quinta-feira, 17 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – os da acusação não perdiam a oportunidade de alfinetar o réu que havia se comportado “fora dos padrões convencionais”; o velho Tomás Perez manifestou sua condição de angustiado no dia do enterro e que sequer notara a presença do filho da amiga; debates acalorados e o advogado de defesa mantinha a convicção de que tudo acabaria bem; o depoimento do Celeste e sua confusão na tentativa de ajudar o amigo; chegou a vez da Maria

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-suspensao.html antes de ler esta postagem:

As palavras do porteiro, salientando que ele oferecera o café com leite ao Meursault, levou o advogado de defesa a certo triunfo, tanto é que considerou conveniente declarar “que os jurados saberiam formar a sua opinião”. Aconteceu que o procurador bradou em voz ainda mais alta que, de fato, os jurados saberiam formar a sua opinião. Emendou que concluiriam que “um estranho poderia oferecer café, mas que um filho devia recusá-lo diante do corpo daquela que o deu à luz”.
(...)
O porteiro deixou a cadeira das testemunhas. Na sequência, o velho Tomás Perez foi chamado. Um bedel o ajudou a instalar-se para prestar o seu depoimento.
Tomás Perez declarou que conhecia a mãe do réu e que, a este, havia visto uma única vez, exatamente no dia do sepultamento.
Perguntaram a respeito do que o réu tinha feito naquele dia... O velho explicou que não vira nada porque “estava com um grande desgosto”. Ele deu a entender que pouco ajudaria como testemunha e disse que talvez não o compreendessem, pois o desgosto que o amargurava impedia que ficasse a observar o que ocorria ao redor. Seu estado emocional no dia do enterro era angustiante, chegou a desmaiar e não tinha condições de reparar o filho da amiga, nem mesmo sua presença.
O advogado de acusação perguntou se ao menos o vira chorar. No mesmo instante o velho Pérez respondeu que não. O procurador sentenciou que os senhores jurados saberiam “formar a sua opinião”. O da defesa não escondeu sua irritação e perguntou à testemunha se tinha visto que o réu “não estava a chorar”. O velho respondeu que não e isso provocou risos no público.
O advogado da defesa arregaçou uma das mangas e pronunciou uma pesada crítica. Disse que aquilo revelava a “imagem do processo” no qual “tudo é verdade e nada é verdade”. Enquanto ouvia o desabafo do oponente, o procurador manipulava alguns papéis e os riscava com um lápis.
(...)
Houve uma pausa de cinco minutos e o advogado de defesa disse ao Meursault “que tudo corria para o melhor”.
Na sequência o Celeste foi chamado. Assim que este se colocou na posição de testemunha, dirigiu olhares ao conhecido que estava na condição de réu. Via-se que o dono do restaurante não se sentia muito à vontade, tinha a camisa fechada por apenas um botão, girava o chapéu nas mãos e usava o paletó dos domingos de corrida de cavalos.
Quiseram saber se o réu era seu cliente no restaurante... O Celeste respondeu que sim e que, além disso, era seu amigo. O que pensava do Meursault? Em resposta a essa pergunta, disse que o via como homem e que evidentemente todos sabem o que isso quer dizer.
Perguntaram-lhe se o achava taciturno... O Celeste concordou que o amigo não era dos que “falam por falar”. O de acusação quis saber se o rapaz era um bom pagador das despesas e o declarante sorriu dizendo que isso era entre os dois. Na sequência pediram sua opinião a respeito do crime e o Celeste colocou suas mãos na barra e começou a dizer que, para ele, aquilo era uma desgraça, que todos sabem o que é uma desgraça e, na opinião dele era isso mesmo o que o crime havia sido.
Parece que o Celeste queria dizer algo mais, mas via-se que estava perdido na construção de argumentos. Então o presidente o interrompeu dizendo que “estava bem” e agradeceu-lhe.
Atrapalhado, Celeste disse que queria falar mais. Solicitaram-lhe que fosse breve e ele voltou a dizer que o caso havia sido “uma desgraça”. O presidente observou que estavam ali para julgar desgraças e agradeceu-lhe mais uma vez.
Por fim, via-se que o depoente tinha os lábios trêmulos... Seus olhos brilhavam ao mesmo tempo que olhava para o Meursault como que a perguntar o que mais poderia fazer por ele. O rapaz reconheceu o esforço do amigo, mas não pôde pronunciar-se ou esboçar qualquer gesto... Sua gratidão era tal que poderia mesmo beijar o amigo.
(...)
O presidente dispensou o Celeste, que se retirou para o seu lugar na audiência. À distância, Meursault observou que ele permaneceu “um pouco inclinado para a frente, com os cotovelos nos joelhos, o panamá nas mãos escutando tudo o que se dizia”.
Maria foi a próxima a depor... Ela usava um chapéu que a deixava ainda mais bonita. Para si mesmo, Meursault observou que a preferia de cabelos soltos. Apesar de sua dramática condição, ocupou-se em imaginar “o peso ligeiro dos seios” e o “lábio inferior, sempre um pouco inchado” da namorada.
Logo de início perguntaram à Maria há quanto tempo conhecia o réu... Ela começou a falar da época que trabalharam juntos no escritório, mas o presidente emendou outra pergunta a respeito das relações que mantinham. Ela respondeu que era amiga do Meursault e, como foi questionada sobre projetos, disse que tinha intenção de se casar com ele.
O procurador folheou o processo e perguntou quando o relacionamento havia começado de fato. Maria falou a data e o oficial adiantou que era “apenas um dia depois da morte da mãe”.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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