Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-noticias-sobre-o.html antes
de ler esta postagem:
Depois da execução do hino, a placa metálica da
teletela passou a tocar “música ambiente”. Winston levantou-se e seguiu para a
janela. Obviamente manteve-se de costas para o equipamento.
Notou que o dia seguia
claro. Na verdade, havia se passado bem pouco tempo desde que havia chegado do
Ministério... Ouviu o estrondo de alguma bomba-foguete que teria caído em local
distante do Edifício Vitória, se lembrou que Londres vinha sofrendo ataques
constantes e que a cada semana entre vinte e trinta bombas a atingiam em algum
ponto.
A ventania continuava a varrer a rua. Winston olhou novamente para o
cartaz que tinha um leve rasgo e que fazia com que o nome do Partido fosse
alternadamente coberto e revelado pelo papel tremulado ao sabor do vento. Para
ele, tudo o mais relacionado ao sistema (a “novilíngua, o duplipensar e a
mutabilidade do passado”) surgia como como realidade aterradora “onde ele próprio
era o monstro”.
(...)
A sensação de incertezas e
solidão o invadiu... A que passado poderia se referir? Também o futuro lhe era
todo de incertezas... A guerra poderia exterminar toda gente! Ainda assim não
se podia duvidar do predomínio do Partido “para sempre”.
Os lemas do IngSoc
inscritos na altíssima fachada do Ministério da Verdade (“Guerra é Paz,
Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força”) surgiram-lhe à mente como que a
trazer-lhe respostas à sensação de incertezas e solidão.
(...)
Winston passou a observar
uma moeda de vinte e cinco centavos que havia tirado do bolso... Os lemas
estavam cunhados em um dos lados, no outro via-se a efígie do Grande Irmão.
Assim como nas moedas, os olhos do poderoso líder o perseguiam em “selos, capas
de livros, faixas, cartazes, maços de cigarro” e em tudo quanto é lugar.
A respeito dessa
onipresença do Grande Irmão e do esmagador controle que exercia sobre as
mentes, o rapaz ainda refletiu:
“Adormecido ou desperto, trabalhando
ou comendo, dentro e fora de casa, no banheiro ou na cama - não havia fuga.
Nada pertencia ao indivíduo, com exceção de alguns centímetros cúbicos dentro
do crânio.
(...)
Conforme os minutos avançaram, a luz solar destacou as janelas do
Ministério. Elas lembravam “seteiras de uma fortaleza” e isso fez Winston
tremer... Nada podia contra a estrutura, nem mesmo “mil bombas-foguetes”
poderiam abalá-la.
Como alguém que se dispunha a escrever um diário poderia manter-se em
segurança? Afinal, a quem escreveria? Ao futuro? Ao passado – uma época
eventualmente imaginária?
Essas questões eram pesadas, mas não tanto como
a própria certeza de que terminaria aniquilado, melhor seria dizer
vaporizado... As forças de repressão policial reduziriam o diário a cinzas. O
documento só seria conhecido pela Polícia do Pensamento, que depois o
eliminaria a fim de apagá-lo de qualquer memória.
Então, como dedicar sua
produção textual ao futuro se sequer poderia imaginar a sobrevivência do
indivíduo ou de “palavras anônimas rabiscadas num pedaço de papel?”
(...)
Duas da tarde... Winston teria mais dez minutos antes de se retirar para
o segundo turno no Ministério da Verdade, que se iniciava às duas e meia.
A teletela anunciou as
catorze horas e isso pareceu renovar-lhe o ânimo. Mesmo reconhecendo que muito
provavelmente não passasse de “um fantasma solitário” que fazia registros de
“verdades que ninguém jamais ouviria”, o consolava o fato de que enquanto
pudesse se exprimir, “a continuidade não seria interrompida”. Nesse sentido,
permanecer “são de mente” era-lhe mais importante para a “preservação da
herança humana” do que a possibilidade de se fazer ouvido.
Por isso voltou à mesa e
pegou a pena e redigiu:
“Ao futuro ou ao passado, a uma época
em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam diferentes uns dos
outros e que não vivam sós - a uma época em que a verdade existir e o que foi
feito não puder ser desfeito:
Cumprimentos da era de
uniformidade, da era da solidão, da era do Grande Irmão, da era do
duplipensar!”
Winston pensou em sua
condição vinculada à morte... A dedicatória e saudação que acabara de registrar
no diário eram “passos decisivos” que trariam como consequência um fim amargo.
Por
fim ainda redigiu: “Crimideia não acarreta a morte: crimideia é a morte”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-livrando-se-da.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto