Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-logo-no-inicio.html antes
de ler esta postagem:
Por tudo o que se destacou até aqui, era natural
que os que participavam dos “Dois Minutos de Ódio” sentissem medo e raiva das
imagens e sons emitidos pela grande teletela...
Mal havia se passado
trinta segundos e metade dos que estavam no salão vociferavam “incontroláveis
exclamações de fúria”. Não escondiam a revolta contra a imagem do principal
inimigo do Grande Irmão a discursar aos gritos, e ainda por cima embalado pela
exibição de força do exército eurasiano. Aquilo era demais...
(...)
Devemos considerar que de tudo o que era exibido pela grande tela, Goldstein
fosse mesmo o principal alvo da descarga de ódio dos membros do partido. É
verdade que a Oceania estava em guerra contra a Eurásia (e em paz com a
Lestásia), mas, quando acontecia de entrar em conflito com a Lestásia, firmava
a paz com os eurasianos. Dessa maneira, quando “estava em guerra com uma dessas
potencias, em geral estava em paz com a outra”.
O
ódio ao Goldstein jamais diminuía e pelo visto sua influência também não. Apesar
de diariamente ele ser odiado por todos! Como devemos perceber, a aversão a ele
era alimentada em “tribunas, teletelas, jornais e livros” e, além disso, “suas
teorias eram refutadas, esmagadas, ridicularizadas, apresentadas aos olhos de
todos como lixo”. O caso é que sempre havia quem pudesse cair na tentação de se
sentir seduzido...
De fato, diariamente,
a Polícia do Pensamento desmascarava “espiões e sabotadores” que agiam em
obediência às ordens de Goldstein. Exatamente por isso se fortalecia a ideia de
que ele comandava um “exército de sombras chamado de ‘A Fraternidade’ e que
atuava nos subterrâneos, tramando a derrocada do Estado”.
Falava-se
que havia um livro escrito pelo Goldstein que reunia suas várias ideias
subversivas. A produção não tinha título, era material proibido e só podia
circular clandestinamente. Tanto “A Fraternidade” quanto o compêndio atribuído ao
traidor banido eram temas que circulavam como boatos que os militantes do
IngSoc jamais faziam referências.
(...)
Os participantes
atingiram o ápice do ódio... Abandonaram os assentos durante o minuto final da
dinâmica e gritaram com toda força possível numa tentativa de abafar o discurso
do Goldstein...
A “mulherzinha do
cabelo da cor de areia” enrubesceu e movimentou a boca tal como um peixe
abandonado em terra firme... Também o grandalhão O’Brien estava com o rosto bem
vermelho, embora se mantivesse firme em sua cadeira. Via-se que, apesar disso,
seu peito parecia arrebentar devido à inflamação provocada pelo ódio.
A moça dos cabelos negros, que usava a “estreita faixa escarlate na
cintura”, gritava desvairadamente, “Porco! Porco! Porco!”. E como se estivesse
tomada por uma entidade bárbara lançou “um pesado dicionário de novilíngua”
contra a teletela. O “projétil” atingiu o nariz do pernicioso inimigo sem que o
equipamento fosse danificado... Tanto é que sua mensagem provocativa continuou
a ser emitida.
Winston notou que ele mesmo desferia golpes de calcanhar contra a própria
cadeira e gritava em meio ao ensurdecedor berreiro.
(...)
De certo modo, sua reação corroborava a ideia de
que, “embora ninguém fosse obrigado a participar” das sessões dos Dois Minutos
de Ódio, “era impossível deixar de se reunir aos outros”. Assim que se
iniciavam as primeiras sonoridades e imagens, o participante era invadido por
uma empolgação indescritível.
O próprio texto
define a situação:
“Parecia
percorrer todo o grupo, como uma corrente elétrica, um horrível êxtase de medo
e desagravo, um desejo de matar, de torturar, de amassar rostos com um malho,
transformando o indivíduo, contra a sua vontade, num lunático a uivar e fazer
caretas”.
No
caso específico de Winston, o ódio que crescia em seu peito se desviava do que
era exibido pela teletela e eventualmente podia ser direcionado “contra o
Grande Irmão, o Partido e a Polícia do Pensamento”. Em momentos como esse, “seu
coração se aproximava do solitário e ridicularizado herege da tela, o único
guardião da verdade e da sanidade num mundo de mentiras”.
Mas isso era algo
breve, pois na sequência o rapaz se juntava aos demais e logo sentia que todos
os ataques ao Goldstein só podiam ser corretos e pertinentes... O secreto ódio
que nutria pelo Grande Irmão se dissipava e ele sentia que deveria venerá-lo por
sua liderança, proteção e destemor.
Então
passava a admitir que o correto a se fazer era apoiar o grande líder, o invencível
e inabalável combatente que enfrentava poderosos exércitos dos impérios
inimigos e que, além disso, ainda tinha de salvar o povo da influência do
Goldstein.
(...)
Como
se vê, não devemos estranhar que alguma confusão se estabelecesse nos
pensamentos de Winston... Principalmente porque, mesmo nos momentos em que se
manifestava em sintonia com os demais, a dúvida de que o Goldstein fosse real
permanecia... Levando-se em consideração a sua existência, só podia estar fragilizado
e isolado, mesmo assim prevalecia a sua imagem de “hipnotizador sinistro, capaz
de destruir a estrutura da civilização pelo mero poder da voz”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto