sexta-feira, 23 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – mais a respeito do Departamento de Registro e sobre as finalidades do Ministério da Verdade; produção destinada aos proles e setor de artigos pornográficos; análise de outros documentos antes dos “dois minutos de ódio”; verificando o material mais complexo recebido pela manhã; a ordem de serviço em novilingua e a “decodificação” elaborada por Winston; homenagens do Grande Irmão à CCFF e a Withers que deviam ser corrigidas

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-alteracao-das.html antes de ler esta postagem:

O Departamento de Registro era local dos mais complexos, dotado de equipamentos de última geração e pessoal qualificado para as mais diversas atividades relacionadas à produção de materiais de propaganda e de formatação do passado.
Muitos ali se dedicavam a elaborar as listas de livros e outras publicações que, após a investigação de referências, deviam ser recolhidos. Os originais destes eram destinados a fornos para a destruição. Já o acervo corrigido era devidamente guardado e tinha a reprodução autorizada.
Havia vários fornos utilizados para a incineração, mas a maioria dos funcionários não tinha a menor ideia de onde estavam localizados. Em local ainda mais secreto ficava o responsável pela coordenação do trabalho, pelas metas a serem atingidas e pela decisão final sobre o que devia ser conservado, corrigido ou eliminado.
Que não se pense que o Departamento de Registro fosse o Ministério da Verdade. Ele era apenas um segmento deste... O Ministério tinha objetivos muito mais amplos do que a “reconstrução do passado”, já que devia:

                   “fornecer aos cidadãos da Oceania jornais, filmes, livros escolares, programas de teletela, peças, romances - com todas as informações concebíveis, instruções ou entretenimento, desde uma estátua até uma palavra de ordem, desde um poema lírico até um tratado de biologia, desde uma cartilha de alfabetização até um dicionário de Novilíngua”.

A produção do Ministério não se destinava somente a produzir o acervo necessário à manutenção da ideologia do IngSoc. Havia vários departamentos voltados especificamente à criação de material e eventos culturais e de lazer para os proletários. De acordo com o próprio texto:

                   “Neles eram produzidos jornalecos ordinários que continham pouca coisa mais que notícias de esporte, polícia e astrologia, sensacionais noveletas de cinco centavos, filmes transbordando de sexo, e cançonetas sentimentais compostas inteiramente por meios mecânicos numa espécie de caleidoscópio especial denominado versificador”.

Obviamente não se tratava de uma produção que se pudesse comparar àquela destinada aos membros do Partido. Para termos uma ideia, havia um setor chamado “Pornosec” que produzia material pornográfico dos mais degradantes e chulos, embalados com todo rigor e destinado exclusivamente aos proles. Tirando o pessoal que trabalhava nesse setor, ninguém mais do Partido tinha autorização para conhecer.
(...)
Outros três documentos chegaram à mesa de Winston... As correções eram tão simples que ele os resolveu antes dos “Dois Minutos de Ódio”. Depois, quando retornou ao seu compartimento, debruçou-se sobre o quarto documento da manhã, que era mais complexo e que ele havia deixado em separado.
O caso é que, apesar da “rotina aborrecida”, Winston gostava de trabalhar, e tinha certa preferência pelas tarefas mais difíceis, que exigiam seguidas consultas ao “dicionário de Novilíngua”.
Como vimos, ele logo notou que o quarto documento era daqueles que exigiam concentração redobrada e pesquisa. Mas não era só isso... Um trabalho bem feito exigia um bom embasamento dos princípios do Partido e uma análise coerente das necessidades do mesmo.
Tratava-se de uma “falsificação delicada”, algo para o qual Winston era preparado e reconhecidamente competente. Tanto é que por diversas vezes encaminhavam a ele “artigos de fundo do Times” inteiramente em “novilíngua” para serem retificados.
(...)
O quarto documento trazia os seguintes dizeres em “novilíngua”: “times 3.12.83 noticia ordemdia gi dupliplusimbom refs impessoas reescreve compl subsuper prearquivo”.
Winston traduziu o enunciado para a “antilíngua” (o inglês):

                   “A notícia da Ordem do Dia do Grande Irmão no Times de 3 de dezembro de 1983 é extremamente insatisfatória e faz referência a pessoas não existentes. Reescreve por completo e submete a minuta à autoridade superior antes de arquivar”.

A partir da orientação, Winston fez a leitura do artigo e notou que, por ocasião da apresentação da Ordem do Dia 3 de dezembro de 1983, o Grande Irmão teceu elogios à CCFF, uma organização “que fornecia cigarros e outras miudezas aos marinheiros das Fortalezas Flutuantes”, e condecorou o “Camarada Withers” – da CCFF - com a “Ordem do Mérito Evidente, Segunda Classe”.
Aconteceu que poucos meses depois a organização deixou de existir de um momento para outro e sem que se divulgassem os motivos... O outrora homenageado Withers devia ter se tornado “persona non grata” assim como o seu pessoal. Ninguém soube ao certo o que ocorreu porque nenhuma nota foi divulgada pelos periódicos ou pela teletela.  Tudo indicava que o homem tivesse entrado para a lista dos “contraventores políticos”, já que esse tipo de caso não era mesmo trazido a público.
Como sabemos, havia os julgamentos abertos à população, que ocorriam a cada dois anos e eram considerados espetáculos marcados por confissões execráveis de traição e pela execução de “ideocriminosos”, mas pelo visto o “caso Withers” parecia ter desfecho de menor publicidade.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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