quinta-feira, 22 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – alteração das cifras previstas e totalizadas, números fantasiosos a serviço da satisfação dos dirigentes; a realidade da gente comum em nada correspondia aos dados sobre as superproduções; Tillotson, um tipo extremamente dedicado às retificações e contrário à intimidade com os demais revisores; um pouco da grande sala onde Winston trabalhava e dos demais setores gráficos, de falsificação de teleprogramas; a função da mulherzinha do cabelo da cor de areia; Ampleforth, especialista no gênero poético

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-alterando-as.html antes de ler esta postagem:

No momento em que alterava as cifras que haviam sido apontadas pelo Ministério da Fartura, Winston pensou que nem se podia dizer que aquilo fosse exatamente uma fraude... Filosofou que melhor seria considerar que se tratasse de substituir “uma sandice por outra”, pois a maior parte do conteúdo não tinha nada a ver com a realidade do cotidiano da gente comum. Tampouco servia para um enredo de “mentira declarada”, já que as estatísticas eram fantasiosas em ambas as versões (a original e a retificada). Não era por acaso que, em tarefas como aquela, o pessoal resolvia “inventar estatísticas” que melhor se adaptassem ao que o Ministério da Fartura pretendia anunciar. Evidentemente entre os trabalhadores dos escritórios não se falava sobre isso.
Winston tinha vários exemplos que ilustravam a situação anteriormente exposta... Tomou os dados do Ministério da Fartura e suas expectativas a respeito da produção de botas no trimestre, “cento e quarenta e cinco milhões de pares”. Acontece que na realidade a produção havia sido de sessenta e dois milhões de pares. Então, na retificação, ele registrava que a previsão havia sido de cinquenta e sete milhões. Isso possibilitava a manifestação oficial sobre a “espetacular superação dos objetivos”.
No final de contas os dados previstos, os reais e os da correção, eram apenas números que podiam ser manipulados de qualquer modo, já que provavelmente ninguém soubesse da quantidade exata da produção... Talvez nenhum par houvesse sido fabricado, e entre os maiorais do Partido ninguém se importava com isso. O que os empolgava eram os números frios que apareciam nos papéis, ainda que cerca de metade da população continuasse a andar descalça.
(...)
Uma nota a respeito do trabalho do Departamento de Registro sintetiza a percepção de Winston:

                   “E assim era com todos os fatos registrados, pequenos ou grandes. Tudo se fundia e confundia num mundo de sombras no qual, por fim, até a data do ano se tornara incerta”.
(...)
Depois de trabalhar nos três papéis que considerara de mais fácil manipulação, Winston desviou o olhar para o outro lado do corredor. Bem diante de seu compartimento estava outro em que trabalhava certo Tillotson. Este tipo tinha “queixo escuro” e fisionomia dos que eram “precisos” nas retificações a ele destinadas. De fato, era aplicado em suas tarefas e dava a entender que se esforçava para manter o que dizia ao “falascreve” em segredo. Para ele, a única entidade para a qual se abria era a teletela.
No momento, Tillotson tinha um jornal acomodado sobre os joelhos enquanto lia as alterações ao “falascreve”. Ao notar que estava sendo observado pelo Winston, olhou-o com hostilidade.
Winston pouco o conhecia e sequer sabia que tipo de trabalho fazia. Aliás, o pessoal do Departamento era pouco dado a falar a respeito de suas obrigações com os demais. Deixou de observá-lo e resolveu contemplar o grande corredor... Não havia janelas ali. Duas fileiras de compartimentos ocupavam as laterais, de onde os trabalhadores manipulavam um sem-número de folhas, provocando o típico farfalhar... As vozes murmuradas completavam a sonoridade do ambiente.
Eram muitos trabalhadores! Winston não conhecia muitos deles. Sequer sabia seus nomes, apesar de vê-los agitados durante os “Dois Minutos de Ódio”. Como vimos, a mulher do cabelo da cor de areia era sua vizinha... Ele sabia que as tarefas destinadas e ela se relacionavam à supressão dos nomes das pessoas que haviam sido “vaporizadas” pelo regime, que eram consideradas inexistentes. Sabia também que o marido dela tinha sido “vaporizado” há alguns anos e que, talvez por isso, o IngSoc a indicara para aquele setor.
Winston observou os compartimentos mais à frente e focou o olhar em um tipo chamado Ampleforth, que era “uma criatura terna, ineficiente, sonhadora”, um tipo “de orelhas muito peludas” e com aptidão para trabalhar os textos poéticos. Fazia as alterações e os tornava “definitivos”. Em geral, o objeto de seu trabalho eram poemas que o regime passara a considerar ultrajantes ou ameaçadores para a “boa ordem”. Havia quem achasse que eles deviam ser simplesmente eliminados, mas o Partido exigia que permanecessem “nas antologias”.
(...)
Aquele corredor era apenas uma pequena “subseção, uma simples célula” de todo Departamento de Registro. Havia muitos outros corredores repletos de funcionários dedicados a diversas tarefas.
Para termos uma ideia, no Departamento existiam grandes gráficas onde trabalhavam redatores, tipógrafos e uma variedade enorme de técnicos. Eles realizavam todo tipo de trabalho relacionado às falsificações de fotografias... Uma seção específica cuidava de programas que chegavam às casas através das teletelas. Não era por acaso que entre os trabalhadores havia muitos atores especialistas em imitações e dramatizações...
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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