Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-dois-tipos.html antes
de ler esta postagem:
No momento exato, a grande teletela passou a
emitir um som horrível, algo como o barulho de uma grande máquina “funcionando
sem óleo”, um “guincho insuportável e áspero”. De acordo com o próprio Winston:
“Era um barulho de fazer
ranger os dentes e arrepiar os cabelos da nuca. O ódio começara. Como de
hábito, a face de Emmanuel Goldstein, o Inimigo do Povo, surgira na tela. Aqui
e ali houve assovios entre o público”.
Imediatamente a mulherzinha que estava entre ele e O’Brien soltou um
“uivo misto de medo e repugnância”. Não era para menos... Todos sabiam através
da doutrinação do partido que Emmanuel Goldstein era um dos maiores traidores
da nação e por isso era o maior dos renegados.
(...)
Ainda
a respeito desse Goldstein, dizia-se que havia sido eminente liderança política
da mesma categoria do Grande Irmão, mas ao que se sabia ele teria “se dedicado
a atividades contrarrevolucionárias” e que, por isso, havia sido condenado à
morte”. Ele continuava a ser odiado por todos os fiéis seguidores do IngSoc
porque havia fugido e ninguém tinha a menor ideia de seu paradeiro, um
verdadeiro mistério.
Essas coisas teriam
ocorrido há muitos anos e não havia quem soubesse precisar quando... A
programação dos “Dois Minutos de Ódio” costumava variar, todavia Goldstein permanecia
sua “personagem central” evidentemente porque todos o consideravam o “traidor
original”, já que havia sido o primeiro a profanar a “pureza do partido”...
Todos entendiam que as traições, sabotagens e desvios que se seguiram à
perfídia por ele praticada só podiam ser resultados de seus ensinamentos.
Os
que participavam dos “Dois Minutos de Ódio” acreditavam que Emmanuel Goldstein
continuasse vivo e liderando articulações de conspirações contra o Grande Irmão
e o IngSoc... Havia quem dissesse que ele estivesse em algum império de
além-mar, protegido por “patrões estrangeiros”. Outros espalhavam o boato de
que poderia estar em algum esconderijo na própria Oceania.
(...)
Neste ponto não
podemos deixar de relacionar o Emmanuel Goldstein ao Trotsky, líder
revolucionário da URSS demonizado por Stalin e por ele perseguido até a morte
(em agosto de 1940, em seu exílio no México).
(...)
Winston sentiu o
diafragma contrair... Obviamente não era a primeira vez que via a imagem de
Goldstein na grande teletela do Ministério. Sinceramente não podia dizer que o
enxergasse como os demais, já que “uma dolorosa mistura de emoções” o envolvia
e não conseguia extravasar a ira manifestada por tipos como a mulherzinha do
cabelo da cor de areia.
Da imagem que aparecia na teletela, que deveria provocar as mais iradas
manifestações, chamava-lhe a atenção o seu:
“rosto
judaico, magro, com um grande halo de cabelo branco esgrouviado e um pequeno
cavanhaque – um rosto arguto e, no entanto, de certo modo, intrinsecamente
desprezível, com um ar de tolice senil no nariz comprido e fino no qual se
equilibravam os óculos”.
Mais uma vez somos tentados a relacionar o
Emmanuel Goldstein ao Leon Trotsky... Winston achava que a cara do Goldstein
lembrava a de uma ovelha e que até a sua voz se confundia com um balido.
(...)
Desde a tela, o
inimigo “número um” do IngSoc proferia ataques às suas doutrinas. Winston
achava que até mesmo “uma criança poderia refutá-lo”. Todavia suas frases eram
demasiado exageradas e perversas a ponto de, talvez, alarmar cidadãos que
chegassem a entendê-las como plausíveis e, desse modo, aceitá-las.
Entre as mensagens de Goldstein, destacavam-se as contrárias à ditadura
do partido, a sua tese sobre a necessidade de se estabelecer a paz com a
Eurásia, as de defesa da “liberdade de imprensa, a liberdade de reunião e a
liberdade de pensamento”.
Obviamente
que a doutrinação incutida pelo IngSoc levava as pessoas a extravasarem contra
a imagem que viam e o discurso que ouviam... Ainda mais porque o inimigo
“gritava histericamente que a revolução havia sido traída”. E fazia isso em
“linguagem rápida, polissilábica, que era uma espécie de paródia do estilo
habitual dos oradores do partido”, eventualmente recorrendo a palavras em
novilíngua, inclusive muito mais “do que qualquer membro do Partido usaria na
vida diária”.
Há
que se destacar ainda que, durante a falação histérica de Goldstein, a imagem
reproduzida na teletela trazia ao fundo um interminável desfile de tropas
eurasianas compostas por tipos asiáticos “sem expressão”. As fileiras avançavam
para adiante, a “superfície da placa”, desapareciam e logo eram “seguidos por
outros exatamente idênticos”. Os gritos do orador exaltados eram acompanhados
pelo ritmo das passadas dos soldados das tropas inimigas.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-manifestacoes-de.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto