domingo, 20 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – constrangida, Maria teve de falar a respeito do dia em que começou a se envolver mais seriamente com Meursault; discurso emocionado do advogado de acusação contra o réu; “depoimentos sufocados” de Masson e do velho Salamano; conclusões pessimistas; Raimundo, o último a depor, foi repreendido logo no início de seu testemunho; defendendo o amigo, culpando o “acaso” por sua participação nos perturbadores episódios; o procurador coloca os argumentos do depoente em dúvida e o advogado de defesa questiona a sua “condição moral”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-os-da.html antes de ler esta postagem:

Logo no início do depoimento de Maria, o procurador observou-lhe que o relacionamento dela com o réu havia se iniciado apenas um dia após o sepultamento da mãe do rapaz... Sem esconder a ironia, o homem emendou que não insistiria em maiores problematizações e que “compreendia perfeitamente os escrúpulos” dela. Todavia salientou que tinha o dever de “elevar-se acima das conveniências”.
Na sequência pediu à moça que apresentasse um resumo do dia em que se encontraram e iniciaram o relacionamento... Via-se que Maria não se sentia à vontade e não queria falar a respeito, mas diante da insistência, contou a respeito do banho de mar, da ida ao cinema e, depois, à casa do amigo.
O advogado que fazia a acusação observou que verificara a programação do cinema do dia correspondente, mas gostaria de ouvir da própria testemunha o nome do filme que tinham assistido. E foi com uma voz vacilante que ela respondeu que haviam assistido a um filme do Fernandel.
(...)
Após a resposta, notou-se um pesado silêncio por toda sala. Depois de algum tempo o procurador levantou-se, encheu-se de emoção ao apontar o dedo para Meursault... Manteve-se assim e dirigiu-se aos jurados e a todos os presentes para se pronunciar muito pausadamente:

                   “Meus senhores, um dia depois da morte da sua mãe, este homem tomava banhos de mar, iniciava relações com uma amante e ia rir às gargalhadas, num filme cômico”.

Por fim, talvez balando a cabeça numa indicação de reprovação, disse que não tinha nada a acrescentar e “sentou-se, no meio do silêncio geral”.
Abalada emocionalmente, Maria pôs-se a soluçar e manifestou que não era como o advogado havia dito. Garantiu que era bem o contrário, pois conhecia bem o Meursault e sabia que ele “não tinha feito nada de mal”.
O presidente sinalizou para o bedel e este retirou a depoente para que a audiência tivesse prosseguimento.
(...)
Depois de Maria, interrogaram o Masson e pouco se importaram quando ele manifestou que o réu era um tipo honesto, acrescentando ao seu modo: “direi mesmo mais, uma excelente pessoa”.
Chegou a vez do velho Salamano e ele foi chamado para responder às perguntas. Parecia mesmo que não queriam levar em consideração suas afirmações em defesa do réu. Pelo visto fizeram “ouvidos moucos” quando ele disse que o rapaz havia sido muito bom para o seu cão... Ou quando respondeu que todos deviam compreendê-lo por ter encaminhado a mãe para o asilo, pois “já não tinha nada a dizer-lhe”.
Cada vez mais diminuído em sua posição de réu, Meursault concluía que os apelos de seu vizinho eram sem efeito, pois “ninguém parecia compreendê-lo”.
Ele mal notou quando retiraram o velho Salamano da sala.
(...)
Raimundo foi chamado para testemunhar. Ele era o último a ser ouvido e logo que se posicionou no local destinado aos depoentes fez breve sinal ao amigo.
A primeira coisa que disse foi que o réu era inocente. O presidente o advertiu no mesmo instante ao afirmar “que não lhe pediam afirmações, mas fatos”, por isso devia aguardar as perguntas.
Quiseram que ele explicasse as relações dele com o assassinado... Raimundo deixou claro que era odiado pelo árabe “desde que lhe esbofeteara a irmã”. O presidente quis saber se o réu também era odiado por sua vítima... Havia alguma razão? Ele perguntou.
Raimundo respondeu que a presença do Meursault na praia foi “um mero acaso”. O procurador o questionou por que o réu havia sido o autor da carta (à irmã do árabe assassinado) que dera origem ao drama. Raimundo respondeu que também aquilo havia sido “um acaso”.
O procurador fez um comentário a respeito de a todo momento “o acaso” surgir na história... Perguntou se também não havia sido “por acaso” que o réu deixara de intervir na ocasião em que o depoente “esbofeteara a amante”, irmã do assassinado. E se não era “por acaso” que o réu havia testemunhado no comissariado a seu favor, ainda que (por acaso) as declarações prestadas não tivessem fundamentações que pudessem ser levadas a sério.
Depois desse falatório, o procurador perguntou ao depoente a respeito de sua ocupação. Raimundo respondeu que era “lojista” e o advogado de acusação chamou a atenção dos jurados para que levassem em conta a “profissão mais que duvidosa” da testemunha. O mais grave, continuou o da acusação, era o fato de estarem diante de “um monstro moral”.
O Raimundo viu-se na situação de ter de defender-se dos ataques... O advogado da defesa começou a apresentar protestos... Os dois foram interrompidos para que, enfim, o procurador pudesse fazer suas perguntas e considerações. Este começou dizendo que pouco tinha a acrescentar...
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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