domingo, 11 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – ainda a manifestação dos “dois minutos de ódio” daquela manhã; Winston transferiu todo o ódio que estava sentindo à mulher dos cabelos negros; reconhecendo a atração que sentia pela outra e os desejos de assediá-la com sadismo até aniquilá-la; um jogo de imagens transformaram o Goldstein da tela em um ameaçador soldado inimigo até surgir a fisionomia do Grande Irmão; manifestações de devoção extremada ao grande líder; postura alinhada de Winston, troca de olhar com O’Brien e estranha sensação de comprometedora comunicação

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-manifestacoes-de.html antes de ler esta postagem:

Durante a gritaria e manifestações de aversão ao inimigo da nação, podia ocorrer de o indivíduo transferir o ódio a outra direção, sem ser para o que se via na teletela... Pelo menos Winston experimentou essa sensação e, não sem esforço, voltou toda a sua repugnância para a mulher de cabelos escuros que se sentava atrás dele.
Imediatamente passou a imaginar situações de sadismo em que a espancava com um “cajado de borracha”. E tão violentamente a golpeava que chegaria a matá-la. Em seu delírio, a amarraria num poste completamente nua e a encheria de flechadas tal como um “São Sebastião”. Em meio ao alvoroço em protesto ao Goldstein, se imaginava violentando-a sexualmente e a degolando no ápice do ato.
Mais que nunca, parecia entender o motivo que o levava a odiá-la. Além de “bonita e assexuada”, era jovem e o atraía a ponto de desejá-la ardentemente mesmo sabendo que não havia a menor possibilidade de isso se concretizar, já que em sua bela e atraente cintura trazia o sinal de zelo pela castidade. Obviamente ele só podia detestar aquela faixa escarlate...
(...)
A sala estava tomada pelo ódio, cadeiras eram arrastadas por homens e mulheres ruborizados de tanto que gritavam. A teletela continuava a exibir em primeiro plano o rosto enorme do Goldstein... Sua voz tornou-se ainda mais parecido com um balido, enquanto sua fisionomia adquiriu traços de um carneiro. Isso foi por um breve instante porque sobre ela surgiu a cara de um enorme soldado inimigo que avançava também aos gritos e portando uma metralhadora ameaçadora.
Todos tiveram a sensação de que o soldado escaparia da tela. Isso assustou os que estavam mais próximos da placa metálica, sendo que os que permaneciam sentados atiraram-se para trás... Todavia a visão aterrorizante transformou-se e aos poucos apareceu a fisionomia com os “cabelos e bigodes negros, cheia de força e de misteriosa calma, e tão vasta que tomava quase toda a tela”. As pessoas sentiram grande alívio ao enxergarem o Grande Irmão...
O grande líder pronunciou palavras de confiança e de incentivo ao enfrentamento, mas poucos o ouviram, já que lentamente se recuperavam do estresse a que haviam sido submetidos anteriormente. Logo o rosto do grande Irmão desapareceu e a tela passou a exibir em letras grandes as máximas do IngSoc: “Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força”.
O rosto do Grande Irmão havia desaparecido, mas ele permanecia por algum tempo na retina dos presentes.
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Na sequência as pessoas expressaram a sua gratidão ao grande líder... A mulherzinha que tinha o cabelo da cor de areia jogou-se para a frente e, praticamente de joelhos, passou a murmurar algo como uma oração... “Meu Salvador”, era o que dizia ao mesmo tempo em que erguia os braços na direção da tela. Emocionada, escondeu o próprio rosto com as mãos.
A comoção tornou-se ainda maior na medida em que todos gritaram “G.I.!...G.I.! ... G.I.!"... E essa manifestação, acompanhada por batidas dos pés e sons de tambores parecia que não teria fim...
A emocionante agitação marcada pelo coro mais se assemelhava aos rituais primitivos. Ao mesmo tempo em que rendia homenagem ao Grande Irmão, funcionava como um exercício de “auto-hipnose” que, deliberadamente, anulava a consciência dos adeptos.
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Obviamente Winston participava do ritual que encerrava os “Dois Minutos de Ódio”, nem poderia proceder de modo diferente... Também ele participava do coro em honra ao Grande Irmão, mas em seu íntimo o pavor o dominava. Então, enquanto fazia o que os demais faziam, procurava controlar a própria emoção e as feições para não despertar qualquer desconfiança.
Ele sempre cuidou desse detalhe com o máximo cuidado, pois sabia que um mínimo vacilo poderia revelar sua insegurança e aversão ao sistema. Então aconteceu de o seu olhar encontrar o de O’Brien que estava recolocando os óculos...
Isso foi por “uma fração de segundo” e pouco depois ele nem saberia dizer se, de fato, havia ocorrido mesmo. Mas, naquele momento exato, Winston teve a convicção de que o membro do Partido Interno pensava o mesmo que ele... Em sua opinião, havia ocorrido uma comunicação que se realizou justamente porque ambos pensavam o mesmo... É como se seus espíritos tivessem se entendendo “e os pensamentos de um passaram ao outro, pelos olhos”.
Winston concluiu que O’Brien lhe transmitia afirmações comprometedoras: "Estou contigo"; "Sei exatamente o que sentes. Sei tudo de teu desprezo, teu ódio, teu nojo. Mas não te aflijas, estou a teu lado!"
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Como afirmou-se anteriormente, ele foi tomado por esse pensamento por um lapso de tempo... Na sequência notou que a fisionomia de O’Brien voltara a se tornar tão fechada e misteriosa quanto às dos demais.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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