pelo Brasil”, de Martius e Spix, traz breve anotação (de Carl Friedrich Philipp von Martius) de 1818, quando o alemão teve a oportunidade de ver “na cidade do Tijuco (Diamantina, Minas Gerais)” um ritual de africanos e seus descendentes em que um “Rei Velho” entregava “a coroa ao Rei Novo na Igreja da Madre de Deus”.
(...)
No Brasil, o cerimonial de coroação de reis do Congo não repetiu o modelo que se verificava em Portugal. Por aqui a “teatralização das memórias” transformaram-se “em festa pública de caráter etnofolclórico” e o “reinado do Congo” assumiu uma característica laica. Assim, as coreografias típicas da festividade tomaram as ruas, o que levou a uma:

                   “série de recriações de recriações festeiras de lembranças contidas, sob a forma de autos históricos, desfiles públicos de seus reis, encenações coreográficas de embaixadas e bailados guerreiros tradicionais, e cantos responsoriais à base de estrofe-refrão”.

(...)
Depreende-se que a parte das festividades que se dava no exterior das igrejas em Portugal não só se repetiu entre os negros vinculados à irmandade e cerimônias que aconteciam no Brasil como foi a que, por aqui, melhor as definiu.
O livro cita fragmentos de “Pantominas, danças e bailados populares”, do português Luís Chaves para a “Revista Lusitana”, volume XXXV, de 1891, que descrevem a cantoria e movimentação festiva que ocorriam após os atos mais comedidos e reservados para o interior das igrejas em seu país:

                   “Descantes e bailados entravam na representação como parte integrante e reflexo direto dos costumes. As danças nos adros e arraiais dos oragos, em honra dos Santos, por ocasião das suas festas, saíam do templo como os autos seus irmãos, e vieram cá fora, mais descomedidos e isentos de preocupações, continuar a razão da sua existência e origem ligadas ao culto”.

A animação que tinha lugar na parte externa das igrejas tornou-se “festa popular” no Brasil e passou a fazer parte da riqueza de seu folclore.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas