Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_9.html antes
de ler esta postagem:
O
livro destaca que, provavelmente na mesma época do folguedo alagoano denominado
Quilombo, desenvolveu-se em Minas Gerais “uma variante da dança negro-americana
do candombe, dançada de pés descalços em terreiro, ao som de tambores cavados
em troncos e percutido com as mãos”.
Ainda sobre o candombe, salienta-se que, apesar de praticada em vários
países da América do Sul, a variante notada em Minas Gerais parecia episódica,
pois não há registros documentais de sua prática no Brasil. Bem diferente
ocorre no Uruguai, “onde se reivindicou para o candombe na Unesco o título de
Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade”.
(...)
Nenhuma outra manifestação
que envolvia a dramatização, adereços, percussão e a “dança dramática” se
aproximou tanto do “modelo original do velho reinado do Congo” do que o
maracatu, o cortejo de negros que se originou em Pernambuco e que tomava as
ruas da capital.
Já em 1859, o “relator de pequenas notícias do jornal
do Comércio do Recife” referiu-se ao “ruidoso cortejo de negros” como “cena do
Rei do Congo”. A nota de 12 de março daquele ano mereceu destaque de Leonardo
Dantas Silva em seu “Carnaval do Recife”, mais precisamente no capítulo “Cortejo
é chamado de Maracatu”.
Também no “Jornal do Recife”, em uma de suas edições de 1862, pôde-se
ler a respeito de certo evento na capital pernambucana: “africanas cenas do rei
do Congo e seu séquito, foi o que se viu passar pelas ruas da cidade”.
Tinhorão sugere que, em suas origens, o maracatu era
visto como:
“um movimentado e
ruidoso cortejo de negros que, por recordação de episódios ligados a um sonhado
reinado africano, acabou por condensá-lo num auto repleto de referências à sua
história”.
No maracatu temos uma rainha, e não um rei, como figura central do
auto... Este detalhe se deve certamente à influência dos acontecimentos ao sul
do Congo em meados do século XVII, quando Nzinga Mbandi, a “rainha Ginga”*,
liderou guerreiros de diversas tribos em luta contra os colonizadores
portugueses. Morta em 1663, tornou-se referência para muitos povos africanos.
* A postagem anterior
apresenta outras informações a respeito da personagem.
(...)
O maracatu, então,
extrapolou “o estrito ciclo histórico do Congo para oferecer uma visão mais
geral da realidade africana”.
Mais
para o final do século XIX, o batuque que “desfilava” pelas ruas do Recife
trazia a predominância dos angolas e folguedos com “variedade de símbolos”. De
fato, além das “influências locais do Congo”, a manifestação cultural incorporou
“novas sugestões e exemplos da cultura africana” que eram abundantes no Brasil.
O autor cita, por exemplo a movimentada (e sensual) coreografia do cumbi
(ou umbela) em cortejos do maracatu do Recife... No caso, a rainha (que podia
ser do Congo ou de Angola) recebia reverências nas quais se salientava a
invocação de “proteção celestial’ tal como os originários do Benin prestavam ao
seu “soba”...
E mais... Nos mesmos autos
recifenses, nos quais se notavam o “distanciamento das imagens simbólicas
exclusivas do Congo”, verificou-se a introdução da “calunga”, uma boneca
esculpida em madeira “que representava o poder mágico-religioso africano de
chamar chuva para fertilizar a terra”.
Tinhorão sugere a leitura de “A enxada e a lança”, de
Alberto da Costa e Silva, para conferir o “termo ‘calunga’ enquanto designação
relacionada com a mitologia africana da costa ocidental da África”.
A partir mesmo das crenças em torno dos poderes da “calunga”, originais
de reinos da África fundados por seus antepassados recebiam denominações a ela
vinculadas, assim havia os “Calunga dos lundos, os Calunga dos quiocos e
Calunga dos cubas”.
(...)
Tornado “auto carnavalesco”, o maracatu acabou reunindo
“grupos de brincantes” que se juntavam de acordo com a identidade étnica... E
tantas nações negras se fizeram representadas “nas folganças de rua” que a
chamada “mítica ilusão de um reino do Congo” deixou de existir e reduziu-se a
uma “vaga memória negro-brasileira de sonhadas glórias africanas”.
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto