quinta-feira, 15 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – notícias sobre o desenvolvimento de armas e de uma “fortaleza flutuante” transmitidas pela teletela; pensando sobre as crianças doutrinadas pelas agremiações do partido, no sufoco da sra. Parsons e na atuação dos jovenzinhos no combate aos inimigos do IngSoc; um enigmático sonho de anos atrás que Winston relacionou ao O’Brien, com quem ainda se encontraria “onde não há treva”; matéria extraordinária sobre a vitória no sul da Índia, informação sobre a redução da ração de chocolate e execução do hino

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-um-pouco-sobre_14.html antes de ler esta postagem:

Ao retornar para o apartamento, Winston passou rapidamente diante da teletela, que já não tocava a música militar, e acessou novamente a pequena mesa. Enquanto recuperava-se do susto e do assédio do filho dos Parsons, ouviu a mensagem que a placa metálica estava transmitindo... Uma voz belicosa estava anunciando as “novidades” a respeito de uma “nova Fortaleza Flutuante”, dotada de armamentos espetaculares, que os militares haviam posicionado “entre a Islândia e as Ilhas Faroe”.
O rapaz ainda pensava a respeito da visita que fizera ao apartamento vizinho... Calculou que a esposa de Tom Parsons só podia levar uma vida muito difícil e assustadora por ter de lidar cotidianamente com os filhos fanatizados. Em sua opinião, era bem provável que em poucos anos eles se tornassem agentes do Partido e a investigariam por suspeitas de heterodoxia.
(...)
Era com certa aversão que Winston pensava nas crianças de um modo geral...
Assim como a maioria delas, os filhos dos Parsons eram “horríveis”. E o caso é que as várias associações, como a dos Espiões, tinham plenas condições de as doutrinar, transformando-as em “pequenos selvagens incontroláveis” que abominavam e reprimiam qualquer tendência sediciosa contrária à disciplina que recebiam.
De modo algum estranhara o comportamento do garoto... Winston sabia que as crianças “adoravam o Partido, e tudo quanto tinha ligação com ele”. As muitas atividades proporcionadas as levavam à obediência cega ao Grande Irmão... Desde cedo participavam de encontros e expedições específicos, aprendiam canções e palavras de ordem de conteúdo fanático. Além disso, meninos e meninas eram levados a manipular simulacros de armas de madeira. Desse modo, não era de se estranhar que vivessem “caçando inimigos do Estado”. Alguns tipos se tornavam alvos suspeitíssimos da garotada do partido: “forasteiros, traidores, sabotadores, ideocriminosos”.
Os adultos conheciam a fama dos pequenos... Os pais sentiam-se acuados pelos próprios filhos. Publicações semanais “do Times” traziam matérias enaltecendo “heróis infantis” que haviam coletado informações que comprometiam os pais e, por isso mesmo, apresentavam denúncia contra eles à Polícia do Pensamento.
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Winston percebeu que já não sentia a dor que a estilingada do menino provocara... Voltou-se ao “belo livro de folhas em branco” e refletiu se ainda tinha algo a registrar... Nada de específico lhe veio à mente até que pensou em O’Brien novamente.
Lembrou-se de que há uns sete anos sonhara que estava caminhando em um quarto muito escuro, e que alguém que estava sentado no mesmo cômodo lhe disse que havia percebido os seus passos... O mistério ficou por conta de uma frase que pronunciou na sequência: "Tornaremos a nos encontrar onde não há treva".
Winston entendia que a mensagem estava mais para uma declaração do que para “uma ordem”. Pelo menos no sonho, aquilo não provocou qualquer reação de estranheza de sua parte. Algum tempo depois é que começou a atribuir algum sentido ao sonho. Diante das folhas em branco, tentou calcular se o sonho datava de antes ou depois de ter visto o O’Brien pela primeira vez. Não podia ter certeza, mas de qualquer modo avaliava que devia haver uma relação entre o sonho e aquele tipo do Partido Interno e, se era assim, “O'Brien lhe falara na escuridão”.
Essa sugestão o levou a pensar mais a respeito dos olhares trocados durante os “dois Minutos de Ódio” daquela manhã... Por mais que matutasse, não conseguia concluir se o outro podia devotar-lhe amizade ou o contrário. De qualquer modo, isso parecia pouco importar, já que entre eles parecia existir “um laço de compreensão mais importante do que o afeto ou a ideologia” e, se de fato o sonho tinha alguma relação com O’brien, eles ainda se encontrariam “onde não há treva”. Mesmo sem saber o significado, Winston passou a achar que aquilo ocorreria de um ou outro modo.
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Por um instante a teletela silenciou... Na sequência transmitiu “um toque de clarim, belo e límpido”. A mesma voz beligerante voltou a chamar a atenção anunciando uma edição extraordinária a respeito de novidades da “frente de Malabar”, onde as tropas mobilizadas no sul da Índia haviam obtido “gloriosa vitória” que certamente selaria o fim da guerra...
Winston ouviu o noticiário e, em contradição à animação do locutor, considerou que a matéria trazia “más notícias”. Em síntese, muito derramamento de sangue por ocasião do massacre de tropas eurasianas. Depois dessas “animadoras revelações”, anunciou-se a redução da “ração de chocolate”, “de trinta para vinte gramas”.
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O equipamento de espionagem passou a tocar “Oceania, nossa terra”, o hino que todos deviam acompanhar de pé... Winston soltou um leve arroto, talvez ainda em consequência do gin, e decidiu continuar sentado, pois a posição da mesinha lhe era favorável. Calculou que a execução do hino tanto podia ser uma celebração da vitória militar no sul da Índia quanto uma tentativa de “afogar a lembrança do chocolate perdido”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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