quarta-feira, 7 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – um pouco sobre a “novilíngua” criada pelo regime; sobre a agressiva estrutura física do ministério do amor; é aconselhável disfarçar o ânimo ao passar diante da teletela; escassez na cozinha, um gin que parece veneno e cigarros de “quinta categoria”; um nicho em “ponto cego” na sala, mesa com caneta, tinteiro e uma bela encadernação; sobre a aquisição do livro num “bricabraque” proibido aos membros do partido

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-teletela.html antes de ler esta postagem:

O governo havia desenvolvido a “novilíngua”, a “nova língua” que simplificava a comunicação. O método consistia na aglutinação de palavras e, de acordo com o que se propagava, aperfeiçoava a transmissão e entendimento de conceitos.
Algumas palavras citadas até aqui estão em “novilíngua”: IngSoc; teletela; novilíngua... Em breve trataremos um pouco mais a respeito, no momento interessa saber que cada um dos ministérios anteriormente citados também tinha denominação em “novilíngua”. Assim, o Ministério da Verdade era conhecido como Miniver; o Ministério da Paz como Minipaz; o Ministério do Amor como Miniamo; e o Ministério da Fartura como Minifarto.
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De fato, os lemas do IngSoc, “Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força”, transmitiam contradições difíceis de serem assimiladas... A questão fica ainda mais patente quando nos referimos ao Miniamo (o Ministério do Amor), cujo prédio não tinha sequer uma janela. Era de causar pavor!
Winston jamais se aproximara da enorme construção. Sabia-se que apenas os que exerciam alguma “função oficial” relacionada ao ministério tinham acesso... E mesmo para eles não era algo tranquilo, já que deviam atravessar “um labirinto de rolos de arame farpado, portas de aço e ninhos de metralhadoras”. Além disso, “as ruas que conduziam às suas barreiras externas eram percorridas por guardas de cara de gorila e fardas negras, armados de porretes articulados”.
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Winston refletiu sobre todas essas coisas enquanto esteve junto à janela de seu apartamento. Então assumiu uma expressão otimista no momento de deixar a posição, já que teria de voltar a ficar de frente para a teletela e não podia apresentar-se amuado.
Passou pelo cômodo rapidamente e logo entrou na cozinha, que era bem pequena e desabastecida, onde só havia um resto de “pão escuro” destinado ao desjejum do dia seguinte. Recorreu a uma garrafa de gin, o “Gin Vitória” (de “cheiro enjoado, oleoso, como de vinho de arroz chinês”), e serviu-se de uma boa quantidade numa xícara, que foi ingerida tal como remédio.
A bebida forte o fez lacrimejar. Em vez de proporcionar algum prazer, caia-lhe como uma forte “pancada com um tubo de borracha”. O líquido incolor bem podia ser algum ácido em vez de gin. Mas era isso do que dispunha no momento... Sentiu a pele queimar e um tremendo desconforto no estômago... Isso demorou pouco, já que de repente os incômodos se arrefeceram e “o mundo lhe pareceu mais ameno”.
Pegou um cigarro (de um maço com a inscrição “Cigarros Vitória”). Não teve o cuidado de segurá-lo na horizontal e por causa disso o fumo se perdeu ao cair no piso ladrilhado. Teve mais cuidado com o outro.
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Esses trechos são interessantes na medida em que nos revelam a precariedade da vida dos cidadãos comuns. Faltava o básico para que pudessem garantir a subsistência, apesar de o partido investir altas somas nas estruturas de governo, repressão e vigilância.
A semelhança com o que se propagava a respeito da situação precária na URSS não é mero acidente.
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O rapaz voltou à sala e colocou-se à esquerda da teletela... Ele sabia que naquela posição junto à parede não podia ser captado pelo equipamento de vigilância. Não entendia como os responsáveis pela definição das plantas dos apartamentos e pela instalação do aparelho não perceberam aquela falha, algo “fora do comum”, já que o equipamento de teletela era sempre colocado em posição privilegiada, “na parede de fundo”, dominando o aposento.
Na sala do apartamento de Winston Smith, o aparelho estava afixado na parede maior e de frente para a janela... Então ele sabia que onde havia se posicionado não podia ser “visto” pelo equipamento. Ali havia uma “reentrância” que talvez fosse destinada a uma estante... Neste nicho, um ponto cego para a teletela, tinha uma mesinha dotada de gaveta onde estavam guardados caneta, tinteiro e um “livro em branco, de lombo vermelho e capa de cartolina de mármore”.
Ao instalar-se na cadeira encostada à parede, sabia que não podia ser visto. Essa certeza o levava a iniciar uma atividade altamente arriscada, mas estava disposto a fazê-la e isso o levou a retirar o caderno da gaveta, “um livro lindo” com folhas macias de matiz creme e “ligeiramente amareladas pelo tempo”. Algo raro, pois já fazia uns quarenta anos que não se utilizava aquele tipo de material de escritório. Especificamente o que ele tinha em mãos devia ter sido encadernado há mito mais do que quatro décadas.
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Antes de tratarmos especificamente do objetivo de Winston naquela tarde, é importante sabermos como ele adquiriu o belo livro com folhas em branco...
O caso é que esteve numas andanças por um “bairro pobre da cidade” e deparou-se com uma vitrine “de um triste bricabraque” onde o livro estava exposto. Como as demais de seu gênero, tratava-se de uma loja especializada em artigos usados ou antigos, sem aparente serventia ou destinados à decoração.
Os membros do partido não tinham autorização de “transacionar no mercado livre”, portanto estavam proibidos a entrar em lojas como aquela... Porém isso não era totalmente obedecido, já que havia certos artigos, como cadarços e lâminas de barbear, que só podiam obter nesses locais.
Interessado pelo livro, Winston tomou todo cuidado para entrar no “bricabraque” e comprar a encadernação por “dois dólares e cinquenta”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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