segunda-feira, 2 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – o Partido controlava os casamentos, definia a aprovação e disseminava a aversão à afetividade; educação e atuação das organizações juvenis numa “formação assexuada”; sobre Katharine, suas características e fidelidade ideológica; incompatibilidades no relacionamento, frustrações e fim do casamento

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-winston-inicia.html antes de ler esta postagem:

Winston pensou em seu casamento com Katharine e sobre como era a vida dos casados na sociedade controlada pelo Partido...
Suas reflexões nos levam a entender que havia um comitê que cuidava especificamente da análise sobre o casamento pleiteado por casais que pertenciam ao Partido. Desse modo, os casamentos só ocorriam se o comitê aprovasse as uniões. Ele nos adianta que não eram poucas as ocasiões em que os impedimentos ocorriam e isso se devia, ao que tudo indicava, ao fato de haver atração física entre os “noivos”.
A função do casamento era a de gerar filhos que mais tarde serviriam ao Partido. Disseminava-se que o ato sexual era algo que causava repugnância, mas que evidentemente se tornava necessário para a procriação... Os jovens do Partido eram levados a entender a cópula como uma espécie “intervenção invasiva” com finalidade específica e devidamente controlada.
O aprendizado se dava indiretamente “desde a infância”. Não era por acaso que as crianças eram inscritas na “Liga Juvenil AntiSexo” e outras agremiações que pregavam e incentivavam a castidade e o “celibato completo para ambos os sexos”. Projetava-se uma realidade em que a inseminação artificial (“insemart” em “novilíngua”) fosse a única maneira de promover o nascimento de bebês que, ao atingirem a idade adequada seriam “educadas em instituições públicas”.
Para Winston, dificilmente tal projeto se tornaria inteiramente fatível. Ele mesmo não acreditava que se devesse levar a sério tais ideias... A única explicação para a insistência do Partido na política AntiSexo estava no fato de ela se encaixar na ideologia do IngSoc, daí pretender “matar o instinto sexual” ou, sendo isso impossível, distorcê-lo para torná-lo repugnante.
O que se podia fazer? Não era possível entender os motivos de mais essa máxima do Partido... Para Winston, não valia a pena preocupar-se em buscar resposta, pois entendia que a ideia estava de acordo com a filosofia do regime. O interessante é que, entre as mulheres, a aversão ao sexo pregada pelo Partido encontrava boa receptividade...
(...)
Já fazia mais de dez anos que Winston e Katharine haviam se separado... Ela era mais alta do que a média das mulheres, tinha cabelos claros e uma aparência enigmática com seu “rosto aquilino” que atraía as atenções...
Normalmente Winston não pensava nela... No momento ela surgiu em suas reflexões porque se recordava da ocasião em que estivera no porão imundo com uma estranha que negociava o corpo. Viveu com ela não mais do que um ano e três meses até se separarem definitivamente. Não havia um processo de divórcio porque o Partido não permitia, todavia incentivava-se “a separação quando não havia filhos”.
Cedo Winston entendeu que o “rosto aquilino”, que para alguns podia ser sinal de rara inteligência e autonomia intelectual, não tinha muito a lhe oferecer. Bem o contrário disso, percebeu que a mente da esposa era “estúpida, vulgar e vazia”. Tempos depois, reconheceu que esse severo e sincero julgamento se devia ao fato de a conhecer “mais intimamente do que à maioria das pessoas”.
Ele se sentia incomodado com o modo como Katharine assimilava as determinações do Partido, por mais imbecis que fossem, sem qualquer apreciação crítica. É claro que esse era o caso da esmagadora maioria das pessoas, o problema era a convivência íntima e diária com um tipo que trazia a ideologia do IngSoc impregnada em seu ser. Todavia esse não foi o principal motivo da separação... Suportaria sua cegueira política se o satisfizesse sexualmente. O caso é que Katharine se encolhia e parecia petrificar assim que ele a tocava ou a abraçava, além disso, quando ela tomava a iniciativa de aproximação parecia sentir repulsa.
De acordo com ele mesmo, “era a rigidez dos seus músculos que dava aquela impressão”. A mulher se relacionava como se fosse um autômato e, como não poderia deixar de ser, isso o tornou indiferente. De sua parte, concordaria em conviver mantendo-se celibatário, mas ela não aceitou porque estava convicta de que “deviam produzir um filho”.
Na memória de Winston impregnou-se o roteiro da relação:

                   “De modo que o exercício continuou a ter lugar, uma vez por semana, regularmente, sempre que não fosse impossível. Ela chegava a lembrá-lo pela manhã, como uma tarefa que deve ser feita à noite e que não pode ser esquecida. Referia-se ao ato com duas expressões. Uma era ‘fazer um filho,’ e a outra era ‘nosso dever ante o Partido’ (sim, palavras textuais)”.

Não foi por acaso que ele mesmo passou a aborrecer-se conforme se aproximava o momento por ela convencionado.
Não tiveram filho... E aos poucos Katharine admitiu que era melhor colocar um fim às tentativas. Pouco tempo depois separaram-se definitivamente.
(...)
As lembranças o levaram a suspirar...
Na sequência voltou a fazer registros no diário.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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