domingo, 18 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – Refletindo sobre o constante estado de guerra do país; recordações de um bombardeio na época de sua primeira infância e a estação subterrânea como refúgio; um velho embriagado e amargurado pela tragédia; o IngSoc domina o presente, o passado e o futuro; uma “verdade” imposta a respeito dos confrontos e alianças com Lestásia e Eurásia; Winston sabia que o sistema o levava a anular a consciência para que pudesse sobreviver; fim da ginástica da manhã

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-o-outro-sonho.html antes de ler esta postagem:

Ainda durante a ginástica do início do dia, e enquanto refletia a respeito de seu passado, Winston pensou sobre o permanente estado de guerra da Oceania... Não conseguia se recordar de épocas de armistício. Talvez ao tempo de sua infância tivesse ocorrido uma paz relativamente duradoura que se seguiu à bomba atômica lançada sobre Colchester, algo aterrorizante para todos.
(...)
Evidentemente não tinha condições de descrever este bombardeio, mas lembrava alguma coisa a respeito do esforço de seu pai que, ao segurar-lhe pela mão, correu para uma instalação protegida no subterrâneo. Sabia que a corrida o cansara e o levara ao choro, então o pai resolveu parar junto à escadaria que dava acesso a uma estação de trem. A mãe carregava a caçula nos braços (talvez fossem cobertores, já que não tinha certeza de que a irmãzinha já era nascida) e os seguia mais atrás.
A respeito da estação subterrânea, lembrava-se de que o piso estava repleto de pessoas que para lá se dirigiram em busca de refúgio. Muitas estavam acomodadas em rústicas camas dobráveis, e o pai de Winston conseguiu um lugar junto a um casal de velhos. O garoto de então notou que o estranho tinha um rosto avermelhado, olhos azuis lacrimejantes e que usava “um terno escuro, de boa qualidade e boné de pano preto na cabeça toda branca”. O velho transpirava um forte odor de gin e talvez tivesse buscado na embriaguez um alívio para o seu desespero.
Tudo o que o pequeno Winston percebia à sua volta na estação subterrânea parecia repercutir a tragédia que havia atingido a todos, algo para o qual não viam remédio e que pelo visto não perdoariam. Olhando para o velho, imaginava que alguém de sua família, talvez algum neto a quem muito amava, tivesse morrido durante o ataque aéreo.
Se lembrava que o velho repetia de tempos em tempos os mesmos juízos à sua companheira: “Não deviamo tê confiança neles. Eu te disse, Mãe, não disse? Foi nisso que deu tê confiança neles. Foi o que eu sempre disse. Não deviamo tê confiança nos sacana”.
O Winston adulto quisera saber a quem o velho se referia... Quem eram os tais sacanas que “não mereciam confiança”? Pode ser que chegara a conhecer a resposta, todavia os tempos que se seguiram foram de guerra contínua e as convicções acabaram perdendo a importância.
(...)
Então é isso... Seguiram-se tempos de guerras, mas ele sabia que elas não eram necessariamente relacionadas. Ainda da época de sua infância lembrava-se de distúrbios pelas ruas de Londres, confrontos abertos entre grupos. Não havia como distingui-los ou conhecer a história das ideias em confronto porque não restara qualquer documentação ou quem pudesse relatar a respeito.
Esse quadro era bem diferente se comparado ao de 1984 (ainda que não tivesse certeza de que este fosse o ano). Sabia-se que a Oceania vivia conflitos com a Eurásia e que mantinha aliança com a Lestásia. Essa era a “verdade” que ninguém podia contestar e ninguém podia admitir que em algum momento passado a configuração diplomática houvesse sido outra, pois toda documentação e repercussão dos canais oficiais de comunicação garantiam isso.
Winston sabia que não era bem assim. Há apenas quatro anos, a Oceania estivera em guerra contra a Lestásia e mantinha aliança com a Eurásia. A questão é que o IngSoc estabelecia a “verdade oficial”, que era incutida nas consciências através dos mecanismos de controle. Como ninguém ousava contradizer o que era propagado, aceitava-se que “a Oceania sempre estivera em guerra com a Eurásia. O inimigo do momento representava sempre o mal absoluto, daí decorrendo a impossibilidade de qualquer acordo passado ou futuro com ele”.
(...)
Sofrendo para se manter ativo durante os exercícios físicos orientados pela instrutora da teletela, Winston continuou a refletir sobre o poder que o Partido tinha de “controlar o passado” e cravar à toda sociedade que “este ou aquele acontecimento nunca se verificou”.
Não era nada fácil manter-se em plena consciência naquelas circunstâncias. Ele sofria porque sabia que a realidade, do presente e do passado, não correspondia ao que o Partido propagava, e sofria porque sabia que sua sobrevivência dependia de “aniquilar o que trazia na consciência”.
Reconheceu que essa realidade era das mais aterrorizantes, bem pior do que “a tortura e a morte”. O caso é que as pessoas aceitavam tudo o que o Partido impunha. O IngSoc dominava o sistema de tal modo que conseguia transformar a mentira em história. A mentira se transformava em verdade, e isso era resultado de outra máxima do Partido:

                   "Quem controla o passado, controla o futuro: quem controla o presente controla o passado".

Winston sabia bem que o passado não podia ser alterado. A “verdade” institucionalizada era “a verdade do sempre ao sempre”, uma invenção do sistema a serviço do IngSoc... O Partido que controlava a realidade através, dentre outros mecanismos, do “duplipensar”.
(...)
De repente, a orientadora da Educação Física gritou “descansar!” desde a teletela.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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