Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-syme-nao-poupa.html antes
de ler esta postagem:
Ao ouvir a referência ao Grande Irmão, Winston
não conseguiu esconder o desconforto... Syme entendeu que o camarada não se
entusiasmara com a sua falação, então concluiu que ele não apreciava a
“novilíngua” e provavelmente era daqueles que não conseguiam deixar de pensar
na antiga língua mesmo quando redigiam em “novilíngua”. E para mostrar que sua
conclusão não era sem embasamento, disse que lia os artigos escritos por ele no
Times... Podia dizer que eram bons, mas não havia como não perceber que se tratava
de “traduções”. Isso era uma clara indicação de que o camarada preferia a “anticlíngua”,
apesar de “sua imprecisão e suas inúteis gradações de sentido”. Só podia
lamentar o fato de ele não perceber a beleza contida na destruição das
palavras.
Perguntou se Winston
sabia que a “novilíngua” era o único idioma em todo o mundo a reduzir o
vocabulário a cada ano... Ele não tinha a menor ideia... Syme insistiu que ele
precisava entender que a “novilíngua” tinha como objetivo “estreitar a gama do
pensamento”, e isso tornaria impossível qualquer iniciativa de “crimideia”,
pois não haveria palavras que pudessem expressá-la.
Para se fazer entender melhor, o filólogo explicou que as palavras
passariam a ter definições mais “rígidas” e aquelas usadas como “acessórios”
deixariam de existir. Dessa forma não haveria mais “significados aproximados”.
Era o que ele podia notar pela edição que vinham produzindo, e o animava a
ideia de a mudança manter-se por muitos anos ainda. Isso naturalmente
significava que a quantidade de palavras seria sempre menor conforme o tempo
avançasse. Como ressaltado anteriormente, a “crimidéia” não encontraria
ambiente... Enfim, a língua se tornaria perfeita e a “revolução” promovida pelo
partido triunfaria definitivamente.
(...)
Ainda
muito empolgado, Syme sentenciou que “Novilíngua é Ingsoc e Ingsoc é Novilíngua”.
Emendou ao camarada Winston que “por volta do ano de 2050” ninguém teria
condições de entender o diálogo que os dois tinham no momento.
Winston quis corrigir
o que o outro acabara de dizer. Quis dizer que provavelmente “os proles”
permaneceriam sem dominar os mudanças promovidas... Não disse nada porque
pensou que talvez a opinião não fosse ortodoxa, mas Syme entendeu o raciocínio
e aproveitou para explicar mais este detalhe.
O
tipo foi dizendo sem o menor pudor que “os proles não são seres humanos” e que
quando o ano 2050 chegasse ninguém mais conheceria as formulações em
“anticlíngua”. A literatura construída naquele modelo também estaria destruída
e ainda que pretendessem fazer referências a “Chaucer, Shakespeare, Milton,
Byron”, elas só seriam possíveis em “novilíngua”. Obviamente suas obras já
teriam adquirido significados muito diferentes dos originais, e certamente
contrários a eles.
Alguém como Winston
só podia entender aquela mensagem como dramática. E ele mais se apavorou quando
ouviu o outro dizer que também a literatura produzida pelo Partido seria
alterada juntamente com as “palavras de ordem”. Syme exemplificou ao dizer que
o “conceito de liberdade” seria abolido... Assim, não seria possível propagar
que “liberdade é escravidão”.
O que Syme dizia
levava à conclusão de que as pessoas não mais pensariam... Pelo menos não
“pensariam criticamente” do modo como nos acostumamos. Ele completou dizendo
que “Ortodoxia quer dizer não pensar... não precisar pensar. Ortodoxia é
inconsciência”.
(...)
Winston se assustou com as revelações que acabara de ouvir.
Evidentemente esforçou-se para não ser traído por suas expressões. Por outro
lado, refletiu a respeito do camarada e concluiu que ele se daria mal. Seu fim
seria a “vaporização” porque se tratava de um tipo inteligente demais, que sabia
antever os resultados dos processos desenvolvidos pelo Partido e que “falava
sem rodeios”. O regime não tolerava tipos como o Syme.
(...)
Winston terminou o seu naco de pão e queijo... Passou a tomar o café
prestando alguma atenção ao tipo da outra mesa que continuava a falar sem parar
e de modo estridente... Percebeu que atrás dele, e de costas para ele, havia
uma moça que talvez fosse secretária do que não se cansava de falar. Pelo
visto, ela o ouvia atentamente e concordava com tudo, já que era possível
ouvi-la dizer que o tipo tinha razão. Este não interrompia a falação nem quando
ela se pronunciava. Pelo visto devia ser jovem e bem tolinha... Pelo menos era
isso o que Winston notava quando a ouvia.
Ele já tinha visto aquele camarada que dominava
a conversa. A seu respeito sabia apenas que era do Departamento de Ficção, onde
devia exercer alta função. O tipo contava uns trinta anos e se destacava pelo “pescoço
musculoso” e por sua “boca grande, muito agitada”.
Apesar
da proximidade, Winston não entendia praticamente nada das inúmeras frases que
o outro disparava... Como o tipo mantinha o olhar voltado para o alto, a luz
incidia sobre as lentes de seus óculos e, dessa forma, quem o fitasse
enxergaria apenas “dois discos brancos em vez dos olhos”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-sobre-o-conteudo.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto