Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-o-fim-dos-dois.html antes
de ler esta postagem:
Winston chegou com todo o cuidado à porta, mas
foi tomado de pavor ao notar que havia deixado o diário aberto bem na página em
que escrevera várias vezes a frase “Abaixo o Grande Irmão”. O problema é que
desde a porta lia-se perfeitamente a mensagem, pois as letras eram grandes
demais.
Errou e sabia que não
voltaria atrás, principalmente porque seu pânico não havia sido suficiente para
fechar e esconder o livro. Sabia que inconscientemente não quisera manchar “o
belo papel creme” com a tinta fresca.
Encheu-se de coragem e abriu a porta... Respirou aliviado assim que se
deparou com uma vizinha, um tipo “insignificante, de cabelo ralo” e marcada por
rugas. Com sua voz triste, ela o tratou por “camarada” e como que a se
desculpar disse que havia percebido que ele havia chegado. Na sequência
perguntou se não podia “dar uma olhada” na pia de sua cozinha.
(...)
Pelo
menos a visita não tinha nada a ver com a sua iniciativa de escrever o diário e
por ter grafado ataques ao Grande Irmão...
Conhecia a mulher,
Sra. Parsons, esposa de Tom Parsons, seus vizinhos de mesmo andar.
(...)
O
Partido orientava as pessoas a se tratarem por “camarada” e ao mesmo tempo
provocava antipatia aos tratamentos “Senhor e Senhora”, que deviam ser
evitados. Winston conhecia a prática e a seguia, todavia, por puro impulso,
referia-se a ela e a outras de mais idade por “Senhora”.
(...)
A Sra. Parsons devia
contar uns trinta anos, mas aparentava bem mais e podia-se notar que escondia
as rugas com pó cosmético. Ela esclareceu que a pia estava entupida...
Winston sabia que a
limpeza do sifão era serviço dos mais desagradáveis e que quase diariamente
havia a necessidade de reparos do mesmo tipo em algum apartamento da “Mansão
Vitória”, um prédio da década de 1930 que “estava caindo aos pedaços”. Para
termos uma ideia, o reboco estava se descolando em vários pontos das paredes e
também dos forros... Os canos arrebentavam nas épocas de mais frio, havia
infiltrações e goteiras sempre que nevava e, além disso, por conta do programa
de economia de combustível, o “sistema de aquecimento funcionava a meio-vapor”.
Os inquilinos preferiam, eles mesmos, resolver os “pequenos problemas”,
principalmente porque quando recorriam à administração ficavam na dependência
de sanções “de remotos comitês, capazes de adiar dois anos a substituição duma
vidraça quebrada”.
(...)
Ainda a se desculpar pelo incômodo, a Sra. Parsons disse que o marido
não estava em casa. Evidentemente queria dizer que ele mesmo resolveria o
entupimento da pia.
Winston notou que o apartamento dos vizinhos era
maior do que o que ele ocupava... Nem por isso era menos obscuro ou marcado
pela desarrumação. Aquele especificamente parecia ter sido invadido por algum
animal selvagem o tivesse.
Depois
de observar mais atentamente, verificou alguns objetos relacionados à prática
de certos esportes: “tacos de hóquei, luvas de boxe, uma bola furada, um par de
shorts suados virados pelo avesso”. Tudo isso abandonado pelo piso.
Sobre uma mesa havia
pratos sujos, cadernos escolares com marcas de gordura e mal-conservados... As
paredes ostentavam bandeiras vermelhas “da Liga da Juventude e dos Espiões”,
além de um cartaz do Grande Irmão em tamanho natural. A atmosfera estava
carregada pelo cheiro do repolho cozido, odor típico dos prédios residenciais
acrescido do suor de Tom Parsons.
Desde a sala, o som da teletela reproduzia uma música militar que os
filhos do casal tentavam acompanhar “com um pente e um pedaço de papel
higiênico”. A Sra. Parsons tinha o hábito de deixar as frases incompletas e foi
dizendo que as crianças não haviam saído, “então, naturalmente...”.
O
rapaz dirigiu-se para a pia e logo viu que o entupimento era agravado pela
sujeira e o mau cuidado da mulher... Uma “água esverdeada, imunda, que fedia a
repolho” a cobria completamente. Sem alternativa, Winston abaixou-se para
observar o sifão. Ter de abaixar-se o levava a tossir, além disso, não lhe
agradava ter de colocar a mão naquela imundície...
A
mulher ficou ao lado sem ter e saber o que fazer. Como que a justificar-se, ela
disse que “naturalmente”, se o marido estivesse em casa, ele mesmo consertaria
sem muita demora. Explicou que Tom era do tipo que gostava daquele tipo de
tarefa, pois era “jeitoso” com os reparos domésticos.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-um-pouco-sobre_14.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto