quinta-feira, 15 de julho de 2021

“1984”, de George Orwell – bombas sobre Londres; o vento persistente continuava a soprar o retalho de papel sobre o nome do partido grafado no painel; a superestrutura do sistema sufocante mergulha Winston em profunda solidão e incertezas; os olhos do Grande Irmão parecem segui-lo de todas as formas e por toda parte; ainda as dúvidas sobre a quem oferecer o manuscrito; 14:00; a perseguição implacável era uma certeza e o diário e sua vida se extinguiriam pelas mãos da Polícia do Pensamento, mas, enquanto fosse possível se exprimir pela escrita, haveria de prosseguir; enfim uma dedicatória e saudação

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-noticias-sobre-o.html antes de ler esta postagem:

Depois da execução do hino, a placa metálica da teletela passou a tocar “música ambiente”. Winston levantou-se e seguiu para a janela. Obviamente manteve-se de costas para o equipamento.
Notou que o dia seguia claro. Na verdade, havia se passado bem pouco tempo desde que havia chegado do Ministério... Ouviu o estrondo de alguma bomba-foguete que teria caído em local distante do Edifício Vitória, se lembrou que Londres vinha sofrendo ataques constantes e que a cada semana entre vinte e trinta bombas a atingiam em algum ponto.
A ventania continuava a varrer a rua. Winston olhou novamente para o cartaz que tinha um leve rasgo e que fazia com que o nome do Partido fosse alternadamente coberto e revelado pelo papel tremulado ao sabor do vento. Para ele, tudo o mais relacionado ao sistema (a “novilíngua, o duplipensar e a mutabilidade do passado”) surgia como como realidade aterradora “onde ele próprio era o monstro”.
(...)
A sensação de incertezas e solidão o invadiu... A que passado poderia se referir? Também o futuro lhe era todo de incertezas... A guerra poderia exterminar toda gente! Ainda assim não se podia duvidar do predomínio do Partido “para sempre”.
Os lemas do IngSoc inscritos na altíssima fachada do Ministério da Verdade (“Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força”) surgiram-lhe à mente como que a trazer-lhe respostas à sensação de incertezas e solidão.
(...)
Winston passou a observar uma moeda de vinte e cinco centavos que havia tirado do bolso... Os lemas estavam cunhados em um dos lados, no outro via-se a efígie do Grande Irmão. Assim como nas moedas, os olhos do poderoso líder o perseguiam em “selos, capas de livros, faixas, cartazes, maços de cigarro” e em tudo quanto é lugar.
A respeito dessa onipresença do Grande Irmão e do esmagador controle que exercia sobre as mentes, o rapaz ainda refletiu:

                   “Adormecido ou desperto, trabalhando ou comendo, dentro e fora de casa, no banheiro ou na cama - não havia fuga. Nada pertencia ao indivíduo, com exceção de alguns centímetros cúbicos dentro do crânio.

(...)
Conforme os minutos avançaram, a luz solar destacou as janelas do Ministério. Elas lembravam “seteiras de uma fortaleza” e isso fez Winston tremer... Nada podia contra a estrutura, nem mesmo “mil bombas-foguetes” poderiam abalá-la.
Como alguém que se dispunha a escrever um diário poderia manter-se em segurança? Afinal, a quem escreveria? Ao futuro? Ao passado – uma época eventualmente imaginária?
Essas questões eram pesadas, mas não tanto como a própria certeza de que terminaria aniquilado, melhor seria dizer vaporizado... As forças de repressão policial reduziriam o diário a cinzas. O documento só seria conhecido pela Polícia do Pensamento, que depois o eliminaria a fim de apagá-lo de qualquer memória.
Então, como dedicar sua produção textual ao futuro se sequer poderia imaginar a sobrevivência do indivíduo ou de “palavras anônimas rabiscadas num pedaço de papel?”
(...)
Duas da tarde... Winston teria mais dez minutos antes de se retirar para o segundo turno no Ministério da Verdade, que se iniciava às duas e meia.
A teletela anunciou as catorze horas e isso pareceu renovar-lhe o ânimo. Mesmo reconhecendo que muito provavelmente não passasse de “um fantasma solitário” que fazia registros de “verdades que ninguém jamais ouviria”, o consolava o fato de que enquanto pudesse se exprimir, “a continuidade não seria interrompida”. Nesse sentido, permanecer “são de mente” era-lhe mais importante para a “preservação da herança humana” do que a possibilidade de se fazer ouvido.
Por isso voltou à mesa e pegou a pena e redigiu:

                   “Ao futuro ou ao passado, a uma época em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam diferentes uns dos outros e que não vivam sós - a uma época em que a verdade existir e o que foi feito não puder ser desfeito:
Cumprimentos da era de uniformidade, da era da solidão, da era do Grande Irmão, da era do duplipensar!”

Winston pensou em sua condição vinculada à morte... A dedicatória e saudação que acabara de registrar no diário eram “passos decisivos” que trariam como consequência um fim amargo.
Por fim ainda redigiu: “Crimideia não acarreta a morte: crimideia é a morte”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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