Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-os-da.html antes
de ler esta postagem:
Logo
no início do depoimento de Maria, o procurador observou-lhe que o
relacionamento dela com o réu havia se iniciado apenas um dia após o
sepultamento da mãe do rapaz... Sem esconder a ironia, o homem emendou que não
insistiria em maiores problematizações e que “compreendia perfeitamente os
escrúpulos” dela. Todavia salientou que tinha o dever de “elevar-se acima das
conveniências”.
Na sequência pediu à moça que apresentasse um resumo do dia em que se
encontraram e iniciaram o relacionamento... Via-se que Maria não se sentia à
vontade e não queria falar a respeito, mas diante da insistência, contou a
respeito do banho de mar, da ida ao cinema e, depois, à casa do amigo.
O advogado que fazia a
acusação observou que verificara a programação do cinema do dia correspondente,
mas gostaria de ouvir da própria testemunha o nome do filme que tinham
assistido. E foi com uma voz vacilante que ela respondeu que haviam assistido a
um filme do Fernandel.
(...)
Após a resposta, notou-se um pesado silêncio por toda
sala. Depois de algum tempo o procurador levantou-se, encheu-se de emoção ao
apontar o dedo para Meursault... Manteve-se assim e dirigiu-se aos jurados e a
todos os presentes para se pronunciar muito pausadamente:
“Meus senhores, um
dia depois da morte da sua mãe, este homem tomava banhos de mar, iniciava
relações com uma amante e ia rir às gargalhadas, num filme cômico”.
Por fim, talvez balando a cabeça numa indicação de
reprovação, disse que não tinha nada a acrescentar e “sentou-se, no meio do
silêncio geral”.
Abalada emocionalmente, Maria pôs-se a soluçar e manifestou que não era
como o advogado havia dito. Garantiu que era bem o contrário, pois conhecia bem
o Meursault e sabia que ele “não tinha feito nada de mal”.
O presidente sinalizou para o bedel e este retirou a depoente para que a
audiência tivesse prosseguimento.
(...)
Depois de Maria,
interrogaram o Masson e pouco se importaram quando ele manifestou que o réu era
um tipo honesto, acrescentando ao seu modo: “direi mesmo mais, uma excelente
pessoa”.
Chegou a vez do velho
Salamano e ele foi chamado para responder às perguntas. Parecia mesmo que não
queriam levar em consideração suas afirmações em defesa do réu. Pelo visto
fizeram “ouvidos moucos” quando ele disse que o rapaz havia sido muito bom para
o seu cão... Ou quando respondeu que todos deviam compreendê-lo por ter
encaminhado a mãe para o asilo, pois “já não tinha nada a dizer-lhe”.
Cada
vez mais diminuído em sua posição de réu, Meursault concluía que os apelos de
seu vizinho eram sem efeito, pois “ninguém parecia compreendê-lo”.
Ele mal notou quando retiraram o velho Salamano da sala.
(...)
Raimundo foi chamado para
testemunhar. Ele era o último a ser ouvido e logo que se posicionou no local
destinado aos depoentes fez breve sinal ao amigo.
A primeira coisa que disse foi que o réu era inocente.
O presidente o advertiu no mesmo instante ao afirmar “que não lhe pediam afirmações,
mas fatos”, por isso devia aguardar as perguntas.
Quiseram que ele explicasse as relações dele com o assassinado...
Raimundo deixou claro que era odiado pelo árabe “desde que lhe esbofeteara a
irmã”. O presidente quis saber se o réu também era odiado por sua vítima...
Havia alguma razão? Ele perguntou.
Raimundo respondeu que a presença do Meursault na
praia foi “um mero acaso”. O procurador o questionou por que o réu havia sido o
autor da carta (à irmã do árabe assassinado) que dera origem ao drama. Raimundo
respondeu que também aquilo havia sido “um acaso”.
O procurador fez um comentário a respeito de a todo momento “o acaso”
surgir na história... Perguntou se também não havia sido “por acaso” que o réu
deixara de intervir na ocasião em que o depoente “esbofeteara a amante”, irmã do
assassinado. E se não era “por acaso” que o réu havia testemunhado no
comissariado a seu favor, ainda que (por acaso) as declarações prestadas não
tivessem fundamentações que pudessem ser levadas a sério.
Depois desse falatório, o procurador perguntou ao depoente a respeito de
sua ocupação. Raimundo respondeu que era “lojista” e o advogado de acusação
chamou a atenção dos jurados para que levassem em conta a “profissão mais que
duvidosa” da testemunha. O mais grave, continuou o da acusação, era o fato de
estarem diante de “um monstro moral”.
O Raimundo viu-se na situação de ter de
defender-se dos ataques... O advogado da defesa começou a apresentar protestos...
Os dois foram interrompidos para que, enfim, o procurador pudesse fazer suas
perguntas e considerações. Este começou dizendo que pouco tinha a
acrescentar...
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto