quarta-feira, 28 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – Syme não poupa a emoção ao falar a respeito das execuções públicas; gin Vitória antes de encarar a refeição pesada e nada apetitosa; outro tipo empolgado com o regime almoça numa mesa próxima; sobre a redução de palavras na edição “definitiva” do dicionário de “novilíngua” e exemplos significativos

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-finalizando.html antes de ler esta postagem:

Depois Syme se pôs a falar com animação sobre os ataques que as tropas da Oceania realizaram contra aldeias inimigas... Falou a respeito de revelações e confissões de “ideocriminosos”, além de outras execuções realizadas nos subterrâneos do Ministério do Amor. Winston procurou desviar o olhar para não ser alvo dos exames do outro. Sabia que tinha de mudar de assunto, pois se sentia desconfortável quando ele se empolgava com as narrativas que envolviam ações de guerra e punições promovidas pelo Partido. Sabia que era melhor fazê-lo falar a respeito do seu trabalho com a equipe responsável pela “Décima Primeira Edição do dicionário da Novilíngua”.
Ainda animado, o tipo seguiu falando que o enforcamento havia sido muito bom. Reclamava apenas de terem amarrado os pés do condenado, pois gostava de ver as pernas agitadas. Apesar disso, sentia-se satisfeito porque o detalhe que mais apreciava era a língua azulada para fora da boca quando o executado morria de sufocamento.
(...)
A refeição era servida por um prole que orientou para que se adiantassem. Winston e Syme ajeitaram as bandejas e o tipo os serviu com uma concha: “um guisado rosa-cinza, um pedaço de pão, um cubo de queijo, uma xícara de Café Vitória preto, um tablete de sacarina”.
Syme sugeriu ocuparem uma mesa perto da teletela e pegarem um gin enquanto se encaminhavam.
Instalaram-se na mesa de metal que estava engordurada por um resto de comida que mais se parecia com um vômito. Winston tomou o gin oleoso de uma vez e sentiu os olhos se encherem de lágrimas. A bebida ressaltou a fome e por isso atacou o cozido esponjoso a colheradas.
Não se falaram enquanto esvaziavam a bandeja... Em uma mesa próxima havia um tipo que falava rapidamente e sem parada. Winston arriscou perguntar sobre o trabalho com o dicionário e Syme respondeu que “estava devagar”, no momento dedicava-se aos adjetivos e que era algo fascinante.
Empolgou-se ao falar da “novilíngua”. Enquanto manipulava alguns restos, inclinou o tronco de modo a aproximar-se do Winston para falar-lhe. Disse que a edição na qual trabalhavam seria a definitiva, pois conseguiriam “dar à língua a sua forma final”. Salientou que a partir do momento em que se tornasse oficial não haveria outra forma de falar e que pessoas como o próprio Winston teriam de passar por um novo aprendizado.
Syme continuou dizendo que achava que o camarada devia pensar que o trabalho da equipe que discutia o novíssimo dicionário se baseava unicamente na criação de novas palavras. Explicou que era bem o contrário, já que a cada dia “destruíam dezenas ou centenas de palavras” e dessa forma tornavam a língua mais eficaz. Depois estimou que, ainda que setenta anos se passassem, o léxico continuaria atual.
(...)
Continuou a falar apaixonadamente enquanto petiscava nacos de pão e de queijo. Sua expressão havia mudado de tal modo que, em vez da fisionomia dos que sondam embustes, passou a revelar um tipo sonhador empolgado com a “destruição de palavras”. Disse que, apesar das dificuldades com verbos e adjetivos, havia muitos substantivos que podiam ser extintos...
Sinônimos e antônimos! Exclamou que não havia qualquer necessidade de existirem palavras que eram “apenas o contrário de outra”, já que todas carregam em si mesmas o seu contrário. Para melhor se fazer entender, Syme deu vários exemplos a respeito que faziam parte de suas convicções. Disse que temos a palavra “Bom”, que traz em si mesma o significado, então, obviamente tudo o que “não é bom” deve ser chamado de “Imbom”. A palavra “Mau” deve ser extinta, pois é desnecessária.
Ainda em relação ao exemplo anterior, o filólogo garantiu que “Imbom” é mais significativa “porque é exatamente oposta” a “Bom”, e não se pode dizer o mesmo em relação a “Mau”.
E disse mais ao Winston... Garantiu que quando pretendemos adjetivar coisas ou situações que são “mais do que boas”, procuramos palavras como “excelente”, “esplêndido” e várias outras... De acordo com a reforma que estavam elaborando, passariam a ter “Plusbom” para indicar a qualidade do que supera o “Bom”; e “Dupliplusbom” para ressaltar ainda mais.
Aquilo não era novidade para Winston e os demais que já conviviam com os formatos em “novilíngua”, mas, de acordo com Syme a versão final do trabalho não traria outras formas. Sentenciou que “o conceito de bondade e maldade” passaria a ser descrito a partir de apenas uma forma. Por fim teceu elogios ao Grande Irmão, o autor da espetacular ideia.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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