terça-feira, 13 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – ao se dirigir à porta, Winston notou que deixara as frases contra o Grande Irmão expostas em letras grandes sobre a mesinha; a senhora Parsons solicitava-lhe ajuda para um reparo doméstico; estrutura decadente do prédio, burocracia e morosidade no atendimento à manutenção; o caos no apartamento dos Parsons

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-o-fim-dos-dois.html antes de ler esta postagem:

Winston chegou com todo o cuidado à porta, mas foi tomado de pavor ao notar que havia deixado o diário aberto bem na página em que escrevera várias vezes a frase “Abaixo o Grande Irmão”. O problema é que desde a porta lia-se perfeitamente a mensagem, pois as letras eram grandes demais.
Errou e sabia que não voltaria atrás, principalmente porque seu pânico não havia sido suficiente para fechar e esconder o livro. Sabia que inconscientemente não quisera manchar “o belo papel creme” com a tinta fresca.
Encheu-se de coragem e abriu a porta... Respirou aliviado assim que se deparou com uma vizinha, um tipo “insignificante, de cabelo ralo” e marcada por rugas. Com sua voz triste, ela o tratou por “camarada” e como que a se desculpar disse que havia percebido que ele havia chegado. Na sequência perguntou se não podia “dar uma olhada” na pia de sua cozinha.
(...)
Pelo menos a visita não tinha nada a ver com a sua iniciativa de escrever o diário e por ter grafado ataques ao Grande Irmão...
Conhecia a mulher, Sra. Parsons, esposa de Tom Parsons, seus vizinhos de mesmo andar.
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O Partido orientava as pessoas a se tratarem por “camarada” e ao mesmo tempo provocava antipatia aos tratamentos “Senhor e Senhora”, que deviam ser evitados. Winston conhecia a prática e a seguia, todavia, por puro impulso, referia-se a ela e a outras de mais idade por “Senhora”.
(...)
A Sra. Parsons devia contar uns trinta anos, mas aparentava bem mais e podia-se notar que escondia as rugas com pó cosmético. Ela esclareceu que a pia estava entupida...
Winston sabia que a limpeza do sifão era serviço dos mais desagradáveis e que quase diariamente havia a necessidade de reparos do mesmo tipo em algum apartamento da “Mansão Vitória”, um prédio da década de 1930 que “estava caindo aos pedaços”. Para termos uma ideia, o reboco estava se descolando em vários pontos das paredes e também dos forros... Os canos arrebentavam nas épocas de mais frio, havia infiltrações e goteiras sempre que nevava e, além disso, por conta do programa de economia de combustível, o “sistema de aquecimento funcionava a meio-vapor”.
Os inquilinos preferiam, eles mesmos, resolver os “pequenos problemas”, principalmente porque quando recorriam à administração ficavam na dependência de sanções “de remotos comitês, capazes de adiar dois anos a substituição duma vidraça quebrada”.
(...)
Ainda a se desculpar pelo incômodo, a Sra. Parsons disse que o marido não estava em casa. Evidentemente queria dizer que ele mesmo resolveria o entupimento da pia.
Winston notou que o apartamento dos vizinhos era maior do que o que ele ocupava... Nem por isso era menos obscuro ou marcado pela desarrumação. Aquele especificamente parecia ter sido invadido por algum animal selvagem o tivesse.
Depois de observar mais atentamente, verificou alguns objetos relacionados à prática de certos esportes: “tacos de hóquei, luvas de boxe, uma bola furada, um par de shorts suados virados pelo avesso”. Tudo isso abandonado pelo piso.
Sobre uma mesa havia pratos sujos, cadernos escolares com marcas de gordura e mal-conservados... As paredes ostentavam bandeiras vermelhas “da Liga da Juventude e dos Espiões”, além de um cartaz do Grande Irmão em tamanho natural. A atmosfera estava carregada pelo cheiro do repolho cozido, odor típico dos prédios residenciais acrescido do suor de Tom Parsons.
Desde a sala, o som da teletela reproduzia uma música militar que os filhos do casal tentavam acompanhar “com um pente e um pedaço de papel higiênico”. A Sra. Parsons tinha o hábito de deixar as frases incompletas e foi dizendo que as crianças não haviam saído, “então, naturalmente...”.
O rapaz dirigiu-se para a pia e logo viu que o entupimento era agravado pela sujeira e o mau cuidado da mulher... Uma “água esverdeada, imunda, que fedia a repolho” a cobria completamente. Sem alternativa, Winston abaixou-se para observar o sifão. Ter de abaixar-se o levava a tossir, além disso, não lhe agradava ter de colocar a mão naquela imundície...
A mulher ficou ao lado sem ter e saber o que fazer. Como que a justificar-se, ela disse que “naturalmente”, se o marido estivesse em casa, ele mesmo consertaria sem muita demora. Explicou que Tom era do tipo que gostava daquele tipo de tarefa, pois era “jeitoso” com os reparos domésticos.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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