Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-teletela.html antes
de ler esta postagem:
O governo havia desenvolvido a “novilíngua”, a
“nova língua” que simplificava a comunicação. O método consistia na aglutinação
de palavras e, de acordo com o que se propagava, aperfeiçoava a transmissão e
entendimento de conceitos.
Algumas palavras
citadas até aqui estão em “novilíngua”: IngSoc; teletela; novilíngua... Em
breve trataremos um pouco mais a respeito, no momento interessa saber que cada
um dos ministérios anteriormente citados também tinha denominação em
“novilíngua”. Assim, o Ministério da Verdade era conhecido como Miniver; o
Ministério da Paz como Minipaz; o Ministério do Amor como Miniamo; e o
Ministério da Fartura como Minifarto.
(...)
De fato, os lemas do IngSoc, “Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão.
Ignorância é Força”, transmitiam contradições difíceis de serem assimiladas...
A questão fica ainda mais patente quando nos referimos ao Miniamo (o Ministério
do Amor), cujo prédio não tinha sequer uma janela. Era de causar pavor!
Winston
jamais se aproximara da enorme construção. Sabia-se que apenas os que exerciam
alguma “função oficial” relacionada ao ministério tinham acesso... E mesmo para
eles não era algo tranquilo, já que deviam atravessar “um labirinto de rolos de
arame farpado, portas de aço e ninhos de metralhadoras”. Além disso, “as ruas
que conduziam às suas barreiras externas eram percorridas por guardas de cara
de gorila e fardas negras, armados de porretes articulados”.
(...)
Winston refletiu
sobre todas essas coisas enquanto esteve junto à janela de seu apartamento. Então
assumiu uma expressão otimista no momento de deixar a posição, já que teria de
voltar a ficar de frente para a teletela e não podia apresentar-se amuado.
Passou
pelo cômodo rapidamente e logo entrou na cozinha, que era bem pequena e desabastecida,
onde só havia um resto de “pão escuro” destinado ao desjejum do dia seguinte. Recorreu
a uma garrafa de gin, o “Gin Vitória” (de “cheiro enjoado, oleoso, como de vinho
de arroz chinês”), e serviu-se de uma boa quantidade numa xícara, que foi
ingerida tal como remédio.
A bebida forte o fez
lacrimejar. Em vez de proporcionar algum prazer, caia-lhe como uma forte “pancada
com um tubo de borracha”. O líquido incolor bem podia ser algum ácido em vez de
gin. Mas era isso do que dispunha no momento... Sentiu a pele queimar e um
tremendo desconforto no estômago... Isso demorou pouco, já que de repente os
incômodos se arrefeceram e “o mundo lhe pareceu mais ameno”.
Pegou um cigarro (de
um maço com a inscrição “Cigarros Vitória”). Não teve o cuidado de segurá-lo na
horizontal e por causa disso o fumo se perdeu ao cair no piso ladrilhado. Teve
mais cuidado com o outro.
(...)
Esses trechos são interessantes na medida em que nos revelam a
precariedade da vida dos cidadãos comuns. Faltava o básico para que pudessem
garantir a subsistência, apesar de o partido investir altas somas nas
estruturas de governo, repressão e vigilância.
A semelhança com o que se propagava a respeito da situação precária na
URSS não é mero acidente.
(...)
O rapaz voltou à sala e colocou-se à esquerda da
teletela... Ele sabia que naquela posição junto à parede não podia ser captado
pelo equipamento de vigilância. Não entendia como os responsáveis pela definição
das plantas dos apartamentos e pela instalação do aparelho não perceberam
aquela falha, algo “fora do comum”, já que o equipamento de teletela era sempre
colocado em posição privilegiada, “na parede de fundo”, dominando o aposento.
Na sala do
apartamento de Winston Smith, o aparelho estava afixado na parede maior e de
frente para a janela... Então ele sabia que onde havia se posicionado não podia
ser “visto” pelo equipamento. Ali havia uma “reentrância” que talvez fosse
destinada a uma estante... Neste nicho, um ponto cego para a teletela, tinha
uma mesinha dotada de gaveta onde estavam guardados caneta, tinteiro e um “livro
em branco, de lombo vermelho e capa de cartolina de mármore”.
Ao instalar-se na cadeira encostada à parede, sabia que não podia ser
visto. Essa certeza o levava a iniciar uma atividade altamente arriscada, mas
estava disposto a fazê-la e isso o levou a retirar o caderno da gaveta, “um
livro lindo” com folhas macias de matiz creme e “ligeiramente amareladas pelo
tempo”. Algo raro, pois já fazia uns quarenta anos que não se utilizava aquele
tipo de material de escritório. Especificamente o que ele tinha em mãos devia ter
sido encadernado há mito mais do que quatro décadas.
(...)
Antes
de tratarmos especificamente do objetivo de Winston naquela tarde, é importante
sabermos como ele adquiriu o belo livro com folhas em branco...
O caso é que esteve
numas andanças por um “bairro pobre da cidade” e deparou-se com uma vitrine “de
um triste bricabraque” onde o livro estava exposto. Como as demais de seu
gênero, tratava-se de uma loja especializada em artigos usados ou antigos, sem
aparente serventia ou destinados à decoração.
Os
membros do partido não tinham autorização de “transacionar no mercado livre”,
portanto estavam proibidos a entrar em lojas como aquela... Porém isso não era
totalmente obedecido, já que havia certos artigos, como cadarços e lâminas de
barbear, que só podiam obter nesses locais.
Interessado pelo livro, Winston tomou todo cuidado para entrar no “bricabraque”
e comprar a encadernação por “dois dólares e cinquenta”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-winston-pensou.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto