Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-alteracao-das.html antes
de ler esta postagem:
O Departamento de Registro era local dos mais
complexos, dotado de equipamentos de última geração e pessoal qualificado para
as mais diversas atividades relacionadas à produção de materiais de propaganda
e de formatação do passado.
Muitos ali se dedicavam
a elaborar as listas de livros e outras publicações que, após a investigação de
referências, deviam ser recolhidos. Os originais destes eram destinados a
fornos para a destruição. Já o acervo corrigido era devidamente guardado e
tinha a reprodução autorizada.
Havia vários fornos utilizados para a incineração, mas a maioria dos
funcionários não tinha a menor ideia de onde estavam localizados. Em local
ainda mais secreto ficava o responsável pela coordenação do trabalho, pelas
metas a serem atingidas e pela decisão final sobre o que devia ser conservado,
corrigido ou eliminado.
Que
não se pense que o Departamento de Registro fosse o Ministério da Verdade. Ele
era apenas um segmento deste... O Ministério tinha objetivos muito mais amplos
do que a “reconstrução do passado”, já que devia:
“fornecer aos cidadãos da
Oceania jornais, filmes, livros escolares, programas de teletela, peças,
romances - com todas as informações concebíveis, instruções ou entretenimento,
desde uma estátua até uma palavra de ordem, desde um poema lírico até um
tratado de biologia, desde uma cartilha de alfabetização até um dicionário de
Novilíngua”.
A
produção do Ministério não se destinava somente a produzir o acervo necessário
à manutenção da ideologia do IngSoc. Havia vários departamentos voltados
especificamente à criação de material e eventos culturais e de lazer para os
proletários. De acordo com o próprio texto:
“Neles eram produzidos
jornalecos ordinários que continham pouca coisa mais que notícias de esporte,
polícia e astrologia, sensacionais noveletas de cinco centavos, filmes
transbordando de sexo, e cançonetas sentimentais compostas inteiramente por
meios mecânicos numa espécie de caleidoscópio especial denominado versificador”.
Obviamente não se
tratava de uma produção que se pudesse comparar àquela destinada aos membros do
Partido. Para termos uma ideia, havia um setor chamado “Pornosec” que produzia
material pornográfico dos mais degradantes e chulos, embalados com todo rigor e
destinado exclusivamente aos proles. Tirando o pessoal que trabalhava nesse
setor, ninguém mais do Partido tinha autorização para conhecer.
(...)
Outros três documentos chegaram à mesa de Winston... As correções eram
tão simples que ele os resolveu antes dos “Dois Minutos de Ódio”. Depois, quando
retornou ao seu compartimento, debruçou-se sobre o quarto documento da manhã,
que era mais complexo e que ele havia deixado em separado.
O caso é que, apesar da “rotina aborrecida”, Winston gostava de
trabalhar, e tinha certa preferência pelas tarefas mais difíceis, que exigiam
seguidas consultas ao “dicionário de Novilíngua”.
Como vimos, ele logo notou que o quarto
documento era daqueles que exigiam concentração redobrada e pesquisa. Mas não
era só isso... Um trabalho bem feito exigia um bom embasamento dos princípios
do Partido e uma análise coerente das necessidades do mesmo.
Tratava-se de uma
“falsificação delicada”, algo para o qual Winston era preparado e
reconhecidamente competente. Tanto é que por diversas vezes encaminhavam a ele
“artigos de fundo do Times” inteiramente em “novilíngua” para serem
retificados.
(...)
O quarto documento trazia os seguintes dizeres em “novilíngua”: “times
3.12.83 noticia ordemdia gi dupliplusimbom refs impessoas reescreve compl
subsuper prearquivo”.
Winston
traduziu o enunciado para a “antilíngua” (o inglês):
“A notícia da Ordem do Dia
do Grande Irmão no Times de 3 de dezembro de 1983 é extremamente insatisfatória
e faz referência a pessoas não existentes. Reescreve por completo e submete a
minuta à autoridade superior antes de arquivar”.
A
partir da orientação, Winston fez a leitura do artigo e notou que, por ocasião
da apresentação da Ordem do Dia 3 de dezembro de 1983, o Grande Irmão teceu
elogios à CCFF, uma organização “que fornecia cigarros e outras miudezas aos
marinheiros das Fortalezas Flutuantes”, e condecorou o “Camarada Withers” – da
CCFF - com a “Ordem do Mérito Evidente, Segunda Classe”.
Aconteceu que poucos
meses depois a organização deixou de existir de um momento para outro e sem que
se divulgassem os motivos... O outrora homenageado Withers devia ter se tornado
“persona non grata” assim como o seu pessoal. Ninguém soube ao certo o que
ocorreu porque nenhuma nota foi divulgada pelos periódicos ou pela
teletela. Tudo indicava que o homem
tivesse entrado para a lista dos “contraventores políticos”, já que esse tipo
de caso não era mesmo trazido a público.
Como
sabemos, havia os julgamentos abertos à população, que ocorriam a cada dois
anos e eram considerados espetáculos marcados por confissões execráveis de
traição e pela execução de “ideocriminosos”, mas pelo visto o “caso Withers”
parecia ter desfecho de menor publicidade.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-withers-havia-se.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto