sábado, 10 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – logo no início dos “dois minutos de ódio” surge a imagem de Emmanuel Goldstein, o maior inimigo do IngSoc, do Grande Irmão e do povo da Oceania; diferentemente da histeria da maioria, Winston analisava a figura do inimigo nº1 também como figura caricata; a respeito da fama de Goldstein como líder revolucionário, traidor que agia sob proteção dos inimigos e agregava sabotadores; Goldstein, o “Trotsky do IngSoc”; discursos do inimigo e imagens de tropas inimigas na teletela proporcionavam manifestações de desespero e ódio

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-dois-tipos.html antes de ler esta postagem:

No momento exato, a grande teletela passou a emitir um som horrível, algo como o barulho de uma grande máquina “funcionando sem óleo”, um “guincho insuportável e áspero”. De acordo com o próprio Winston:

                   “Era um barulho de fazer ranger os dentes e arrepiar os cabelos da nuca. O ódio começara. Como de hábito, a face de Emmanuel Goldstein, o Inimigo do Povo, surgira na tela. Aqui e ali houve assovios entre o público”.

Imediatamente a mulherzinha que estava entre ele e O’Brien soltou um “uivo misto de medo e repugnância”. Não era para menos... Todos sabiam através da doutrinação do partido que Emmanuel Goldstein era um dos maiores traidores da nação e por isso era o maior dos renegados.
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Ainda a respeito desse Goldstein, dizia-se que havia sido eminente liderança política da mesma categoria do Grande Irmão, mas ao que se sabia ele teria “se dedicado a atividades contrarrevolucionárias” e que, por isso, havia sido condenado à morte”. Ele continuava a ser odiado por todos os fiéis seguidores do IngSoc porque havia fugido e ninguém tinha a menor ideia de seu paradeiro, um verdadeiro mistério.
Essas coisas teriam ocorrido há muitos anos e não havia quem soubesse precisar quando... A programação dos “Dois Minutos de Ódio” costumava variar, todavia Goldstein permanecia sua “personagem central” evidentemente porque todos o consideravam o “traidor original”, já que havia sido o primeiro a profanar a “pureza do partido”... Todos entendiam que as traições, sabotagens e desvios que se seguiram à perfídia por ele praticada só podiam ser resultados de seus ensinamentos.
Os que participavam dos “Dois Minutos de Ódio” acreditavam que Emmanuel Goldstein continuasse vivo e liderando articulações de conspirações contra o Grande Irmão e o IngSoc... Havia quem dissesse que ele estivesse em algum império de além-mar, protegido por “patrões estrangeiros”. Outros espalhavam o boato de que poderia estar em algum esconderijo na própria Oceania.
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Neste ponto não podemos deixar de relacionar o Emmanuel Goldstein ao Trotsky, líder revolucionário da URSS demonizado por Stalin e por ele perseguido até a morte (em agosto de 1940, em seu exílio no México).
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Winston sentiu o diafragma contrair... Obviamente não era a primeira vez que via a imagem de Goldstein na grande teletela do Ministério. Sinceramente não podia dizer que o enxergasse como os demais, já que “uma dolorosa mistura de emoções” o envolvia e não conseguia extravasar a ira manifestada por tipos como a mulherzinha do cabelo da cor de areia.
Da imagem que aparecia na teletela, que deveria provocar as mais iradas manifestações, chamava-lhe a atenção o seu:

                   “rosto judaico, magro, com um grande halo de cabelo branco esgrouviado e um pequeno cavanhaque – um rosto arguto e, no entanto, de certo modo, intrinsecamente desprezível, com um ar de tolice senil no nariz comprido e fino no qual se equilibravam os óculos”.

Mais uma vez somos tentados a relacionar o Emmanuel Goldstein ao Leon Trotsky... Winston achava que a cara do Goldstein lembrava a de uma ovelha e que até a sua voz se confundia com um balido.
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Desde a tela, o inimigo “número um” do IngSoc proferia ataques às suas doutrinas. Winston achava que até mesmo “uma criança poderia refutá-lo”. Todavia suas frases eram demasiado exageradas e perversas a ponto de, talvez, alarmar cidadãos que chegassem a entendê-las como plausíveis e, desse modo, aceitá-las.
Entre as mensagens de Goldstein, destacavam-se as contrárias à ditadura do partido, a sua tese sobre a necessidade de se estabelecer a paz com a Eurásia, as de defesa da “liberdade de imprensa, a liberdade de reunião e a liberdade de pensamento”.
Obviamente que a doutrinação incutida pelo IngSoc levava as pessoas a extravasarem contra a imagem que viam e o discurso que ouviam... Ainda mais porque o inimigo “gritava histericamente que a revolução havia sido traída”. E fazia isso em “linguagem rápida, polissilábica, que era uma espécie de paródia do estilo habitual dos oradores do partido”, eventualmente recorrendo a palavras em novilíngua, inclusive muito mais “do que qualquer membro do Partido usaria na vida diária”.
Há que se destacar ainda que, durante a falação histérica de Goldstein, a imagem reproduzida na teletela trazia ao fundo um interminável desfile de tropas eurasianas compostas por tipos asiáticos “sem expressão”. As fileiras avançavam para adiante, a “superfície da placa”, desapareciam e logo eram “seguidos por outros exatamente idênticos”. Os gritos do orador exaltados eram acompanhados pelo ritmo das passadas dos soldados das tropas inimigas.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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