Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-finalizando.html antes
de ler esta postagem:
Depois Syme se pôs a falar com animação sobre os
ataques que as tropas da Oceania realizaram contra aldeias inimigas... Falou a
respeito de revelações e confissões de “ideocriminosos”, além de outras
execuções realizadas nos subterrâneos do Ministério do Amor. Winston procurou
desviar o olhar para não ser alvo dos exames do outro. Sabia que tinha de mudar
de assunto, pois se sentia desconfortável quando ele se empolgava com as
narrativas que envolviam ações de guerra e punições promovidas pelo Partido.
Sabia que era melhor fazê-lo falar a respeito do seu trabalho com a equipe
responsável pela “Décima Primeira Edição do dicionário da Novilíngua”.
Ainda animado, o tipo
seguiu falando que o enforcamento havia sido muito bom. Reclamava apenas de
terem amarrado os pés do condenado, pois gostava de ver as pernas agitadas.
Apesar disso, sentia-se satisfeito porque o detalhe que mais apreciava era a
língua azulada para fora da boca quando o executado morria de sufocamento.
(...)
A refeição era servida por um prole que orientou para que se
adiantassem. Winston e Syme ajeitaram as bandejas e o tipo os serviu com uma
concha: “um guisado rosa-cinza, um pedaço de pão, um cubo de queijo, uma xícara
de Café Vitória preto, um tablete de sacarina”.
Syme
sugeriu ocuparem uma mesa perto da teletela e pegarem um gin enquanto se
encaminhavam.Instalaram-se na mesa de metal que estava engordurada por um
resto de comida que mais se parecia com um vômito. Winston tomou o gin oleoso
de uma vez e sentiu os olhos se encherem de lágrimas. A bebida ressaltou a fome
e por isso atacou o cozido esponjoso a colheradas.
Não se falaram
enquanto esvaziavam a bandeja... Em uma mesa próxima havia um tipo que falava
rapidamente e sem parada. Winston arriscou perguntar sobre o trabalho com o
dicionário e Syme respondeu que “estava devagar”, no momento dedicava-se aos
adjetivos e que era algo fascinante.
Empolgou-se
ao falar da “novilíngua”. Enquanto manipulava alguns restos, inclinou o tronco
de modo a aproximar-se do Winston para falar-lhe. Disse que a edição na qual
trabalhavam seria a definitiva, pois conseguiriam “dar à língua a sua forma
final”. Salientou que a partir do momento em que se tornasse oficial não
haveria outra forma de falar e que pessoas como o próprio Winston teriam de
passar por um novo aprendizado.
Syme continuou
dizendo que achava que o camarada devia pensar que o trabalho da equipe que
discutia o novíssimo dicionário se baseava unicamente na criação de novas
palavras. Explicou que era bem o contrário, já que a cada dia “destruíam
dezenas ou centenas de palavras” e dessa forma tornavam a língua mais eficaz.
Depois estimou que, ainda que setenta anos se passassem, o léxico continuaria
atual.
(...)
Continuou a falar apaixonadamente enquanto petiscava nacos de pão e de
queijo. Sua expressão havia mudado de tal modo que, em vez da fisionomia dos
que sondam embustes, passou a revelar um tipo sonhador empolgado com a
“destruição de palavras”. Disse que, apesar das dificuldades com verbos e
adjetivos, havia muitos substantivos que podiam ser extintos...
Sinônimos e antônimos! Exclamou que não havia qualquer necessidade de
existirem palavras que eram “apenas o contrário de outra”, já que todas carregam
em si mesmas o seu contrário. Para melhor se fazer entender, Syme deu vários
exemplos a respeito que faziam parte de suas convicções. Disse que temos a
palavra “Bom”, que traz em si mesma o significado, então, obviamente tudo o que
“não é bom” deve ser chamado de “Imbom”. A palavra “Mau” deve ser extinta, pois
é desnecessária.
Ainda em relação ao exemplo anterior, o filólogo
garantiu que “Imbom” é mais significativa “porque é exatamente oposta” a “Bom”,
e não se pode dizer o mesmo em relação a “Mau”.
E disse mais ao Winston...
Garantiu que quando pretendemos adjetivar coisas ou situações que são “mais do
que boas”, procuramos palavras como “excelente”, “esplêndido” e várias
outras... De acordo com a reforma que estavam elaborando, passariam a ter
“Plusbom” para indicar a qualidade do que supera o “Bom”; e “Dupliplusbom” para
ressaltar ainda mais.
Aquilo
não era novidade para Winston e os demais que já conviviam com os formatos em
“novilíngua”, mas, de acordo com Syme a versão final do trabalho não traria
outras formas. Sentenciou que “o conceito de bondade e maldade” passaria a ser
descrito a partir de apenas uma forma. Por fim teceu elogios ao Grande Irmão, o
autor da espetacular ideia.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-consideracoes-de.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto