Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/06/o-estrangeiro-de-albert-camus-suspensao.html antes
de ler esta postagem:
As
palavras do porteiro, salientando que ele oferecera o café com leite ao
Meursault, levou o advogado de defesa a certo triunfo, tanto é que considerou
conveniente declarar “que os jurados saberiam formar a sua opinião”. Aconteceu
que o procurador bradou em voz ainda mais alta que, de fato, os jurados
saberiam formar a sua opinião. Emendou que concluiriam que “um estranho poderia
oferecer café, mas que um filho devia recusá-lo diante do corpo daquela que o
deu à luz”.
(...)
O porteiro deixou a cadeira das testemunhas. Na sequência, o velho Tomás
Perez foi chamado. Um bedel o ajudou a instalar-se para prestar o seu
depoimento.
Tomás Perez declarou que
conhecia a mãe do réu e que, a este, havia visto uma única vez, exatamente no
dia do sepultamento.
Perguntaram a respeito do que o réu tinha feito
naquele dia... O velho explicou que não vira nada porque “estava com um grande
desgosto”. Ele deu a entender que pouco ajudaria como testemunha e disse que
talvez não o compreendessem, pois o desgosto que o amargurava impedia que
ficasse a observar o que ocorria ao redor. Seu estado emocional no dia do
enterro era angustiante, chegou a desmaiar e não tinha condições de reparar o filho
da amiga, nem mesmo sua presença.
O advogado de acusação perguntou se ao menos o vira chorar. No mesmo
instante o velho Pérez respondeu que não. O procurador sentenciou que os
senhores jurados saberiam “formar a sua opinião”. O da defesa não escondeu sua
irritação e perguntou à testemunha se tinha visto que o réu “não estava a
chorar”. O velho respondeu que não e isso provocou risos no público.
O advogado da defesa arregaçou uma das mangas e pronunciou
uma pesada crítica. Disse que aquilo revelava a “imagem do processo” no qual “tudo
é verdade e nada é verdade”. Enquanto ouvia o desabafo do oponente, o
procurador manipulava alguns papéis e os riscava com um lápis.
(...)
Houve uma pausa de cinco minutos e o advogado de defesa disse ao
Meursault “que tudo corria para o melhor”.
Na sequência o Celeste foi chamado. Assim que este se colocou na posição
de testemunha, dirigiu olhares ao conhecido que estava na condição de réu.
Via-se que o dono do restaurante não se sentia muito à vontade, tinha a camisa
fechada por apenas um botão, girava o chapéu nas mãos e usava o paletó dos
domingos de corrida de cavalos.
Quiseram saber se o réu era
seu cliente no restaurante... O Celeste respondeu que sim e que, além disso,
era seu amigo. O que pensava do Meursault? Em resposta a essa pergunta, disse que
o via como homem e que evidentemente todos sabem o que isso quer dizer.
Perguntaram-lhe se o achava
taciturno... O Celeste concordou que o amigo não era dos que “falam por falar”.
O de acusação quis saber se o rapaz era um bom pagador das despesas e o
declarante sorriu dizendo que isso era entre os dois. Na sequência pediram sua
opinião a respeito do crime e o Celeste colocou suas mãos na barra e começou a
dizer que, para ele, aquilo era uma desgraça, que todos sabem o que é uma
desgraça e, na opinião dele era isso mesmo o que o crime havia sido.
Parece
que o Celeste queria dizer algo mais, mas via-se que estava perdido na
construção de argumentos. Então o presidente o interrompeu dizendo que “estava
bem” e agradeceu-lhe.
Atrapalhado, Celeste disse que queria falar mais. Solicitaram-lhe que
fosse breve e ele voltou a dizer que o caso havia sido “uma desgraça”. O
presidente observou que estavam ali para julgar desgraças e agradeceu-lhe mais
uma vez.
Por fim, via-se que o
depoente tinha os lábios trêmulos... Seus olhos brilhavam ao mesmo tempo que
olhava para o Meursault como que a perguntar o que mais poderia fazer por ele.
O rapaz reconheceu o esforço do amigo, mas não pôde pronunciar-se ou esboçar
qualquer gesto... Sua gratidão era tal que poderia mesmo beijar o amigo.
(...)
O presidente dispensou o Celeste, que se retirou para
o seu lugar na audiência. À distância, Meursault observou que ele permaneceu “um
pouco inclinado para a frente, com os cotovelos nos joelhos, o panamá nas mãos
escutando tudo o que se dizia”.
Maria foi a próxima a depor... Ela usava um chapéu que a deixava ainda
mais bonita. Para si mesmo, Meursault observou que a preferia de cabelos
soltos. Apesar de sua dramática condição, ocupou-se em imaginar “o peso ligeiro
dos seios” e o “lábio inferior, sempre um pouco inchado” da namorada.
Logo de início perguntaram à Maria há quanto tempo
conhecia o réu... Ela começou a falar da época que trabalharam juntos no
escritório, mas o presidente emendou outra pergunta a respeito das relações que
mantinham. Ela respondeu que era amiga do Meursault e, como foi questionada
sobre projetos, disse que tinha intenção de se casar com ele.
O procurador folheou o processo e perguntou
quando o relacionamento havia começado de fato. Maria falou a data e o oficial
adiantou que era “apenas um dia depois da morte da mãe”.
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto