Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-alterando-as.html antes
de ler esta postagem:
No momento em que alterava as cifras que haviam
sido apontadas pelo Ministério da Fartura, Winston pensou que nem se podia
dizer que aquilo fosse exatamente uma fraude... Filosofou que melhor seria
considerar que se tratasse de substituir “uma sandice por outra”, pois a maior
parte do conteúdo não tinha nada a ver com a realidade do cotidiano da gente
comum. Tampouco servia para um enredo de “mentira declarada”, já que as
estatísticas eram fantasiosas em ambas as versões (a original e a retificada).
Não era por acaso que, em tarefas como aquela, o pessoal resolvia “inventar
estatísticas” que melhor se adaptassem ao que o Ministério da Fartura pretendia
anunciar. Evidentemente entre os trabalhadores dos escritórios não se falava
sobre isso.
Winston tinha vários
exemplos que ilustravam a situação anteriormente exposta... Tomou os dados do
Ministério da Fartura e suas expectativas a respeito da produção de botas no
trimestre, “cento e quarenta e cinco milhões de pares”. Acontece que na
realidade a produção havia sido de sessenta e dois milhões de pares. Então, na
retificação, ele registrava que a previsão havia sido de cinquenta e sete
milhões. Isso possibilitava a manifestação oficial sobre a “espetacular
superação dos objetivos”.
No final de contas os dados previstos, os reais e os da correção, eram
apenas números que podiam ser manipulados de qualquer modo, já que
provavelmente ninguém soubesse da quantidade exata da produção... Talvez nenhum
par houvesse sido fabricado, e entre os maiorais do Partido ninguém se
importava com isso. O que os empolgava eram os números frios que apareciam nos
papéis, ainda que cerca de metade da população continuasse a andar descalça.
(...)
Uma nota a respeito do
trabalho do Departamento de Registro sintetiza a percepção de Winston:
“E assim era com todos os fatos
registrados, pequenos ou grandes. Tudo se fundia e confundia num mundo de
sombras no qual, por fim, até a data do ano se tornara incerta”.
(...)
Depois de trabalhar nos
três papéis que considerara de mais fácil manipulação, Winston desviou o olhar
para o outro lado do corredor. Bem diante de seu compartimento estava outro em
que trabalhava certo Tillotson. Este tipo tinha “queixo escuro” e fisionomia
dos que eram “precisos” nas retificações a ele destinadas. De fato, era
aplicado em suas tarefas e dava a entender que se esforçava para manter o que
dizia ao “falascreve” em segredo. Para ele, a única entidade para a qual se
abria era a teletela.
No momento, Tillotson tinha um jornal acomodado sobre os joelhos
enquanto lia as alterações ao “falascreve”. Ao notar que estava sendo observado
pelo Winston, olhou-o com hostilidade.
Winston pouco o conhecia e sequer sabia que tipo de trabalho fazia.
Aliás, o pessoal do Departamento era pouco dado a falar a respeito de suas
obrigações com os demais. Deixou de observá-lo e resolveu contemplar o grande
corredor... Não havia janelas ali. Duas fileiras de compartimentos ocupavam as
laterais, de onde os trabalhadores manipulavam um sem-número de folhas,
provocando o típico farfalhar... As vozes murmuradas completavam a sonoridade
do ambiente.
Eram muitos trabalhadores! Winston não conhecia
muitos deles. Sequer sabia seus nomes, apesar de vê-los agitados durante os
“Dois Minutos de Ódio”. Como vimos, a mulher do cabelo da cor de areia era sua
vizinha... Ele sabia que as tarefas destinadas e ela se relacionavam à
supressão dos nomes das pessoas que haviam sido “vaporizadas” pelo regime, que
eram consideradas inexistentes. Sabia também que o marido dela tinha sido
“vaporizado” há alguns anos e que, talvez por isso, o IngSoc a indicara para
aquele setor.
Winston observou os
compartimentos mais à frente e focou o olhar em um tipo chamado Ampleforth, que
era “uma criatura terna, ineficiente, sonhadora”, um tipo “de orelhas muito
peludas” e com aptidão para trabalhar os textos poéticos. Fazia as alterações e
os tornava “definitivos”. Em geral, o objeto de seu trabalho eram poemas que o
regime passara a considerar ultrajantes ou ameaçadores para a “boa ordem”.
Havia quem achasse que eles deviam ser simplesmente eliminados, mas o Partido
exigia que permanecessem “nas antologias”.
(...)
Aquele corredor era apenas uma pequena “subseção, uma simples célula” de
todo Departamento de Registro. Havia muitos outros corredores repletos de
funcionários dedicados a diversas tarefas.
Para
termos uma ideia, no Departamento existiam grandes gráficas onde trabalhavam
redatores, tipógrafos e uma variedade enorme de técnicos. Eles realizavam todo
tipo de trabalho relacionado às falsificações de fotografias... Uma seção
específica cuidava de programas que chegavam às casas através das teletelas.
Não era por acaso que entre os trabalhadores havia muitos atores especialistas
em imitações e dramatizações...
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-mais-respeito-do.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto