sexta-feira, 11 de junho de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – última postagem sobre a obra; a respeito do candombe e uma sua variante verificada em Minas Gerais; reivindicação uruguaia sobre a importância do candombe como patrimônio cultural imaterial da humanidade; a respeito do maracatu do Recife enquanto folguedo de origens nas festividades de coroação de reis do Congo; fragmentos de “Carnaval do Recife”, de Leonardo Dantas Silva; considerações do autor e nova sugestão de leitura; mais sobre a “rainha Ginga” e influências no maracatu; o cumbi nos cortejos do maracatu e a provável influência dos originais do Benin; “povos calungas”; as folganças de rua deixaram de retratar a mítica ilusão do reino do Congo


O livro destaca que, provavelmente na mesma época do folguedo alagoano denominado Quilombo, desenvolveu-se em Minas Gerais “uma variante da dança negro-americana do candombe, dançada de pés descalços em terreiro, ao som de tambores cavados em troncos e percutido com as mãos”.
Ainda sobre o candombe, salienta-se que, apesar de praticada em vários países da América do Sul, a variante notada em Minas Gerais parecia episódica, pois não há registros documentais de sua prática no Brasil. Bem diferente ocorre no Uruguai, “onde se reivindicou para o candombe na Unesco o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade”.
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Nenhuma outra manifestação que envolvia a dramatização, adereços, percussão e a “dança dramática” se aproximou tanto do “modelo original do velho reinado do Congo” do que o maracatu, o cortejo de negros que se originou em Pernambuco e que tomava as ruas da capital.
Já em 1859, o “relator de pequenas notícias do jornal do Comércio do Recife” referiu-se ao “ruidoso cortejo de negros” como “cena do Rei do Congo”. A nota de 12 de março daquele ano mereceu destaque de Leonardo Dantas Silva em seu “Carnaval do Recife”, mais precisamente no capítulo “Cortejo é chamado de Maracatu”.
Também no “Jornal do Recife”, em uma de suas edições de 1862, pôde-se ler a respeito de certo evento na capital pernambucana: “africanas cenas do rei do Congo e seu séquito, foi o que se viu passar pelas ruas da cidade”.
Tinhorão sugere que, em suas origens, o maracatu era visto como:

                   “um movimentado e ruidoso cortejo de negros que, por recordação de episódios ligados a um sonhado reinado africano, acabou por condensá-lo num auto repleto de referências à sua história”.
No maracatu temos uma rainha, e não um rei, como figura central do auto... Este detalhe se deve certamente à influência dos acontecimentos ao sul do Congo em meados do século XVII, quando Nzinga Mbandi, a “rainha Ginga”*, liderou guerreiros de diversas tribos em luta contra os colonizadores portugueses. Morta em 1663, tornou-se referência para muitos povos africanos.

                   * A postagem anterior apresenta outras informações a respeito da personagem.

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O maracatu, então, extrapolou “o estrito ciclo histórico do Congo para oferecer uma visão mais geral da realidade africana”.
Mais para o final do século XIX, o batuque que “desfilava” pelas ruas do Recife trazia a predominância dos angolas e folguedos com “variedade de símbolos”. De fato, além das “influências locais do Congo”, a manifestação cultural incorporou “novas sugestões e exemplos da cultura africana” que eram abundantes no Brasil.
O autor cita, por exemplo a movimentada (e sensual) coreografia do cumbi (ou umbela) em cortejos do maracatu do Recife... No caso, a rainha (que podia ser do Congo ou de Angola) recebia reverências nas quais se salientava a invocação de “proteção celestial’ tal como os originários do Benin prestavam ao seu “soba”...
E mais... Nos mesmos autos recifenses, nos quais se notavam o “distanciamento das imagens simbólicas exclusivas do Congo”, verificou-se a introdução da “calunga”, uma boneca esculpida em madeira “que representava o poder mágico-religioso africano de chamar chuva para fertilizar a terra”.
Tinhorão sugere a leitura de “A enxada e a lança”, de Alberto da Costa e Silva, para conferir o “termo ‘calunga’ enquanto designação relacionada com a mitologia africana da costa ocidental da África”.
A partir mesmo das crenças em torno dos poderes da “calunga”, originais de reinos da África fundados por seus antepassados recebiam denominações a ela vinculadas, assim havia os “Calunga dos lundos, os Calunga dos quiocos e Calunga dos cubas”.
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Tornado “auto carnavalesco”, o maracatu acabou reunindo “grupos de brincantes” que se juntavam de acordo com a identidade étnica... E tantas nações negras se fizeram representadas “nas folganças de rua” que a chamada “mítica ilusão de um reino do Congo” deixou de existir e reduziu-se a uma “vaga memória negro-brasileira de sonhadas glórias africanas”.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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