Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-winston-inicia.html antes
de ler esta postagem:
Winston pensou em seu casamento com Katharine e sobre
como era a vida dos casados na sociedade controlada pelo Partido...
Suas reflexões nos
levam a entender que havia um comitê que cuidava especificamente da análise
sobre o casamento pleiteado por casais que pertenciam ao Partido. Desse modo,
os casamentos só ocorriam se o comitê aprovasse as uniões. Ele nos adianta que
não eram poucas as ocasiões em que os impedimentos ocorriam e isso se devia, ao
que tudo indicava, ao fato de haver atração física entre os “noivos”.
A função do casamento era a de gerar filhos que mais tarde serviriam ao
Partido. Disseminava-se que o ato sexual era algo que causava repugnância, mas
que evidentemente se tornava necessário para a procriação... Os jovens do
Partido eram levados a entender a cópula como uma espécie “intervenção
invasiva” com finalidade específica e devidamente controlada.
O
aprendizado se dava indiretamente “desde a infância”. Não era por acaso que as
crianças eram inscritas na “Liga Juvenil AntiSexo” e outras agremiações que
pregavam e incentivavam a castidade e o “celibato completo para ambos os
sexos”. Projetava-se uma realidade em que a inseminação artificial (“insemart”
em “novilíngua”) fosse a única maneira de promover o nascimento de bebês que,
ao atingirem a idade adequada seriam “educadas em instituições públicas”.
Para Winston,
dificilmente tal projeto se tornaria inteiramente fatível. Ele mesmo não
acreditava que se devesse levar a sério tais ideias... A única explicação para
a insistência do Partido na política AntiSexo estava no fato de ela se encaixar
na ideologia do IngSoc, daí pretender “matar o instinto sexual” ou, sendo isso
impossível, distorcê-lo para torná-lo repugnante.
O
que se podia fazer? Não era possível entender os motivos de mais essa máxima do
Partido... Para Winston, não valia a pena preocupar-se em buscar resposta, pois
entendia que a ideia estava de acordo com a filosofia do regime. O interessante
é que, entre as mulheres, a aversão ao sexo pregada pelo Partido encontrava boa
receptividade...
(...)
Já fazia mais de dez
anos que Winston e Katharine haviam se separado... Ela era mais alta do que a
média das mulheres, tinha cabelos claros e uma aparência enigmática com seu
“rosto aquilino” que atraía as atenções...
Normalmente Winston
não pensava nela... No momento ela surgiu em suas reflexões porque se recordava
da ocasião em que estivera no porão imundo com uma estranha que negociava o
corpo. Viveu com ela não mais do que um ano e três meses até se separarem
definitivamente. Não havia um processo de divórcio porque o Partido não
permitia, todavia incentivava-se “a separação quando não havia filhos”.
Cedo Winston entendeu que o “rosto aquilino”, que para alguns podia ser
sinal de rara inteligência e autonomia intelectual, não tinha muito a lhe
oferecer. Bem o contrário disso, percebeu que a mente da esposa era “estúpida,
vulgar e vazia”. Tempos depois, reconheceu que esse severo e sincero julgamento
se devia ao fato de a conhecer “mais intimamente do que à maioria das pessoas”.
Ele se sentia incomodado com o modo como Katharine assimilava as
determinações do Partido, por mais imbecis que fossem, sem qualquer apreciação
crítica. É claro que esse era o caso da esmagadora maioria das pessoas, o
problema era a convivência íntima e diária com um tipo que trazia a ideologia
do IngSoc impregnada em seu ser. Todavia esse não foi o principal motivo da
separação... Suportaria sua cegueira política se o satisfizesse sexualmente. O
caso é que Katharine se encolhia e parecia petrificar assim que ele a tocava ou
a abraçava, além disso, quando ela tomava a iniciativa de aproximação parecia sentir
repulsa.
De acordo com ele mesmo, “era a rigidez dos seus
músculos que dava aquela impressão”. A mulher se relacionava como se fosse um
autômato e, como não poderia deixar de ser, isso o tornou indiferente. De sua
parte, concordaria em conviver mantendo-se celibatário, mas ela não aceitou porque
estava convicta de que “deviam produzir um filho”.
Na memória de Winston
impregnou-se o roteiro da relação:
“De
modo que o exercício continuou a ter lugar, uma vez por semana, regularmente,
sempre que não fosse impossível. Ela chegava a lembrá-lo pela manhã, como uma
tarefa que deve ser feita à noite e que não pode ser esquecida. Referia-se ao
ato com duas expressões. Uma era ‘fazer um filho,’ e a outra era ‘nosso dever
ante o Partido’ (sim, palavras textuais)”.
Não
foi por acaso que ele mesmo passou a aborrecer-se conforme se aproximava o
momento por ela convencionado.
Não tiveram filho... E
aos poucos Katharine admitiu que era melhor colocar um fim às tentativas. Pouco
tempo depois separaram-se definitivamente.
(...)
As
lembranças o levaram a suspirar...
Na
sequência voltou a fazer registros no diário.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-mais-respeito-das.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto