sábado, 17 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – o outro sonho recorrente; uma bela paragem e uma mulher atraente e ousada; inferindo os significados que só podiam estar vinculados às posturas culturais do passado; despertando para a ginástica da manhã; exercícios comandados pela instrutora desde a teletela; mantendo a aparência e refletindo sobre o longínquo e apagado passado; Inglaterra = Pista Nº 1

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-livrando-se-da.html antes de ler esta postagem:

Como salientado anteriormente, o sonho tinha um prosseguimento e Winston se via em outro cenário. Este, bem diferente do anterior, estava marcado por uma extensa relva macia num princípio de noite agradável “em que os raios oblíquos do sol ainda douravam o chão”. A paisagem era tão frequente em seus sonhos que achava que já a contemplara em alguma paragem real. Como não tinha certeza, chamava-a Terra Dourada.
O ambiente do segundo sonho “era um velho pasto estragado pelos coelhos, com uma picada que serpeava de um lado a outro, e pontilhado de cupins”. Um vasto campo... Desde o outro lado viam-se grandes ulmeiros que tinham a folhagem agitada pelo vento tal como a cabeleira das mulheres.
Winston tinha certeza de que próximo dali havia um riacho agradável e limpo, onde cardumes nadavam junto às margens assombreadas pelos longos ramos dos chorões...
Na sequência, uma bela moça de cabelos escuros tomava conta da paisagem. Ela já surgia caminhando sobre a relva e em sua direção... Então, “de um momento para outro ela se livra de suas vestes e revela um ‘corpo alvo e macio’. O rapaz não se sensibiliza pela visão, já que mal a olha”.
Neste ponto do sonho, o que mais chamava a atenção de Winston era o modo como a mulher se livrava naturalmente das roupas que atirava para um dos lados. Havia em seu gesto ”graça e displicência”, a ousadia de quem espera:

                   “aniquilar uma cultura inteira, todo um sistema de pensamento, como se o Grande Irmão, o Partido e a Polícia do Pensamento pudessem ser lançados ao nada por um gesto simples e esplêndido”.

A rebeldia manifestada pela mulher do sonho só podia pertencer “aos tempos antigos”.
(...)
Às sete e quinze da manhã a teletela emitiu um apito contínuo por trinta segundos. Aquele sinal despertava os “empregados de escritórios” para mais um dia de trabalho... Como consequência do final do sonho, Winston acordou “com a palavra ‘Shakespeare’ nos lábios”.
Ele dormia sem pijama. E isso porque fazia parte do pessoal do Partido Externo, que recebia apenas três mil cupons para a aquisição de vestuário. Para termos uma ideia, teria de gastar vinte por cento desse total para trocar por roupa de dormir, por isso dormia nu. Mas isso fazia parte de uma rotina que já não o perturbava, assim, tratou de pegar a camiseta que já vinha usando e que estava sobre a cadeira próxima à sua cama para participar da Educação Física...
Mal começara a se vestir e pôs-se a tossir violentamente. Isso sempre acontecia depois que se levantava pela manhã. O mal-estar só aliviava depois que ele se deitava de costas e exercitava os pulmões aspirando vigorosamente o ar diversas vezes. As tosses provocavam inchaço às veias; doía-lhe sobretudo a variz ulcerada.
Desde a teletela, uma moça muito magra e musculosa começou a convocar os funcionários para os exercícios... O “grupo de trinta a quarenta”, do qual Winston fazia parte, devia colocar-se em posição para os exercícios.
O rapaz colocou-se em “posição de sentido” diante da placa metálica. A “instrutora” trajava o uniforme de ginástica, começou a fazer exercícios físicos e a dar ordens para que todos a imitassem, “dobrar e esticar os braços!”, e no ritmo, “um, dois, três, quatro! um, dois, três, quatro!”. E para incentivar o grupo insistia que se animassem, “vamos, camaradas, um pouco de vida nisso! um, dois, três, quatro! um, dois, três, quatro!”
O incômodo provocado pela tosse não provocou qualquer ruptura da impressão provocada pelos sonhos da noite... E aconteceu mesmo que, de algum modo, os exercícios físicos pareciam reavivá-la. Enquanto movimentava os braços e mantinha o semblante carrancudo (para demonstrar o prazer à Educação Física; algo recomendável), procurava lembrar-se da “efêmera infância”, algo certamente difícil.
(...)
O que se lembrava da época anterior a 1960? Praticamente nada! Não conseguia sequer focalizar a própria existência. Surgiam-lhe situações sobre as quais não podia garantir que de fato haviam ocorrido... Recordava-se vagamente de certos pormenores, mas sem capturar qualquer contexto. No mais, “longos períodos em branco”, que não suscitavam qualquer reflexão, e só podiam lhe ser indiferentes.
Em seu exercício de memória surgiam os nomes de países, algo como o que era aprendido nas escolas ou conversado pelos adultos de então... Antigamente falava-se de Inglaterra, Grã-Bretanha... Não se dizia “Pista Nº 1”! Já a cidade era chamada de “Londres” desde a sua infância.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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