quarta-feira, 14 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – um pouco sobre Tom Parsons, trabalho no Ministério da verdade e sua “estupidez paralisante”; os filhos fanatizados do casal; consertando o sifão imundo; saia justa provocada pela espontaneidade militante das crianças; o “passatempo” dos enforcamentos públicos; ameaças dos pequenos espiões e projétil dolorido na nuca

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-ao-se-dirigir.html antes de ler esta postagem:

Tom Parsons também trabalhava no Ministério da Verdade. Tratava-se de um tipo gorducho, que se envolvia no maior número de atividades que pudesse... Winston o considerava o entusiasmo do outro uma imbecilidade e, contrariando o que a maioria pensava, o via como exemplo de “estupidez paralisante”, um servo que se dispunha à total dedicação ao Partido...
Aliás, a estabilidade do Partido dependia da fidelidade de tipos como o Tom Parsons, e isso o rapaz não deixava de notar e criticar em seu íntimo. A trajetória dele era marcada pelo engajamento fanático aos segmentos sociais do IngSoc, dessa forma permaneceu um ano a mais do permitido no grupo dos “Espiões”. Depois ingressou na Liga da Juventude, de onde só se desligou aos trinta e cinco anos.
Seu trabalho no Ministério não exigia maiores habilidades cognitivas e ele se adaptava facilmente às tarefas que exigiam subordinação... Isso à parte, destacava-se nos eventos planejados pelo Comitê Esportivo e nos demais relacionados às organizações “de piqueniques e passeatas comunais, demonstrações espontâneas, campanhas de economia e atividades voluntárias em geral”.
Tom era do tipo que demonstrava orgulho com quem quer que falasse a respeito de sua assiduidade nos eventos noturnos do Centro Comunal durante os últimos quatro anos. Pelo visto pensava que o forte cheiro de seu suor fosse a chancela que a todos revelava o seu empenho incondicional ao congraçamento dos camaradas.
(...)
Winston voltou-se para a Sra. Parsons e perguntou se ela sabia onde estava a chave inglesa... Ela pareceu indecisa e lembrou que talvez as crianças pudessem ajudar. Dirigiu-se à sala e o rapaz pôde ouvir fortes pisadas de botinas e os sons extraídos do pente com o qual se entretinham...
Depois de algum tempo, ela retornou à cozinha com a ferramenta. Winston a manipulou no sifão e conseguiu liberar a água imunda que estava acumulada. Com a sujeira, retirou um grande volume de cabelos que entupiam o sistema. Na sequência lavou as mãos e seguiu para a sala, onde foi cercado pelo garoto de nove anos e sua irmã que contava sete anos.
O menino, que fazia o tipo encrenqueiro e portava “uma pistola automática de brinquedo”, gritou ao estranho que levantasse as mãos para o alto... A menina o acompanhava nas ameaças segurando “um pedaço de madeira”.
As duas crianças usavam “calções azuis, camisas cinzentas e o lenço vermelho que compunham o uniforme dos Espiões”. A situação era das mais desagradáveis, pois os dois se mostravam tão fanatizados que Winston não conseguia participar da dramatização com qualquer gracejo...
O menino pôs-se a gritar que ele era um traidor, “um ideocriminoso, um espião eurasiano”. Em sua fantasia, o mataria por se tratar de um inimigo, que devia ser vaporizado, ou ainda mandado para as minas de sal.
Para quem estivera há pouco redigindo mensagens contrárias ao Grande Irmão, aquilo só podia ser um pesadelo...
(...)
Os filhos dos Parsons começaram a dar pulos à sua volta ao mesmo tempo em que berravam que ele era traidor e “ideocriminoso”. Em tudo a garota imitava o irmão. Para Winston, o jogo das crianças lembrava “um brinquedo de filhotes de tigre, que breve serão devoradores de homens”. Ele notou que os olhos do menino exibiam a “ferocidade calculadora, um desejo bastante evidente de esmurrar ou dar-lhe um pontapé”. A Sra. Parsons mostrava-se nervosa... Estarrecida, parecia não conseguir dizer nada enquanto olhava para os filhos e para o vizinho alternadamente. Também apavorado, o rapaz notou neste momento que, de fato, ela trazia pó cosmético no rosto a fim de esconder as rugas.
Depois de algum tempo a mulher conseguiu comentar que as crianças ficavam barulhentas supostamente “porque não puderam assistir ao enforcamento”. Lamentou por não ter condições de levá-los e que o marido só chegaria do trabalho depois da execução pública. No mesmo instante, o garoto começou a questionar por que não podiam ir ao enforcamento e que ele queria “vê o enforcamento”. Sua irmã o imitou também nisso.
(...)
Naquela noite seriam enforcados alguns “prisioneiros eurasianos, criminosos de guerra” em parque aberto. Esse tipo de evento era aberto ao público ao mesmo uma vez por mês e os filhos dos Parsons sempre participavam porque exigiam que Tom os levassem...
(...)
Muito desajeitadamente, Winston se despediu e dirigiu-se para a porta... Começou a caminhar pelo corredor e sentiu algo como “um arame em brasa” atingindo sua nuca com violência. Virou-se e notou que a Sra. Parsons estava puxando o filho de volta para o apartamento. Viu que o garoto possuía um estilingue, certamente a “arma” utilizada para o seu ataque.
Ainda o ouviu chamá-lo de "Goldstein", mas o que mais chamou sua atenção “foi o olhar de terror inerme” da mulher que tinha um semblante acinzentado.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas