Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html antes
de ler esta postagem:
Ao
mesmo tempo em que se notava certa desagregação dos seguidores das tradições em
torno das coroações dos reis do Congo, percebia-se a inclusão de outros grupos
na irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Recife.
A “prestação de contas da Igreja de Nossa Senhora do Rosário” (referente
ao biênio 1674-1675) faz referências “a um rei e uma rainha dos Angolas, além
de um rei dos Crioulos e mais duas juízas, uma dos Angolas e outra dos
Crioulos”.
Em “Folclore pernambucano”,
de Pereira da Costa, publicado na “Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro – tomo XX”, somos informados de que a irmandade do Recife
reconhecia, além dos reis Angolas, um “governador dos pretos da costa da nação
Sabarei” e um “governador da nação dos Ardas da Costa da Mina”, o que corrobora
com o explicitado no parágrafo anterior.
A respeito dos “cargos reconhecidos” pela irmandade,
uma nota do livro esclarece que:
“O título de
Governador de negros não significava qualidade de autoridade política, mas de
poder de polícia sobre os componentes de uma comunidade étnica africana local,
por delegação das autoridades em nome da boa ordem pública. Era o equivalente
brasileiro do título de ‘mayoral’ conferido na Espanha aos líderes negros para
exercício de autoridade sobre seus iguais”.
(...)
Como podemos depreender a partir dos registros de Luís
da Câmara Cascudo em seu “Dicionário do folclore brasileiro”, a iniciativa da
irmandade, que sem dúvida contribuiu para a valorização da “diversidade étnica
africana”, não abalou de forma alguma a tradição das coroações de “reis e
rainhas do Congo”.
O também folclorista Melo Moraes Filho se refere a uma “coroação de um
rei negro em 1748” que ocorreu “na Igreja da Lampadosa, no Rio de Janeiro”. E
já do começo do século XIX temos registros de viajantes europeus que destacaram
coroações de reis africanos no Brasil, certamente “reis do Congo”.
Por volta de 1814, o inglês Henry Koster deu notícia a respeito de uma
“coroação de um rei negro na ilha de Itamaracá, Pernambuco”.
O tomo II de “Viagem pelo
Brasil”, de Martius e Spix, traz breve anotação (de Carl Friedrich Philipp von
Martius) de 1818, quando o alemão teve a oportunidade de ver “na cidade do
Tijuco (Diamantina, Minas Gerais)” um ritual de africanos e seus descendentes
em que um “Rei Velho” entregava “a coroa ao Rei Novo na Igreja da Madre de
Deus”.
(...)
No Brasil, o cerimonial de
coroação de reis do Congo não repetiu o modelo que se verificava em Portugal.
Por aqui a “teatralização das memórias” transformaram-se “em festa pública de
caráter etnofolclórico” e o “reinado do Congo” assumiu uma característica
laica. Assim, as coreografias típicas da festividade tomaram as ruas, o que
levou a uma:
“série de recriações de recriações
festeiras de lembranças contidas, sob a forma de autos históricos, desfiles
públicos de seus reis, encenações coreográficas de embaixadas e bailados
guerreiros tradicionais, e cantos responsoriais à base de estrofe-refrão”.
(...)
Depreende-se que a parte das festividades que se dava no exterior das
igrejas em Portugal não só se repetiu entre os negros vinculados à irmandade e
cerimônias que aconteciam no Brasil como foi a que, por aqui, melhor as definiu.
O livro cita fragmentos de “Pantominas,
danças e bailados populares”, do português Luís Chaves para a “Revista Lusitana”,
volume XXXV, de 1891, que descrevem a cantoria e movimentação festiva que
ocorriam após os atos mais comedidos e reservados para o interior das igrejas em
seu país:
“Descantes
e bailados entravam na representação como parte integrante e reflexo direto dos
costumes. As danças nos adros e arraiais dos oragos, em honra dos Santos, por
ocasião das suas festas, saíam do templo como os autos seus irmãos, e vieram cá
fora, mais descomedidos e isentos de preocupações, continuar a razão da sua
existência e origem ligadas ao culto”.
A animação que tinha lugar na parte externa das
igrejas tornou-se “festa popular” no Brasil e passou a fazer parte da riqueza
de seu folclore.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_9.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto