Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-usando.html antes
de ler esta postagem:
Winston foi chamado à atenção pela instrutora da
ginástica matinal. Por isso mesmo tratou de se concentrar e manter uma
aparência que não permitisse qualquer suspeita. De modo algum podia aparentar
desânimo e por isso tratou de assistir à demonstração que a outra exibia desde
a teletela. Ele e os demais trabalhadores de escritórios deveriam curvar o
corpo e levar a ponta dos dedos ao calcanhar.
A instrutora elevava
os braços e incentivava os camaradas dizendo que era mãe de quatro filhos e já
estava com trinta e nove anos... Se ela podia fazer o exercício, eles também
conseguiriam, e sem dobrar os joelhos. Lembrou que, já que não tinham o
privilégio de combater “nas linhas de frente”, como os soldados que estavam na
Índia ou nas “fortalezas flutuantes”, tinham de “conservar a linha e a saúde”.
Dirigindo-se ao Winston, garantiu que estava bem melhor. De fato, esforçando-se
até o limite, ele acabou conseguindo tocar o calcanhar com as pontas dos dedos
“sem dobrar os joelhos, pela primeira vez em vários anos”.
(...)
Já
no seu compartimento de trabalho, Winston pôs-se a executar as tarefas da
manhã.
Acionou o “falascreve”
e organizou uns pequenos rolos de papel que haviam chegado a partir de um tubo
pneumático cuja saída estava à direita de sua mesa e do qual recebia mensagens
escritas... Havia outras duas aberturas, a da esquerda era maior e por ela
chegavam jornais e outras publicações; a do centro era retangular, tinha uma
grade de proteção e por ela era descartada a papelada que devia ser eliminada.
Aberturas
“de descarte”, apelidadas e mais conhecidas como “buracos da memória”, existiam
por todo o grande prédio do Ministério. Eram dezenas de milhares, que estavam
instaladas nas diversas salas e corredores exatamente para permitir o imediato
encaminhamento de documentos destinados à destruição.
E acontecia mesmo de
qualquer funcionário se deparar com algum papel que havia sido rejeitado pelo
chão. Em casos assim, o procedimento era imediato, pois se abria a portinhola
mais próxima e fazia-se o descarte. Os papéis eliminados eram sugados por uma “corrente
de ar morno, até as caldeiras enormes, ocultas nalguma parte, nas entranhas do
prédio”.
(...)
Winston passou a
analisar os papéis. Neles havia registros que se estendiam por uma ou duas
linhas, já que as mensagens que circulavam pelo Ministério eram sempre
abreviadas e em “novilíngua”. No caso dos quatro papéis que chegaram à sua mesa,
os conteúdos eram:
“times
17.3.84 gi disc malrepro africa retifica times 19.12.83 previsão 3 ac 4.º
trimestre 83 errata verifica número hoje times 14.2.84 minifarto malnotícia
chocolate retifica times 3.12.83 notícia ordemdia gi dupliplusimbom refs impessoas
reescreve compl subsuper prearquivo”.
O quarto papel era o que apresentava alguma complexidade e exigiria mais
trabalho, mas o rapaz não conseguiu esconder certa satisfação ao tomar
conhecimento do conteúdo... Os outros três eram simples, sendo que o segundo
certamente demandaria “uma tediosa pesquisa de cifras”.
A primeira medida que tomou foi registrar "números
atrasados" no aparelho de teletela. Depois solicitou “os exemplares correspondentes
do Times”. Alguns minutos depois o tubo pneumático liberou o material... As
mensagens que constavam nos papéis relacionavam-se a “artigos ou notícias”
daqueles números. Winston teria de alterar o que havia sido publicado porque de
algum modo contradiziam afirmações e decisões oficiais contidas nas mensagens.
Dizia-se que os artigos e notícias deviam ser retificados.
Para termos uma
ideia, a publicação do dia 17 de março trazia um discurso feito pelo Grande
Irmão no dia anterior e no qual afirmava que certamente a frente meridional na
Índia prosseguiria sem maiores complicações e que, diferentemente disso, os
eurasianos atacariam no Norte da África. Nada disso se efetivou, já que o alto
comando inimigo acabou realizando manobras de ataque no sul da Índia e, ao
mesmo tempo, não tomou nenhuma iniciativa no norte africano.
Então,
qual era a tarefa de Winston neste caso? Ele teve de reescrever um trecho do
discurso do grande líder para, desse modo, tornar corretas as suas previsões em
relação ao que de fato se sucedeu.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto